segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

Câmbio automatizado monoembreagem: um quebra-galho mais fácil de justificar do que poderia parecer inicialmente

Já é conhecida a resistência de uma grande parte dos gestores de frota no Brasil ao câmbio automático, em que pesem os benefícios operacionais e até financeiros que as novas gerações desse componente são aptas a proporcionar. Embora o câmbio manual seja favorecido por um menor investimento inicial, isso não é uma garantia de que vá ser capaz de proporcionar um melhor retorno a longo prazo, não somente no tocante ao consumo de combustível e aos custos de manutenção durante a vida útil operacional para caminhões e ônibus mas também quanto ao conforto e segurança para operadores e clientes. Portanto, o câmbio automatizado monoembreagem não chega a ser totalmente desprezível, levando em conta uma facilidade para conciliar um maior conforto para o operador a procedimentos de manutenção que ainda se mantém relativamente mais fáceis de assimilar para administradores que nem sempre conhecem com tanta proximidade as condições operacionais mas insistem no conformismo em torno do câmbio manual.

A massificação do gerenciamento eletrônico nos motores foi essencial para que o câmbio automatizado pudesse ser viabilizado, o que num primeiro momento poderia parecer contraditório ao lembrarmos que gerações mais antigas de motores Diesel já podiam funcionar satisfatoriamente associadas a um câmbio automático tanto com controles puramente hidráulicos quanto com um sistema eletrônico stand-alone. É importante destacar que a mesma precisão proporcionada pela eletrônica aos câmbios automatizados foi também benéfica aos automáticos, o que a princípio favoreça uma preferência dos gestores de frotas ao automatizado tão somente pelo conceito mais próximo de um câmbio manual convencional, podendo ser aplicável portanto a praticamente qualquer veículo com motor gerenciado eletronicamente, desde os caminhões Volkswagen Constellation que já incorporam em algumas versões câmbio automatizado sob a denominação comercial V-Tronic até o Lada Niva que segue disponível no exterior já com a injeção eletrônica sequencial nos pórticos de válvula mas que nunca foi oferecido com nenhum câmbio que não seja manual.

Um caso interessante de se observar de um veículo inicialmente lançado somente com câmbio manual e que viria a incorporar posteriormente a opção pelo câmbio automático, a Volkswagen Amarok chegou ao mercado brasileiro em 2010 importada da Argentina, e junto ao motor 2.0 TDI com 4 cilindros vinha o câmbio ZF Ecolite 6S-450 fabricado no Brasil. Esse mesmo câmbio até poderia ter sido oferecido em configuração automatizada, lembrando que para uso em caminhões leves e microônibus outros câmbios manuais da série Ecolite já serviam de base para automatizados AS-Tronic, e a princípio já poderia ser uma opção conveniente para quem priorizava o conforto mas não se dispunha a esperar pelo automático também produzido pela ZF da série 8HP mas proveniente da Alemanha. Pode soar muito imediatista, e até reforçar a imagem de gambiarra que persiste junto a uma parte do público com relação aos câmbios automatizados monoembreagem, embora também caiba observar que desde 2003 a própria Volkswagen começou a apostar nos câmbios automatizados de dupla embreagem como alternativa aos automáticos convencionais mas a durabilidade em condições operacionais severas sofra questionamentos mais duros em comparação tanto aos automáticos propriamente ditos quanto aos manuais, o que leva a crer que um automatizado de embreagem simples possa não ser de todo inservível.
Naturalmente, com os câmbios ZF 8HP45 oferecido opcionalmente em versões da Amarok equipadas com o motor 2.0 TDI e 8HP70 que no Brasil é o único disponível com o motor 3.0 V6 TDI já não sobra muito espaço para levantar a hipótese de ser disponibilizado um câmbio automatizado, por mais que até pudesse parecer fazer algum sentido no tocante à logística num primeiro momento. Tendo em vista que tanto a opção pelo motor V6 quanto o câmbio automático de 8 marchas consolidaram junto ao público a imagem de sofisticação em torno da Amarok, o perfil dos compradores desse modelo fica mais distante das premissas de simplicidade que levam um câmbio automatizado monoembreagem a se manter como um primeiro passo no sentido de quebrar uma hegemonia do câmbio manual em aplicações estritamente profissionais. Da mesma forma que motores turbodiesel deixaram de ser vistos tão somente como uma ferramenta de trabalho, à medida que o consumidor generalista se encantava pelas pick-ups médias com cabine dupla, uma desmistificação do câmbio automático que já vem ocorrendo no mercado de veículos particulares não deixa de ter algum impacto também junto a veículos teoricamente mais voltados ao uso comercial.

