sexta-feira, 26 de junho de 2020

5 desafios para o Diesel em automóveis mais simples a nível de Brasil e Mercosul

Foi-se o tempo em que a disponibilidade de motores Diesel era uma das diferenças mais notáveis das versões de exportação de automóveis brasileiros, desde alguns projetos regionais com um foco mais direcionado a mercados periféricos como o Fiat Palio até os modelos "mundiais" como o Volkswagen Polo de 4ª geração. Antes indispensáveis para atender à grande maioria dos mercados de exportação regional independentemente de tamanho e faixas de preço, em menos de 20 anos uma reviravolta que não se resume a políticas e também abrange questões de cunho técnico que levaram o Diesel a deixar de ser tão relevante ao menos entre os veículos compactos. Sem dúvidas, uma série de fatores levou a essa situação, com ao menos 5 aspectos especialmente relevantes se destacando:
1 - massificação do turbo: no caso específico do Polo, cuja mudança de geração no exterior não teve um acompanhamento na produção brasileira e portanto prejudicou até mesmo exportações regionais, a geração que inaugurou a versão hatch no Brasil foi a última a dispor de motores Diesel aspirados. É de se destacar que argentinos e uruguaios eram especialmente receptivos a motores mais pé-duro, em função tanto do custo inicial quanto da percepção de uma maior facilidade para manutenções a serem feitas de forma até um tanto precária, em que pese a forte tradição agropecuária fazendo o Diesel ser visto como uma opção essencialmente utilitária que eventualmente não justificasse um incremento de custo inerente a melhorias tecnológicas por mais relativamente simples que fossem como era o caso do turbo. Aquela rusticidade "de trator" que afugentava uma parte do público generalista sucumbiu às normas de emissões cada vez mais rigorosas e a princípio inatingíveis sem o auxílio do turbo, e assim um rigor na observância das especificações de insumos como o óleo lubrificante tornou-se ainda mais crítica para o bom funcionamento do motor;
2 - relativa defasagem dos motores a gasolina: enquanto nos motores Diesel para veículos leves há uma semelhança nos principais componentes independentemente do mercado aos quais se ofereçam, e as principais diferenças estejam hoje concentradas na incorporação ou não de alguns dispositivos de controle de emissões como o filtro de material particulado (DPF) que por sua vez é muito vulnerável a discrepâncias nas especificações do combustível e até do óleo lubrificante utilizados, ao tratar-se de motores a gasolina e por extensão dos "flex" aptos a operar também com etanol no Brasil era comum uma estratégia mais conservadora como a rejeição a motores com mais de duas válvulas por cilindro. Tanto num modelo que almejava valer-se de uma imagem mais prestigiosa de "carro mundial" como o Polo quanto no Gol, versões com motor de 16 válvulas são muito difíceis de se encontrar enquanto as de 8 válvulas podem ser vistas literalmente em qualquer esquina. Vale destacar que especialmente na Argentina ainda é muito comum tão logo a injeção eletrônica apresente algum defeito adaptar um carburador no lugar devido à percepção de um menor custo dessa abordagem. O fato de não haver em países vizinhos um benefício a motores de até 1.0L como no Brasil também acaba constituindo um desincentivo ao downsizing, de modo que mesmo gerações mais recentes venham incorporando características como cabeçotes de 16 válvulas o restante ainda é basicamente o mesmo que se via no motor dum Gol de 20 anos atrás;
3 - etanol e gás natural: mesmo que em grande parte do território brasileiro persistam desconfianças com relação a esses combustíveis alternativos, tanto em função da dependência excessiva por uma matéria-prima principal para o etanol quanto pela disponibilidade geográfica limitada do gás natural e do peso e volume excessivos ocupados por um kit de conversão para GNV, não há como negar algum impacto persistente de equívocos associados à mal-formulada "diplomacia do etanol" na diminuição da oferta de motores Diesel em veículos leves brasileiros para exportação, bem como da presença do gás natural consolidada especialmente na Argentina. E mesmo que atualmente só o Paraguai importe regularmente automóveis "flex" de fabricação brasileira, não convém desconsiderar a influência da Argentina como líder regional no desenvolvimento de sistemas de gás natural veicular especialmente como uma alternativa para a crise que se aprofunda no país vizinho com o retorno do socialismo à Casa Rosada;

