sexta-feira, 29 de março de 2019

Reflexão: até que ponto a eletrônica realmente se tornou um empecilho à durabilidade das novas gerações de motores Diesel?

Já não é nenhuma novidade que o gerenciamento eletrônico auxiliou o alto grau de evolução na linha de motores Diesel veiculares, tanto no controle de emissões cada vez mais sujeito a regulamentações eventualmente exageradas quanto no alcance de níveis de potência e torque antes inimagináveis sem comprometer excessivamente a eficiência e a durabilidade. Naturalmente, persistem alguns temores em torno da adequação de sistemas eletrônicos às condições operacionais que possam ser encontradas em aplicações extremas, como é o caso de viaturas de bombeiros. Apesar de também ser importante observar a massificação do turbocompressor e considerar também as curvas de potência e torque em motores de diferentes faixas de cilindrada operando em faixas de rotação igualmente distintas, não é nenhum erro ponderar que a o gerenciamento eletrônico passa longe de constituir efetivamente uma desvantagem ao compararmos o motor Cummins ISF2.8 usado na 2ª geração do Agrale Marruá e o Perkins 4.236 que chegou a ser oferecido para o Engesa.

É previsível que a imagem de facilidade de manutenção inerente a um motor mais rústico, que possa ser revisado e eventualmente consertado sem recursos técnicos muito avançados, agrade a quem não compartilha da obsessão por um desempenho mais próximo ao de similares de ignição por faísca que tem balizado o desenvolvimento das gerações mais modernas de motores Diesel. A percepção de uma maior resistência a condições ambientais severas frequentemente associada ao estereótipo de motores "de trator" também é frequentemente apontada como um pretexto para que motores de frotas militares permanecessem defasados em comparação aos oferecidos em modelos civis, tomando por exemplo o caso de quando a Land Rover mantinha o motor 300Tdi em linha até 2006 para atender à demanda de forças armadas de diversos países que o preferiam ao invés do então moderno porém mais complexo Td5, antes que ambos fossem substituídos pelos motores Ford "Puma" à época usados na Transit e posteriormente na Ranger. E por mais que a suscetibilidade a danos provocados por umidade pudesse soar assustadora, a correta vedação de conectores elétricos e a ausência de um sistema de ignição de alta tensão que seria efetivamente mais vulnerável aos efeitos da umidade afastam maior preocupação nesse sentido.
No meio militar também havia o temor quanto aos pulsos eletromagnéticos afetarem o funcionamento de dispositivos eletrônicos, que tornou-se um dos pretextos para o Diesel tornar-se desejável para uso nas viaturas tático-operacionais, de modo que uma invulnerabilidade dos motores sem gerenciamento eletrônico ao eventual uso de interferências eletrônicas para desativar equipamentos de forças hostis em campo de batalha assegurou uma espécie de reserva de mercado nesse segmento. Mas antes de se desesperar por medo de um hecatombe nuclear desabilitar qualquer circuito eletrônico, é importante destacar que até elementos aparentemente banais e outros mais sofisticados já emitem interferências eletromagnéticas. Desde um rádio-comunicador até um GPS, passando por equipamentos médicos em uma ambulância, todo circuito tanto elétrico quanto eletrônico em operação está sujeito à formação de campos magnéticos, e portanto não só módulos mas também a cablagem deve ser adequadamente dimensionados para que esses campos fiquem mais contidos, até para dificultar a detecção através de radares inimigos. A necessidade de equipamentos mais sofisticados para detecção de avarias e uma maior dificuldade para fazer reparos emergenciais provisórios com recursos improvisados quando a logística de reposição de peças estivesse mais desafiadora era outro ponto especialmente crítico para operadores militares.

Outro ponto a se destacar no tocante aos desafios que o gerenciamento eletrônico enfrentou para se fazer presente até nas frotas operacionais militares é o impacto que as variações nas especificações do combustível disponível em zonas conflagradas teriam, especialmente sobre os sistemas de injeção direta de alta pressão do tipo common-rail. Desde uma viscosidade mais elevada até teores de enxofre absurdamente altos e um índice de cetano (que quantifica a propagação da chama) baixo, passando pela eventual presença de impurezas que viessem a causar entupimento nos orifícios calibrados dos bicos injetores e que são mais finos para permitir uma melhor atomização do combustível, e em casos mais extremos fazer necessário até mesmo usar combustíveis que um operador civil às vezes nem se dê conta de que seriam compatíveis com alguns motores Diesel como o querosene (tanto o de aviação quanto o iluminante) ou mesmo o uso direto de óleos vegetais brutos, motores como o 1KD-FTV que a geração anterior da Toyota Hilux usou no Brasil ainda suscitavam dúvidas em outros países onde até o antigo 5L-E de injeção indireta se mantinha firme mesmo já incorporando acelerador eletrônico drive-by-wire à bomba injetora do tipo distributiva (ou rotativa). No fim das contas o Exército Brasileiro, mesmo estando isento da obrigatoriedade de enquadrar as viaturas operacionais às mesmas normas de emissões aplicáveis a veículos civis em função de eventuais prejuízos que o uso de combustíveis de especificação diferente pudessem causar a dispositivos de controle de emissões, não se mantém alheio à evolução tecnológica dos motores Diesel e à importância que ainda terão no âmbito da segurança e defesa.

