terça-feira, 9 de junho de 2020

Uma reflexão sobre o Fiat Siena Tetrafuel, motores do ciclo Otto e políticas desastrosas no âmbito dos combustíveis

Um modelo que fez algum sucesso especialmente junto aos taxistas, o Fiat Siena Tetrafuel oferecido entre 2006 e 2011 de certa forma evidencia como algumas políticas no tocante aos combustíveis para automóveis no Brasil foram desastrosas. O ufanismo populista em torno do etanol a partir de 2003 foi fogo de palha, tendo em vista que já por volta de 2006 o preço por litro já atingia o ponto em que não compensava a menor autonomia comparado à gasolina, enquanto o gás natural ainda parecia ter custo mais favorável mesmo após a "nacionalização" dos hidrocarbonetos na Bolívia então sob a ditadura de Evo Morales que roubou patrimônio da Petrobras com a cumplicidade do Lula a quem Evo chegou a sugerir que considerasse os equipamentos de extração do gás como sendo "um presente para o povo boliviano". Por mais que o gás pudesse parecer um bom quebra-galho, na prática a redução no espaço do porta-malas torna-se um problema sob o ponto de vista prático, além da posição dos cilindros do gás inviabilizar o uso de um banco traseiro rebatível, bem como a disponibilidade um tanto limitada desse combustível até em alguns centros regionais como Florianópolis mesmo que já se veja no verão mais turistas argentinos usando veículos a gasolina com kit GNV ao invés de similares turbodiesel...

No tocante ao etanol, a visão estratégica dos militares quando da implementação do ProÁlcool tinha uma intenção louvável diante das oscilações dos preços do petróleo e derivados, em resposta ao lobby que a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP/OPEC - Organization of Petroleum Exporter Countries) passou a fazer com mais intensidade durante a década de '70 após a derrota duma coalizão árabe que atacou Israel na Guerra do Yom Kippur. A tecnologia automobilística no Brasil à época era claramente mais limitada em comparação ao que se tinha quando começou a popularização dos carros "flex", e o enfoque na cana de açúcar basicamente como única matéria-prima para o etanol constituiu um erro ao não alternar-se a outros cultivares como o milho amplamente usado nos Estados Unidos, ou mesmo a uva que também pode ter um aproveitamento energético no caso do bagaço que sobra da produção de vinho. E mesmo com fatores como as dimensões continentais pesando contra a logística de uma produção do etanol mais concentrada no interior de São Paulo e faixas próximas ao litoral em estados nordestinos como Alagoas e Pernambuco, ou as temperaturas extremas que faziam a partida a frio tornar-se um martírio ainda maior com o combustível alternativo numa época em que o carburador e a ignição com variação do avanço a vácuo no distribuidor não permitiam os ajustes da mistura ar/combustível nem do ponto de ignição em tempo real, o esforço envolvido na massificação do etanol no Brasil durante o regime militar pode não ter sido perfeito mas teve seus méritos em meio à situação caótica que se deflagrou até em países mais ricos onde a dependência pelo petróleo não foi tão desafiada.

O gás natural por sua vez foi muito subestimado no Brasil ao menos até '91 quando regulamentou-se o uso em ônibus e táxis, sendo apenas em '96 que passou a ser permitido em veículos particulares, de modo que em 2006 a experiência com o gás junto a um público mais diversificado era de somente 10 anos. Já na vizinha Argentina, onde o programa do gás natural teve iniciado o uso automotivo em '84 no governo de Raúl Alfonsín também impulsionado por veículos de serviço como táxis e viaturas da própria estatal Gas del Estado mas não estava proibida a conversão de carros particulares, tornou-se o principal substituto para a gasolina e chega a competir praticamente em pé de igualdade com o óleo diesel em algumas regiões. Sem dúvidas um maior incentivo governamental favorece o gás natural na Argentina até a atualidade, e motivou investimentos privados que expandiram a presença de mercado além da Grande Buenos Aires, enquanto no Brasil a atuação excessiva da ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) além de impedir o uso de motores Diesel em veículos como um Fiat Siena acaba criando entraves para iniciativas que pudessem descentralizar mais a produção de etanol e do biogás/biometano que poderia ser especialmente útil para capilarizar mais a oferta de gás natural e agregar valor a resíduos agropecuários.

Naturalmente pesam contra o gás natural a necessidade de testes hidrostáticos dos cilindros, o maior desgaste de peças de suspensão e material de atrito dos freios especialmente no eixo traseiro, e ainda recentes aumentos no preço que diminuíram a vantagem financeira aumentando o tempo para retorno do investimento em comparação à época que o Fiat Siena Tetrafuel foi produzido. Quedas na potência e torque, que ocorrem até com o sistema de gás natural de 5ª geração dependendo do ajuste e no caso específico do Siena ficavam por volta de 15%, também suscitam uma rejeição por uma mesma parte do público generalista que torcia o nariz para o Diesel antes dos turbodiesel serem mais difundidos, ainda que seja mais fácil manusear óleo diesel convencional e biodiesel ou óleos vegetais brutos e até etanol em comparação a um combustível gasoso. Enfim, pode-se dizer que o Fiat Siena Tetrafuel foi um bom retrato de algumas tentativas desesperadas de minimizar o impacto do alto preço da gasolina e a falta de visão estratégica no tocante a combustíveis alternativos, que mesmo depois do modelo ter saído de linha ainda fazem parte da realidade brasileira.

3 comentários:

  1. Nunca me ha ocurrido que el gas fuera una buena idea de verdad, y además que lo adaptan más a motores demasiado crudos. Entonces a la gente que no les gusta el Diesel por la rumorosidad, suena estúpido que se encanten por el gas en un motor que es casi igual de crudo.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html