4 - alinhamento técnico com a China: tomando por referência a atual geração do Chevrolet Onix, que teve a estréia mundial na China onde é vendido somente com carroceria sedan, observa-se hoje uma maior proximidade das linhas de alguns fabricantes na América do Sul com o que as respectivas joint-ventures chinesas oferecem. E como a ditadura comunista da China é muito refratária ao Diesel em veículos leves, tal fator somado aos desafios do controle de emissões e como justificar o eventual incremento nos custos de produção e comercialização de uma mula-de-cigano direcionada ao terceiro mundo acaba sendo uma forma até bastante previsível para que o investimento para desenvolver uma versão turbodiesel nem seja cogitado. E a bem da verdade, considerando que tanto a massificação do turbo já atinge motores a gasolina e "flex" levando a um incremento no custo e complexidade quanto a possibilidade do outsourcing permitindo conciliar a liberdade de escolha e a viabilidade econômica, a influência chinesa é um problema mais político do que técnico;

5 - custo e inconveniências práticas de alguns dispositivos de controle de emissões: tomando por referência a 5ª geração do Volkswagen Polo, cuja versão sedan denominada Vento na Índia de onde é exportada para alguns países vizinhos e pode até ser vista nas mãos de turistas argentinos durante o verão no litoral sul brasileiro, salta aos olhos o recente fim das versões 1.5 TDI na Índia em resposta às normas de emissões Bharat Stage VI equivalentes à Euro-6 e que foram introduzidas no mercado indiano recentemente. Naturalmente foi uma medida questionável, mas a exigência pelo filtro de material particulado (DPF) para atender ao novo padrão vem sendo apontada como um dos principais motivos para a eliminação dos motores turbodiesel na linha indiana da Volkswagen, bem como o fato de predominar o recurso ao SCR mesmo em veículos leves à medida que se avança rumo à Euro-6 e as dificuldades logísticas para assegurar a distribuição de óleo diesel com baixo teor de enxofre e do fluido-padrão AdBlue/ARLA-32/ARNOx-32 não apenas nas principais rotas rodoviárias e grandes centros. Portanto, não deixa de ser previsível que numa região onde o custo sempre foi um fator crítico e eventuais negligências no tocante à manutenção possam ter efeitos ainda mais nefastos em motores e sistemas de pós-tratamento de escape mais sofisticados também possa ser mais desafiador manter a opção pelo Diesel a exemplo do que se observa na Índia. E mesmo que um eventual fomento ao biodiesel para aproveitar a vocação agropecuária de países como Argentina, Uruguai e até mesmo o Brasil caso seja liberado o Diesel, não se pode negar que uma parte do público permanecerá refratária a mais um procedimento na rotina de manutenção que seria completar o nível de AdBlue.

segunda-feira, 22 de junho de 2020

5 veículos para os quais o motor Perkins 4.108 poderia ter sido uma opção adequada mesmo quando já avançava a década de '90

Não há dúvidas quanto à importância que o motor Perkins 4.108 teve na abertura do mercado para os motores Diesel em veículos leves em países como a Espanha, onde foi produzido localmente e usado até em versões regionais do Jeep CJ-3B ("cara de cavalo") substituindo o Hurricane a gasolina que foi o único motor oferecido oficialmente no Brasil por exemplo. Por se tratar de um motor mais rústico, é previsível que passasse a ser visto com algum ceticismo à medida que iam surgindo concorrentes com uma configuração mais moderna e refinada de acordo com as expectativas de uma parcela do público generalista. Mesmo assim, não é inoportuno destacar modelos mais modernos que o Jeep CJ-3B em diferentes segmentos e que ainda poderiam ser relativamente bem servidos pelo supostamente arcaico motor Perkins 4.108 mesmo já adentrando a década de '90, e ao menos 5 exemplos vem logo à mente.

1 - Ford Escort Mk.5: contou em alguns mercados com o motor Endura-D de 1.8L próprio da Ford e que, se por um lado dispunha de uma curva de torque um pouco mais generosa mesmo nas versões de aspiração natural, tinha mais complexidade recorrendo a correias sincronizadoras individuais para o comando de válvulas e para a bomba injetora ao invés da sincronização direta por engrenagens usada pela Perkins cuja cilindrada também estava na faixa de 1.8L do Endura-E. O fato da maioria dentre as versões produzidas no Brasil e na Argentina terem usado motores Volkswagen já levaria a crer que o outsourcing de um motor Diesel para as versões regionais não soaria tão absurdo;

