terça-feira, 5 de março de 2019

Traçando um paralelo entre a obsolescência do motor 2-tempos de ignição por faísca e o atual cerco ao Diesel

Houve uma época que motores 2-tempos de ignição por faísca viviam dias de glória, e modelos como o DKW-Vemag Belcar marcavam presença até mesmo no Brasil, com a distinção de exemplares na cor cinza terem sido escolhidos como o modelo padrão para uso como táxi em Brasília na época que a então nova capital federal foi inaugurada em 21 de abril de 1960. A simplicidade técnica desse tipo de motor, notabilizado pela ausência de um mecanismo de sincronização de válvulas e de uma bomba de óleo, era convidativa para fabricantes menores como a antiga Vemag, licenciada pela Auto Union para produzir a linha DKW no Brasil. No entanto, acabaram sucumbindo a fatores que incluíram um recrudescimento das normas de emissões em mercados com alto volume de vendas, a exemplo do que se vem tentando levar a cabo contra os motores Diesel.
A ausência de válvulas de admissão e escape, valendo-se da posição dos pistões para fechar janelas de transferência entre o cárter e os cilindros e de escape entre os cilindros e o coletor de escape, leva à limitação de uma geometria fixa dessas janelas que acaba por interferir nas curvas de potência e torque e no consumo de combustível. É natural que numa aplicação automotiva faça sentido priorizar o torque em baixa rotação, valendo-se de janelas menores às custas de uma faixa útil mais estreita em comparação a uma motocicleta como a antiga Yamaha RD 135 que tinha uma faixa útil mais ampla e janelas proporcionalmente maiores em relação à cilindrada. Como a transferência se inicia antes que a janela de escape esteja completamente fechada, valendo-se da pressão de admissão para expelir mais rapidamente os gases de escapamento, ocorre também uma perda de mistura ar/combustível crua e por conseguinte se tem um impacto sobre o consumo de combustível e a emissão de hidrocarbonetos crus. A câmara de reflexão que costuma ser incorporada à tubulação de escapamento em alguns modelos tem a função de gerar uma contrapressão e retornar parte da carga de admissão que seria perdida para que possa ser corretamente queimada, mas não é possível garantir eficiência de 100% por ser também otimizada para uma porção mais estreita da faixa de rotação.
Uma peculiaridade dos motores 2-tempos de ignição por faísca que justifica comparação aos motores Diesel é a fumaça visível provocada pela necessidade de adição de óleo à gasolina devido à ausência de um sistema de lubrificação por recirculação. Normalmente com uma coloração azulada, pode ser diminuída com o uso de óleos sintéticos que podem ser usados numa proporção menor ou então os de base vegetal ainda muito populares para uso em karts e outras aplicações de alto desempenho e que tem uma maior solubilidade no etanol. De certa forma, atualmente a busca por opções para diminuir a dependência por derivados de petróleo já poderia levar a crer que os motores 2-tempos de ignição por faísca estariam numa condição favorável ao menos diante dos similares 4-tempos (ciclo Otto) para os quais um lubrificante de base renovável ainda não é disponibilizado em escala comercial mesmo com o sucesso em testes conduzidos pela Petronas na Malásia com o óleo de palma (basicamente o mesmo azeite de dendê tão apreciado na culinária baiana). Uma proporção excessiva de óleo acarreta também na carbonização ao redor do eletrodo da vela de ignição, podendo agravar o problema em função do impacto que possa acarretar sobre a eficiência do processo de combustão.
Outra característica que pode ser observada para traçar um paralelo é a insuficiência de freio-motor, que pode ser atribuída à falta de uma restrição ajustável aos fluxos internos. Enquanto num Diesel é comum que não exista uma borboleta de aceleração para limitar a carga de admissão, nos 2-tempos a ausência das válvulas de escape faz com que não se possa reter tão facilmente uma parte dos gases de exaustão para gerar uma pressão maior no cilindro e forçar a desaceleração. Para os motores Diesel é até bastante comum o uso de dispositivos auxiliares de freio-motor por meio de válvula-borboleta na tubulação de escapamento, além de eventualmente um turbocompressor de geometria variável poder também intensificar esse efeito. Já nos motores 2-tempos com ignição por faísca, a presença de um flap retrátil cobrindo parte da janela de admissão em faixas de rotação mais baixas como o YPVS que equipou entre outros modelos a Yamaha DT 200R, a finalidade era melhorar o torque em baixos regimes. No entanto, para não eliminar uma tomada de força que serviria originalmente para a bomba do sistema de lubrificação automática (Autolube) com reservatório separado para o óleo, se recorria a um acionamento eletrônico para o YPVS.
A princípio pode-se deduzir que o fator mais preponderante para o fim precoce dos motores 2-tempos de ignição por faísca em aplicações veiculares seja ironicamente a simplicidade construtiva, fazendo com que a busca por soluções mais complexas para o controle de emissões eventualmente acabe por se tornar muito onerosa, pesada e volumosa a ponto de eliminar as vantagens de um custo moderado e instalação compacta em aplicações com restrição de espaço que o priorizavam. São motores que não deixa de merecer algum respeito e admiração, mas essa percepção como uma opção "barata" em contraponto ao preço geralmente mais elevado de um motor Diesel faz com que pareça mais difícil seguir os apresentando com uma imagem de competitividade diante do ciclo Otto. Enfim, por mais que também tenha uma legião de entusiastas, o motor 2-tempos de ignição por faísca parece ter a obsolescência mais fácil de assimilar.

2 comentários:

  1. Eram motores muito simples e tinham fãs incondicionais, tanto que ainda continuam firmes e fortes em alguns equipamentos portáteis e motores de popa para barco.

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  2. Meu marido tinha uma Yamaha TT 125 na época que eu conheci ele. Às vezes quando eu vou no supermercado e vejo óleo 2T à venda eu consigo lembrar até do cheiro que deixava no escapamento.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html