sexta-feira, 5 de maio de 2023

Como a mudança do foco de um dos principais fabricantes de biodiesel da França para o B100 direcionado a aplicações pesadas em detrimento das misturas ao óleo diesel comum voltadas a veículos leves é tão relevante até considerando as condições brasileiras?

Um dos países que mais tendem a ser impactados pela histeria em torno de uma eletrificação impositiva que ignora peculiaridades das diferentes condições operacionais às quais um veículo estaria sujeito é a França, que já foi referência no desenvolvimento de motores Diesel leves a ponto de motores franceses como o Indenor XD2 e XD3 que chegaram a ser usados em modelos da Peugeot Argentina incluindo a pick-up 504 trazida ao Brasil com o XD2 e influenciando até fabricantes de outras regiões a exemplo da indiana Mahindra que até a atualidade usa motores cujos projetos acabam entregando a origem Peugeot. É de se esperar, portanto, que empresas e também agências governamentais francesas tenham passado a demonstrar um ceticismo quanto à exclusão dos motores de combustão interna daquelas propostas um tanto mirabolantes de "descarbonização" que o Parlamento Europeu vem insistindo em levar adiante a qualquer custo. E se a batalha parece mais próxima de estar perdida no segmento de veículos leves, em meio à concorrência com o gás natural e o biogás/biometano que pode ser um combustível sustentável e de produção regionalizada a exemplo do biodiesel, além dos híbridos e da eletrificação total terem sido mais fáceis de "empurrar" para uma parte considerável do público de automóveis e utilitários leves, é no segmento de veículos pesados que os desafios ficam mais escancarados e até o ecologista-melancia mais intransigente deveria ter o bom-senso de reconhecer que a eletrificação impositiva é problemática.


Considerando a enorme dependência do Brasil pelo modal rodoviário tanto para o transporte de longa distância quanto na distribuição urbana e operações conhecidas como "última milha", e a possibilidade de incorporar uma eletrificação ficar mais restrita aos trajetos mais curtos em ambiente urbano, e ainda o destaque brasileiro na produção de proteína animal, a abordagem da empresa francesa Avril que desde 1987 já fazia testes com biodiesel produzido a partir das sementes de girassol e colza cujo cultivo a bem da verdade era mais voltado à substituição do farelo de soja importado dos Estados Unidos e usado para alimentação animal torna-se bastante interessante por diferentes aspectos. É inevitável uma alusão entre o uso da torta resultante da prensagem das sementes de colza e girassol francesas para alimentar gado e a implementação do álcool etílico carburante hoje denominado comercialmente etanol em um contexto político-econômico de substituição de importações devido à forte dependência que o Brasil tinha pelo petróleo bruto importado, mesmo que o perfil de refino da Petrobras fosse mais voltado à produção de gasolina enquanto o transporte pesado já estava sendo muito mais "dieselizado" ainda antes da década de '70 que teve a eclosão das crises do petróleo, e a decisão de restringir o uso de motores Diesel em veículos definidos arbitrariamente como utilitários de acordo com as capacidades de carga e passageiros ou tração possa ser vista como consequência direta dessa distorção. Por mais que o álcool/etanol esteja longe de ser um "pária" dos combustíveis como há quem insista em alegar, e tanto o uso do bagaço de cana como volumoso na alimentação de gado quanto o grão de destilaria ou "DDG" que é obtido na produção de álcool de milho sendo um valioso substrato proteico para a formulação de rações pecuárias a ponto de apresentar uma melhor digestibilidade comparado ao grão de milho natural se enquadrem num contexto semelhante ao uso das tortas de colza e girassol na Europa demonstram mais aspectos sustentáveis que denotam uma relevância que os motores de combustão interna ainda podem ter naquele contexto de "descarbonização" ou neutralização de emissões tão em voga nas pautas corporativas.