2 - Suzuki Vitara: o SUV compacto japonês chegou a ser bem-sucedido também no Brasil em meio à reabertura das importações na década de '90, e chegou a ter em alguns países a opção por motores Diesel na maior parte dos casos o XUD9 de 1.9L proveniente da Peugeot. Considerando que o Vitara chegou a ser feito também na Espanha para burlar restrições à importação de veículos japoneses na União Européia, não teria sido inoportuno aproveitar a produção espanhola do motor Perkins 4.108 tanto visando manter o alto índice de componentes de origem local quanto pela rusticidade atender bem às efetivas necessidades de uma parte público que ainda procurava por um veículo 4X4 de porte compacto pelas aptidões off-road e seria especialmente favorecido por um motor tecnicamente mais simples e robusto. Ainda assim, como o motor Peugeot também era muito difundido pela Europa e já oferecia um desempenho mais favorável, a confiabilidade amplamente reconhecida não foi suficiente para o Perkins 4.108 permanecer nas graças do mercado;

3 - Opel/Chevrolet Vectra A: lançado em '88 na Europa, onde se manteve até '95, a geração inicial do Vectra chegou tardiamente ao Brasil em '93. Naturalmente, não seria possível comercializar com motor Diesel no mercado nacional, embora para exportação regional pudesse ter sido uma boa opção. Comparando o Perkins 4.108 ao motor Opel 17RD de 1.7L baseado na mesma linha que originou os motores Família II a gasolina de 2.0L oferecidos localmente, cabe destacar que o Perkins se mantém favorecido até 3000 RPM mesmo que os picos de torque de 11 kgfm a 2200 RPM para o 4.108 e 10,7 kgfm entre 2400 e 2600 RPM para o 17RD pareçam próximos demais. Após isso, a queda no torque é naturalmente mais acentuada para o Perkins até chegar ao limite de 4400 RPM enquanto o Opel ainda alcança 5000 RPM. Mas considerando condições de uso normal, para as quais dificilmente se faça necessário ir muito além das faixas de torque máximo para manter uma velocidade de cruzeiro confortável, já seria um bom quebra-galho para quem tem medo de correia dentada...
Convém lembrar que as versões turbodiesel recorriam a motores Isuzu 4EE1-TC ao invés dum motor originário da Opel, mas na mesma faixa de cilindrada de 1.7L dos aspirados. Portanto, também já não seria tão absurdo o outsourcing junto à Perkins para ter atendido a países como a Inglaterra que diga-se de passagem é o país de origem da Perkins, e onde o Vectra era vendido como Vauxhall. Outros mercados onde um motor mais rústico poderia ainda ser apreciado incluiriam naturalmente a América Latina, África e Oriente Médio onde uma combinação entre as normas de emissões menos restritivas e a grande resiliência a condições ambientais severas faria com que um motor supostamente defasado se mantivesse competitivo;

4 - Peugeot 309: embora parecesse inoportuno tentar oferecer um motor mais rústico que o Perkins 4.108 quando já estavam disponíveis os motores XUD7 de 1.7L sempre com aspiração natural e o já mencionado XUD9 disponível também com turbo, e a configuração com o comando de válvulas no cabeçote proporcionar uma sensível vantagem no desempenho que no XUD7 supera numa proporção maior que o incremento de tão somente 9cc na cilindrada comparado ao 4.108 (indo de 1760cc para 1769cc) em todas as faixas de rotação, também é conveniente recordar que algumas versões feitas na Espanha contaram com motores de 1.1L e 1.3L a gasolina ainda com comando de válvulas no bloco sincronizado por corrente e originalmente desenvolvidos pela Simca, e que por incrível que pareça o Perkins ainda desenvolve mais torque numa faixa de rotações ampla mesmo com a diminuição após a faixa do pico. Enquanto o 1.3 precisa superar 3200 RPM para começar a apresentar alguma vantagem no torque, isso só acontece com o 1.1 acima de 4100 RPM, e naturalmente já estariam acima de um regime de rotações que já seria suficiente para proporcionar uma velocidade de cruzeiro confortável. Considerando o favorecimento a motores "arcaicos" que perdurou na Espanha, não teria sido tão infundado crer que o Perkins 4.108 ainda pudesse ter se sustentado no Peugeot 309 desde o início da produção em '85 até o final em '93 em função do mercado espanhol e ainda para atender à exportação a ex-colônias como o Uruguai;