Não surpreende que a lembrança de casos como o da Volkswagen com os primeiros Gol GTi, cuja injeção eletrônica era suscetível a interferências ao trafegar em áreas com uma elevada concentração de antenas transmissoras de rádio e televisão, tivesse inspirado algum receio quando o gerenciamento eletrônico de motores permanecia em estágios mais primitivos, fizesse a tecnologia enfrentasse mais resistência junto a um público mais conservador e tenha se mantido por mais tempo um tanto restrita à ignição por faísca. Já não se observa esse problema em veículos mais modernos, e à medida que a injeção eletrônica se tornava hegemônica nos principais mercados automobilísticos desde a década de '90 para a ignição por faísca surgia o interesse em levá-la também para modelos dotados de motores Diesel, com alguns fabricantes como a PSA já aproveitando para dar um passo além com a transição da injeção indireta para direta simultaneamente à introdução de motores Diesel com gerenciamento eletrônico em modelos como o Citroën Xsara, ainda que alguns motores mais simples mantivessem a injeção indireta e o controle eletrônico só da bomba injetora e do acelerador a partir do ano 2000 para serem enquadrados nas normas Euro-3.

Já em modelos mais recentes que no Brasil não contam com a opção pelo Diesel ainda em função das restrições por capacidades de carga e passageiros ou tração como o C4 Cactus e outros que já podem beneficiar-se do progresso das gerações mais modernas de motores turbodiesel como acontece com o furgão Jumpy, diante do recrudescimento das normas de emissões é imprescindível salientar que o gerenciamento eletrônico precedeu a massificação de dispositivos diversos como o filtro de material particulado (DPF - Diesel Particulate Filter) e o SCR. A bem da verdade, por mais que a presença de uma quantidade cada vez maior de sensores eletrônicos não deixe de aterrorizar gestores de frota e os encarregados de manutenção, um controle mais apurado do processo de combustão permite diminuir o impacto de algumas condições adversas sobre a durabilidade tanto do motor quanto desses sistemas em comparação ao que seria possível em motores à moda antiga 100% mecânicos que dependiam só da pressão atmosférica quando aspirados ou da pressão absoluta (MAP) no coletor de admissão para os turbodiesel para dosar o combustível. A simples aferição da temperatura dos gases de escapamento permite eventualmente recalibrar em tempo real o volume de injeção de óleo diesel convencional ou substitutivos como o biodiesel quando forem detectadas alterações que indiquem uma proporção mais rica de combustível em proporção à carga de ar de admissão, podendo no entanto se tornar uma faca de dois gumes ao considerarmos que pode disfarçar um problema mais sério que seria mais evidente caso ocorresse num "pau véio".
Tomando por exemplo uma eventual queda na compressão em decorrência de desgaste natural dos pistões, anéis de segmento e camisas de cilindro, possivelmente o condutor de um Citroën Jumpy não se desse conta do problema tão rapidamente, tendo em vista que o ajuste da injeção com base também na análise dos gases de escapamento atenuaria um incremento na formação de material particulado e poderia não resultar numa necessidade de mais ciclos de autolimpeza (ou "regeneração") do DPF ao tentar forçar as temperaturas de gases de escapamento (EGT) a permanecerem numa faixa padrão por meio de um empobrecimento da proporção ar/combustível. Já num veículo mais antigo e com motor sem gerenciamento eletrônico como o Mercedes-Benz MB-180D, a combustão incompleta decorrente de uma situação análoga seria mais facilmente perceptível e evidenciaria a necessidade de retificar o motor antes que o problema se agravasse. Portanto, diante da possibilidade de que em algumas circunstâncias tanto dispositivos de controle de emissões quanto do próprio gerenciamento eletrônico dificultem a detecção precoce de alguma irregularidade mais séria no funcionamento dos motores, seria equivocado pressupor que a eletrônica pura e simplesmente constitua um empecilho à durabilidade.

2 comentários:

  1. Nesses carros mais novos com eletrônica, sempre vai ter algum aviso para levar na oficina antes que o problema fique mais sério.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Exato. A plataforma de diagnóstico de falhas OBD-II e as luzes de advertência não são um simples enfeite.

      Excluir

Seja bem-vindo e entre na conversa. Por favor, comente apenas em português, espanhol ou inglês.

Welcome, and get into the talk. Please, comment only either in Portuguese, Spanish or English.


- - LEIA ANTES DE COMENTAR / READ BEFORE COMMENT - -

Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html