Outro exemplo bastante pertinente de como o câmbio automatizado foi subestimado no Brasil é do Opel Corsa C europeu que deu origem à 2ª geração do Chevrolet Corsa brasileiro e também à 1ª geração da Opel Meriva que foi a única a ter um equivalente na linha Chevrolet nacional. Ambos foram lançados no Brasil em 2002, sendo que o Corsa contava com motores 1.0 e 1.8 de 8 válvulas enquanto a Meriva usou somente o 1.8 em versões de 8 ou 16 válvulas, e para o 1.0 chegou a ser oferecido como opcional um sistema de embreagem automática que recebem a denominação comercial Autoclutch mas que saiu de catálogo já entre 2003 e 2004 devido à baixa procura e alguns casos de condutores que queimavam a embreagem tentando fazer a partida ou trafegar por aclives na 5ª marcha acreditando que o sistema faria as vezes de um câmbio automático, enquanto para consumidores europeus no mesmo ano havia a opção pelo câmbio automatizado Easytronic para versões 1.0 de 12 válvulas e 1.2 de 16 válvulas ambos a gasolina visando proporcionar o conforto das mudanças de marcha automáticas sem comprometimentos ao desempenho que ficariam ainda mais perceptíveis se usassem um câmbio automático propriamente dito com 4 marchas oferecido na Europa com motor 1.4 de 16 válvulas também a gasolina. Somente em 2008 chegava ao Brasil o Easytronic com o motor 1.8 de 8 válvulas que havia incorporado capacidade de operar também com etanol e renomeado FlexPower seguindo até 2012 na Meriva como alternativa ao 1.4 de 8 válvulas também FlexPower quando o Corsa nacional contava somente com os motores 1.0 e 1.4 FlexPower, e pode-se supor que a preferência de alguns usuários por conversões para gás natural com kits defasados tenha sido o mais prejudicial à integração dos controles eletrônicos do câmbio com o gerenciamento do motor, sendo os sistemas de conversão para gás natural de 5ª geração os mais recomendados em função de um funcionamento mais próximo do observado com a gasolina e o etanol além de ser necessária uma regulagem da mistura ar/combustível sem empobrecimentos excessivos para evitar que um desempenho muito limitado pelo uso do gás causasse problemas com a calibração original do acionamento da embreagem e nos pontos das trocas de marcha em diferentes condições de terreno.

Não seria tão equivocado considerar mediocridade a prevalência do câmbio manual em alguns tipos de veículos comerciais, como por exemplo na atual geração da Mercedes-Benz Sprinter tanto nas versões de passageiros quanto cargueiras cujas versões provenientes da Argentina recorrem somente ao motor Mercedes-Benz OM651 e ao câmbio manual ZF 6S-480 mesmo quando similares europeus já oferecem opções de câmbio automático. A bem da verdade, seria injusto atribuir exclusivamente aos fabricantes de veículos comerciais a culpa pelo descuido de alguns gestores de frota com relação ao conforto para os operadores ou pelo conformismo de autônomos que acabam por não ter o mesmo nível de exigência que já teriam ao escolher um veículo para uso particular ou familiar. E assim, enquanto aparentemente a demanda não justifique investimentos para trazer ao Brasil uma produção de câmbios automáticos para veículos utilitários, ainda é surpreendente que os automatizados não sejam tão difundidos como poderia ocorrer já aproveitando a escala de produção dos câmbios manuais com os quais compartilham grande parte dos componentes.
Por mais que um câmbio automatizado não vá proporcionar todas as vantagens de um automático, vale destacar que o fato de priorizar as trocas de marcha "no tempo" e a integração dos controles eletrônicos entre motor e câmbio já prolonga a durabilidade do conjunto de embreagem e tende a evitar excessos de rotação em algumas circunstâncias, proporcionando uma redução no consumo de combustível que seria apreciada pelos gestores de frota que não considerem tão supérfluo o conforto do operador. Outro ponto a se destacar é o menor incremento sobre o peso em ordem de marcha comparado ao que se observaria com um câmbio automático, e portanto a capacidade de carga fica menos comprometida tomando por referência o mesmo modelo equipado com o câmbio manual. Enfim, ainda que historicamente não se dê a justa atenção ao conforto em veículos utilitários, a possibilidade de conciliar benefícios ao operador a rotinas de manutenção já consolidadas com o câmbio manual mantém o automatizado monoembreagem como uma alternativa razoável em algumas aplicações.

2 comentários:

  1. A rejeição ao câmbio automático sem conhecer as melhorias que os mais recentes tiveram chega a ser burrice mesmo.

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    1. Desde antes de aprender a dirigir, eu já tinha alguma simpatia pelo câmbio automático. Muito por influência de pick-ups e SUVs americanos predominantemente com câmbio automático que me chamavam a atenção.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html