5 - Nissan Sentra de 4ª geração: apesar de que parecia inoportuno sequer considerar o velho Perkins 4.108 quando se podia lançar mão do motor Nissan CD20 de 2.0L que apresentava um desempenho superior a partir de 1500 RPM até o corte de giro a 5200 RPM, bem como do torque de 13,5 kgfm a 2800 RPM, novamente vale destacar não só a cilindrada como também características construtivas de cada motor. Nesse caso, tomando por referência os cupins-de-ferro de plantão nos países de terceiro mundo, não seria de se desprezar no 4.108 a ausência de uma correia sincronizadora que é indispensável para o CD20. E por mais que possa soar medíocre fazer a comparação com um motor a gasolina numa faixa de cilindrada inferior para justificar o Perkins, há de se considerar não apenas as condições que predominavam na maior parte dos mercados automobilísticos até a década de '90 antes da massificação do turbo e da injeção direta mas também o grau de prioridade que alguns consumidores dariam ao Diesel, de modo que um desempenho mais vigoroso entre 1100 e 3200 RPM põe o 4.108 em vantagem diante do motor Nissan GA13DE a gasolina de 1.3L com comando de válvulas duplo no cabeçote (DOHC) sincronizado por corrente agregando ainda mais complexidade.

terça-feira, 16 de junho de 2020

5 motores que seriam tentadores para adaptar num Fiat Marea

Amado por alguns, temido por outros tantos, e odiado por outros, o Fiat Marea é daqueles carros que não são vistos com indiferença por quase ninguém. Mesmo com algumas qualidades, o modelo sofreu com uma estratégia equivocada da Fiat no tocante à oferta de motores que o prejudicou no mercado e deu margem ao temor quanto à excessiva complexidade de manutenção em algumas versões. Pode-se portanto deduzir que seria um bom receptor para a adaptação de algum motor Diesel caso viesse a ser liberado o uso em veículos leves no Brasil, onde dada a indisponibilidade dos motores originalmente usados em versões turbodiesel no exterior dá margem à especulação em torno da adequação de outros que possam atender satisfatoriamente ao serem instalados num Marea. Dentre as opções de motor que seriam especialmente tentadores para fazer o repotenciamento, ao menos 5 se destacam:

1 - Perkins 404: até mesmo a versão 404D-22 com aspiração natural já está apto a proporcionar um bom desempenho em condições normais de uso. Naturalmente, a ausência do turbo colocaria a versão mais simples dentre as com 4 cilindros da série 400 numa situação desfavorável até mesmo diante do TD75 que foi oferecido no Marea europeu como a opção básica para quem não dispensava o Diesel, mas não chega a constituir um impedimento para quem priorize a economia operacional e a robustez normalmente associada a motores mais rústicos. Para quem prefira um desempenho mais vigoroso, as versões turbo com ou sem intercooler desse motor de 2.2L podem oferecer um desempenho que não deixa a desejar nem em comparação aos TD100, JTD105 e JTD110 na mesma faixa de cilindrada de 1.9L que o TD75 está situado;

2 - Yanmar TNV: mais facilmente encontrado em aplicações estacionárias/industriais e agrícolas, também é disponibilizado em versões marítimas. Os motores Yanmar da série TNV mais adequados para adaptação no Marea são o 4TNV88 de 2.2L que pode ser encontrado em versões de aspiração natural ou turbo e o 4TNV84 de 2.0L sempre com turbo;

3 - Peugeot DW10: um motor bastante conhecido na Europa e na Argentina, mas que ainda encontra algum preconceito junto ao público brasileiro. O gerenciamento eletrônico permite ajustar o motor a diferentes parâmetros de potência e torque, para operar com ou sem recursos como o resfriador de ar (intercooler) e também desabilitar alguns dispositivos de controle de emissões que não se faziam necessários para atender às normas que vigoravam durante o ciclo de fabricação do Marea tanto no Brasil quanto na Itália;

4 - Peugeot DV6: um motor que se tornou mais comum no Brasil recentemente pelo uso em veículos utilitários de carga, é um dos motores mais destacados entre os turbodiesel de 1.6L na Europa, onde a faixa de cilindrada ganhou mais presença de mercado em função da alíquota de impostos menor em comparação a alguns motores de cilindrada mais alta. Também é bem conhecido na Argentina e no Uruguai, onde chegou a ser oferecido até em versões de exportação de alguns carros fabricados no Brasil mesmo;

5 - Fiat Multijet II: já usado no Brasil em versão de 2.0L e derivado da mesma linha de motores modulares Pratola Serra que deu origem aos motores de 1.8L e 4 cilindros, e 2.0L e 2.4L de 5 cilindros a gasolina usados no Marea nacional, bem como de versões turbodiesel de 1.9L e 4 cilindros e 2.4L de 5 cilindros, é o mais próximo de uma solução plug-and-play para a adaptação.