Alguns fabricantes de caminhões e ônibus bem reconhecidos como o grupo Traton detentor das marcas MAN e Volkswagen Caminhões e Ônibus e da Volvo, que recentemente passou a usar motores próprios até no modelo VM especificamente brasileiro que antes recorria ao outsourcing de motores MWM, dão um importante respaldo à proposta do grupo Avril através das subsidiárias Saipol sediada na França e Expur sediada na Romênia que usam as marcas Diester e Oleo100 para comercializar o biodiesel tanto na mistura obrigatória de 7% hoje em vigor na França quanto puro que é mais voltado a grandes frotas. E por mais que o uso predominante da soja na produção de biodiesel no Brasil esteja longe de ser algo execrável, uma maior adaptabilidade de outros cultivares a diferentes condições regionais e a facilidade que possam ter para integrar até pequenos produtores rurais à cadeia produtiva do biodiesel também é pertinente considerando a imensa extensão territorial brasileira e uma maior facilidade que poderia ser proporcionada com uma implementação de usinas em diferentes estados, eventualmente até integradas a cooperativas agrícolas já consolidadas. E com o biodiesel sendo um éster alcoólico de ácidos graxos, há de se considerar também o uso do etanol ao invés do metanol como insumo, bem como aproveitar mais resíduos do beneficiamento tanto de oleaginosas destinadas à produção de biodiesel quanto de outros cultivares que tenham um teor maior de açúcares passíveis de sofrer fermentação alcoólica a exemplo do que a sueca SEKAB faz na Suécia com resíduos das indústria madeireira e papeleira para a produção de etanol destinado tanto ao uso como combustível quanto a aplicações na indústria química.

Em defesa dos motores de combustão interna de um modo geral, também vale observar o precedente da Porsche que apesar do recente investimento nos elétricos com o Taycan que até simula artificialmente o som de um motor a gasolina ainda reconhece haver um público mais tradicional que considera partes de uma experiência mais visceral aspectos como um som real de motor e algumas diferenças nas entregas de potência e torque entre diferentes concepções de motor de combustão interna ao invés daquele efeito mais comparável a um eletrodoméstico que acaba sendo apontado com relação aos carros elétricos. Em que pese um Porsche 911 ser impraticável para tentativas de usar biodiesel, ao menos enquanto nenhum Professor Pardal financiado por um Tio Patinhas de plantão tentar fazer um motor da geração atual com injeção direta operar de forma análoga aos antigos motores Hesselman, e no caso de modelos antigos a princípio ser improvável algum colecionador querer macular a originalidade com alguma adaptação que facilite o uso de etanol e muito menos tentar encontrar algum espaço para instalar um kit de gás natural, a Porsche vir apostando em combustíveis sintéticos produzidos a partir do sequestro de carbono merece ser recordada, embora a bem da verdade apresentam um saldo energético desfavorável a ser mitigado por uma instalação das usinas de produção em regiões onde possa ser usada energia "sustentável" cuja transmissão para estações de recarga de carros elétricos seria mais complicada que a logística para os chamados e-fuels serem distribuídos. O fato de combustíveis sintéticos provenientes desse sequestro de carbono serem quimicamente idênticos à gasolina e ao óleo diesel convencional pode ser até apontado como uma vantagem, tendo em vista uma maior compatibilidade com alguns dispositivos de controle de emissões já usados também em motores a gasolina modernos como filtros de material particulado mas que costumam apresentar mais problemas nos motores turbodiesel modernos, mas é um parâmetro interessante a favor dos biocombustíveis em função de um saldo energético mais eficiente que ainda possam apresentar em contraste com algumas outras opções cujo saldo energético e o custo ainda tem um longo caminho até se tornarem viáveis em escala comercial desconsiderando aplicações claramente especializadas como um carro esportivo de luxo cujo perfil de uso estritamente recreativo ainda permita e justifica o desbravamento de novas tecnologias enquanto sigam inviáveis num carro popular.

Mesmo parecendo algo distante do público generalista, condicionado a tratar os motores de ignição por faísca como algo óbvio e que vá ter uma hegemonia incontestável caso o bom-senso prevaleça e ponha um freio em tentativas de apresentar a eletrificação como uma tábua de salvação, e apesar da proposta do biodiesel incorporar um viés mais voltado ao uso em veículos pesados até em países onde os carros a diesel costumavam ser hegemônicos como a França, é inegável que nesse contexto de energia renovável abrangendo também a consolidação dos motores flex como o Fire 1.4 que hoje é o único usado no Fiat Fiorino tanto no Brasil quanto em mercados de exportação regional onde conta com uma calibração só para gasolina fica evidente a necessidade de oferecer alternativas para o transporte pesado entrar nesse contexto das emissões "net-zero" de carbono sem abrir mão da rentabilidade operacional. E o biodiesel, por mais que algumas intercorrências tenham sido apresentadas no tocante à durabilidade de sistemas de controle de emissões desenvolvidos considerando o óleo diesel convencional de origem fóssil, faz jus aos ensinamentos de Rudolf Diesel quanto ao fomento da atividade agroindustrial e a independência energética. Enfim, por mais que uma mudança de estratégia de um dos maiores fabricantes de biodiesel da França pareça irrelevante no Brasil, ainda pode nos proporcionar valiosas lições...

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html