sábado, 13 de junho de 2020

Refletindo sobre como o motor BMW M10 a gasolina e um derivado destinado à Fórmula 1 podem ser precedentes improváveis da aptidão que algum turbodiesel com 4 cilindros tenha para fazer frente a um V6

Pode parecer num primeiro momento que não faça tanto sentido iniciar uma reflexão sobre motores Diesel tomando por referência um motor a gasolina feito pela BMW de '62 a '88 equipando modelos da série 2 como o 1602 produzido de '66 a '77, além do mais quando esse mesmo acabou servindo de base para o que o tricampeão de Fórmula 1 Nelson Piquet usou para conquistar o 2º título em '83 em plena "era turbo" com aquele que viria a ser o último motor com 4 cilindros na categoria máxima do automobilismo e também o último baseado num projeto destinado à produção em série. Entretanto, o fato de ter se mantido competitivo diante de motores V6 especialmente numa era em que a mitigação do turbo-lag era ainda mais desafiadora permanece inspirador em busca de soluções que conciliem as demandas por eficiência e desempenho em meio a normativas de emissões cada vez mais rígidas. E o que parece à primeira vista improvável de se repetir junto aos motores Diesel, tem no fim das contas um ótimo precedente.
É impossível deixar de fazer uma analogia entre os motores BMW da série M10, como o M116 usado no 1602 produzido de '66 a '75, e o Cummins ISF2.8 cuja principal referência no mercado brasileiro é hoje o uso nas versões mais leves da 2ª geração dos caminhões Volkswagen Delivery. Naturalmente o fato do M116 ser superquadrado com o diâmetro dos pistões de 84mm maior que o curso de 71mm já o torna mais favorável à operação em faixas de rotação mais altas, tomando por referência os regimes de potência máxima de 85cv a 5800 RPM para o M116 de rua, apesar do M12 da Fórmula 1 recorrer ao diâmetro de 89,2mm e curso de 60mm levando a alcançar com o auxílio de um turbo potências na casa de 800cv a 9700 RPM na configuração para os treinos classificatórios na temporada '83. Já para o motor Cummins ISF2.8 o fato de ser um motor subquadrado com o diâmetro de 94mm menor que o curso de 100mm privilegia o torque em regimes de baixa rotação, e o projeto original não prevê tanta opção por variações no diâmetro ou no curso mas tem mais outras características dignas de nota.
O motor Cummins ISF2.8 é configurado com 4 válvulas por cilindro mesmo recorrendo ao comando simples (SOHC), enquanto no caso dos motores BMW M10 foi necessário substituir o cabeçote com comando simples por um especial com comando duplo (DOHC) passando de duas para 4 válvulas por cilindro no motor BMW M12 de Fórmula 1. A princípio poderia soar vantajoso oferecer também um cabeçote DOHC caso venha a ser desenvolvida uma versão mais sofisticada para que o ISF2.8 atenda mais facilmente às expectativas de um público mais exigente em comparação a uma simplicidade que é mais apreciada em veículos utilitários comerciais, mas no fim das contas como um cabeçote SOHC não impede que se recorra à configuração com 4 válvulas por cilindro a menor inércia comparando a um DOHC mantém-se desejável devido à redução de atritos internos sem sacrificar um melhor fluxo em faixas de rotação que podem ser consideradas de média a alta no que se refere a motores Diesel. E assim, uma comparação entre um motor "de Fórmula 1" e o de um caminhão leve soa menos absurda.
Em que pesem as óbvias diferenças entre um caminhão Volkswagen Delivery Express e um SUV de alto luxo como o Audi Q8, a proximidade das faixas de cilindrada ainda permite uma comparação até certo ponto equilibrada entre a simplicidade do Cummins ISF2.8 e toda a sofisticação do 3.0 V6 TDI. Por mais surpreendente que possa parecer num primeiro momento, o 3.0 TDI chega a ser ainda mais subquadrado com diâmetro de 83mm e curso de 91,4mm mesmo sendo destinado a operar em faixas de rotação consideravelmente mais altas que de certa forma enfatizam junto a um público mais amplo e diversificado as vantagens que um turbodiesel pode apresentar diante de um similar a gasolina mas que costumavam ser mais apreciadas em segmentos mais específicos. No tocante à sobrealimentação, é importante recordar que o ISF2.8 foi projetado para atender a aplicações mais sensíveis ao impacto do custo e portanto recorre a um turbocompressor convencional de geometria fixa com controle de pressão por válvula de prioridade, enquanto o 3.0 TDI lança mão de toda a complexidade do turbo de geometria variável controlado eletronicamente que não deixa sombra de dúvidas quanto à relevância tanto para valores absolutos de potência e torque claramente superiores numa proporção maior que a diferença de cilindrada quanto pelos picos em regimes superiores mais altos. Vale destacar que para um turbo de geometria fixa "encher" mais rápido já em regimes de rotação mais modestos, precisa ter um tamanho mais compacto que se torne mais restritivo à medida que se aumente em demasia as rotações, embora tal fator seja até justificável num caminhão enquanto pode desagradar consumidores de SUVs.
Embora não seja de se esperar que o público-alvo dum modelo da categoria do Audi Q8 vá se dar por satisfeito com um Cummins ISF2.8 ajustado para 150cv a 3500 RPM e 36,7 kgfm entre 1500 e 2800 RPM ou 156cv a 3200 RPM e 43,8 kgfm de 1500 a 2400 RPM tendo à disposição o 3.0 V6 TDI com 231cv a 3250 RPM e 51 kgfm entre 1750 e 3250 RPM ou 286cv de 3500 a 4000 RPM e 61 kgfm de 2250 a 3250 RPM, não deixa de ser interessante considerar que um motor mais rústico eventualmente possa ser uma boa referência inicial para que se desenvolva uma alternativa relativamente mais barata sem sacrificar a competitividade. Considerando que a proporção entre diâmetro e curso não vá definir de forma incontestável a aptidão de um motor para operar em faixas de rotação mais amplas, e que a tecnologia aplicada ao turbo também faz uma diferença significativa, é injusto classificar os motores com 4 cilindros como inerentemente "inferiores" a um V6. Enfim, por mais que ainda possa soar um tanto improvável, motores mais despretensiosos podem proporcionar boas surpresas...

terça-feira, 9 de junho de 2020

Uma reflexão sobre o Fiat Siena Tetrafuel, motores do ciclo Otto e políticas desastrosas no âmbito dos combustíveis

Um modelo que fez algum sucesso especialmente junto aos taxistas, o Fiat Siena Tetrafuel oferecido entre 2006 e 2011 de certa forma evidencia como algumas políticas no tocante aos combustíveis para automóveis no Brasil foram desastrosas. O ufanismo populista em torno do etanol a partir de 2003 foi fogo de palha, tendo em vista que já por volta de 2006 o preço por litro já atingia o ponto em que não compensava a menor autonomia comparado à gasolina, enquanto o gás natural ainda parecia ter custo mais favorável mesmo após a "nacionalização" dos hidrocarbonetos na Bolívia então sob a ditadura de Evo Morales que roubou patrimônio da Petrobras com a cumplicidade do Lula a quem Evo chegou a sugerir que considerasse os equipamentos de extração do gás como sendo "um presente para o povo boliviano". Por mais que o gás pudesse parecer um bom quebra-galho, na prática a redução no espaço do porta-malas torna-se um problema sob o ponto de vista prático, além da posição dos cilindros do gás inviabilizar o uso de um banco traseiro rebatível, bem como a disponibilidade um tanto limitada desse combustível até em alguns centros regionais como Florianópolis mesmo que já se veja no verão mais turistas argentinos usando veículos a gasolina com kit GNV ao invés de similares turbodiesel...

No tocante ao etanol, a visão estratégica dos militares quando da implementação do ProÁlcool tinha uma intenção louvável diante das oscilações dos preços do petróleo e derivados, em resposta ao lobby que a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP/OPEC - Organization of Petroleum Exporter Countries) passou a fazer com mais intensidade durante a década de '70 após a derrota duma coalizão árabe que atacou Israel na Guerra do Yom Kippur. A tecnologia automobilística no Brasil à época era claramente mais limitada em comparação ao que se tinha quando começou a popularização dos carros "flex", e o enfoque na cana de açúcar basicamente como única matéria-prima para o etanol constituiu um erro ao não alternar-se a outros cultivares como o milho amplamente usado nos Estados Unidos, ou mesmo a uva que também pode ter um aproveitamento energético no caso do bagaço que sobra da produção de vinho. E mesmo com fatores como as dimensões continentais pesando contra a logística de uma produção do etanol mais concentrada no interior de São Paulo e faixas próximas ao litoral em estados nordestinos como Alagoas e Pernambuco, ou as temperaturas extremas que faziam a partida a frio tornar-se um martírio ainda maior com o combustível alternativo numa época em que o carburador e a ignição com variação do avanço a vácuo no distribuidor não permitiam os ajustes da mistura ar/combustível nem do ponto de ignição em tempo real, o esforço envolvido na massificação do etanol no Brasil durante o regime militar pode não ter sido perfeito mas teve seus méritos em meio à situação caótica que se deflagrou até em países mais ricos onde a dependência pelo petróleo não foi tão desafiada.

O gás natural por sua vez foi muito subestimado no Brasil ao menos até '91 quando regulamentou-se o uso em ônibus e táxis, sendo apenas em '96 que passou a ser permitido em veículos particulares, de modo que em 2006 a experiência com o gás junto a um público mais diversificado era de somente 10 anos. Já na vizinha Argentina, onde o programa do gás natural teve iniciado o uso automotivo em '84 no governo de Raúl Alfonsín também impulsionado por veículos de serviço como táxis e viaturas da própria estatal Gas del Estado mas não estava proibida a conversão de carros particulares, tornou-se o principal substituto para a gasolina e chega a competir praticamente em pé de igualdade com o óleo diesel em algumas regiões. Sem dúvidas um maior incentivo governamental favorece o gás natural na Argentina até a atualidade, e motivou investimentos privados que expandiram a presença de mercado além da Grande Buenos Aires, enquanto no Brasil a atuação excessiva da ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) além de impedir o uso de motores Diesel em veículos como um Fiat Siena acaba criando entraves para iniciativas que pudessem descentralizar mais a produção de etanol e do biogás/biometano que poderia ser especialmente útil para capilarizar mais a oferta de gás natural e agregar valor a resíduos agropecuários.

Naturalmente pesam contra o gás natural a necessidade de testes hidrostáticos dos cilindros, o maior desgaste de peças de suspensão e material de atrito dos freios especialmente no eixo traseiro, e ainda recentes aumentos no preço que diminuíram a vantagem financeira aumentando o tempo para retorno do investimento em comparação à época que o Fiat Siena Tetrafuel foi produzido. Quedas na potência e torque, que ocorrem até com o sistema de gás natural de 5ª geração dependendo do ajuste e no caso específico do Siena ficavam por volta de 15%, também suscitam uma rejeição por uma mesma parte do público generalista que torcia o nariz para o Diesel antes dos turbodiesel serem mais difundidos, ainda que seja mais fácil manusear óleo diesel convencional e biodiesel ou óleos vegetais brutos e até etanol em comparação a um combustível gasoso. Enfim, pode-se dizer que o Fiat Siena Tetrafuel foi um bom retrato de algumas tentativas desesperadas de minimizar o impacto do alto preço da gasolina e a falta de visão estratégica no tocante a combustíveis alternativos, que mesmo depois do modelo ter saído de linha ainda fazem parte da realidade brasileira.

sexta-feira, 5 de junho de 2020

Uma reflexão sobre station-wagons e o aspecto utilitário

Uma das configurações de carroceria que mais perderam participação de mercado nos últimos anos, as station-wagons se destacavam pela origem essencialmente utilitária, destacando-se sobretudo pela capacidade volumétrica superior e acessibilidade melhorada do compartimento de carga comparadas a um sedan da mesma série e a relativa facilidade para uma reconfiguração rápida do interior visando atender tanto ao transporte de passageiros quanto de alguma carga, tomando como exemplo a geração dos Ford full-size de '49 a '51 para a qual a station wagon tinha partes da carroceria de madeira, o que se conhece por "woody-wagon" também no Brasil pela influência americana e na Espanha se conhece por "rubia" (loira) em alusão à cor predominantemente clara dos painéis de madeira.

Também vale observar o caso da Volkswagen com a Parati e a Saveiro na época da linha quadrada, e quando um motor Diesel de 1.6L e injeção indireta chegou a ser disponibilizado com mais ênfase nas exportações que não estavam tão afetadas por restrições quanto às capacidades de carga e passageiros ou tração. Embora por um breve período tenha sido aberta uma exceção para regularizar a conversão de station-wagons, foi mais frequente a regularização de conversões na Saveiro, e algumas chegaram a ser vendidas oficialmente pela própria Volkswagen já com o motor Diesel. O fato de station-wagons já terem sido tratadas em outros momentos como "camionetas" de uso misto no Brasil certamente tem alguma relevância para que até '93 também fosse possível enquadrá-las numa definição de "utilitário" mais associada às pick-ups no tocante à aplicabilidade do Diesel em veículos com uma capacidade de carga abaixo de uma tonelada e tração simples.
Digna de nota também foi a relativa popularidade das conversões para cabine dupla, cujo resultado da adaptação podia ser facilmente comparável à configuração do Voyage quando a porção remanescente do compartimento de carga original recebia um "tampão marítimo". Naturalmente que os ângulos de abertura mais generosos e a maior facilidade de remoção do tampão marítimo ainda ofereciam uma facilidade na acomodação de objetos mais volumosos, além da tampa traseira original cuja abertura alcançava o assoalho e diminuía a altura de embarque de materiais mais pesados. Apesar de ao menos na teoria parecer mais simples ceder à burocracia e aderir ao modismo das pick-ups, o compartimento de carga com mais barreiras físicas limitando a reconfiguração que se observava tanto nas adaptações de cabine dupla quanto num sedan ainda podiam ser consideradas inconvenientes maiores diante da contiguidade entre o espaço de passageiros e o compartimento de bagagens e a maior flexibilidade associada a essa característica.

Algumas denominações tradicionais para o tipo de carroceria em diferentes países também refletem o viés utilitário que normalmente se atribui às wagons de um modo geral, não importando se o modelo é mais generalista como a Fiat Palio Weekend ou rodeado por uma aura de prestígio e esportividade como a Subaru Impreza SW. Desde o costume de alguns gaúchos que ainda se referem às wagons por "caminhonete" até os argentinos que as classificam como "rural", passando pelos venezuelanos que usam nomenclaturas como "camioneta ranchera" ou simplesmente "ranchera" tal qual os espanhóis, é evidenciada a imagem dessa configuração junto ao grande público como sendo apta a usos laborais com uma maior comodidade e segurança no transporte de ferramentas e insumos, ao mesmo tempo que atendem bem ao uso familiar.

No tocante às nomenclaturas, um exemplo bastante didático é o da Willys Jeep Station Wagon, mais conhecida no Brasil como Rural Willys ou simplesmente Rural e que também chegou a ser fabricada pela Ford após a fusão com a Willys-Overland do Brasil. Quando o conceito de sport-utility que se vê na atualidade ainda não havia sido estabelecido, a boa e velha Rural era tida nos Estados Unidos pura e simplesmente como mais uma station-wagon. Por mais que hoje suscite discussões acaloradas sobre até que ponto deveria ser reconhecida ao pé da letra como uma wagon ou ser enquadrada no balaio de gato que hoje leva até um hatch enfeitado como o Chery Tiggo 2 a ser anunciado como SUV, não é de todo errado atentar tanto para a nomenclatura oficial adotada pelo fabricante original quanto para as eventuais semelhanças da configuração de carroceria com a definição mais ortodoxa do que constitui uma station-wagon.

A moda dos SUVs, que já se afastou significativamente do público rural a ponto de modelos como o atual Chevrolet Tracker nem sequer contarem com a opção por tração 4X4, de certa forma vale-se de uma ênfase na configuração utilitária ainda que tenha algumas diferenças em comparação ao que era priorizado na época da Chevrolet Ipanema, de modo que hoje a forma se sobrepõe à função. Convém lembrar que em alguns países, mesmo que na prática a utilização possa ser a mesma, a classificação de "caminhão leve" tem beneficiado os SUVs com menos incidência de impostos, ainda que o perfil mais aerodinâmico e a relativa leveza inerentes a uma station-wagon tradicional merecessem algum tratamento igualmente privilegiado em função do potencial que teriam a oferecer no tocante a um incremento na eficiência energética.

Mesmo diante de perspectivas sombrias quanto à persistência de restrições ao Diesel em veículos de capacidade de carga inferior a uma tonelada e acomodação para menos de 9 passageiros com tração simples, também é interessante observar como as pick-ups de um modo geral tornaram-se aceitas por um público essencialmente urbano, e em modelos como a Fiat Strada a opção de cabine dupla quando combinada a uma capota suplementar na carroceria possa acabar servindo a usuários generalistas tal qual uma Fiat Palio Weekend que ainda contava com um público cativo em alguns segmentos como o dos táxis, ainda é válido considerar como as station-wagons são eventualmente a categoria que mais sofre diante do cerceamento ao direito de se usar motores mais eficientes.