quarta-feira, 18 de setembro de 2019

Breve observação sobre auto-suficiência energética sendo alçada a privilégio

Muito se tem apostado na eletrificação como um caminho sem volta no setor automotivo, e a Renault já oferece no Brasil alguns modelos 100% elétricos ainda importados como o Zoe sob encomenda. É de se esperar que não atenda bem a todo o público generalista, mas o fato do primeiro exemplar que eu vi rodando pertencer a uma empresa do setor de energia não deixa de ser um pretexto interessante para abordar a questão de como a auto-suficiência energética acaba deixando de ser mais próxima de um direito para ganhar ares de privilégio. Naturalmente, o fato de alguns operadores poderem contar com uma certa facilidade para usufruir da tração elétrica não deve ser desprezado, mas o descaso com relação a outras alternativas ainda envolvendo tanto o motor de combustão interna de um modo geral quanto os motores Diesel mais especificamente tem sido frequente no âmbito político, e os reflexos na questão ambiental não deveriam ser negligenciados...
A tão alardeada "emissão zero", com destaque para o dióxido de carbono (CO² - "gás carbônico") e de uns tempos para cá também os óxidos de nitrogênio (NOx) historicamente mais críticos no caso de motores Diesel, é uma faca de dois gumes, afinal mesmo uma energia "limpa" como a hidrelétrica ou mais recentemente a eólica e a fotovoltaica tendem a não proporcionar alguma facilidade que o motor de combustão interna oferece para que se feche mais facilmente os ciclos do carbono e do nitrogênio. E considerando também que em algumas regiões ainda se usa muito a energia termelétrica gerada em usinas acionadas com carvão mineral, eventualmente até um "pau véio" como um Toyota Bandeirante acaba não sendo tão "sujo" à medida que se fomente a oferta de combustíveis alternativos no varejo, e diga-se de passagem mesmo que alguns veículos antigos não se enquadrem em normas de emissões tão restritivas acaba resultando numa maior facilidade para promover adaptações que visem melhorar o funcionamento com biodiesel ou mesmo óleos vegetais que podem ser provenientes de aplicações culinárias e evitar o descarte inadequado nos mesmos em cursos d'água, tendo em vista a ausência de incompatibilidades que possam surgir por exemplo entre um filtro de material particulado (DPF) e o biodiesel em concentrações superiores a 20% (B20) ou a óleos vegetais brutos. Além do mais, o fato de um veículo elétrico dispensar a queima de combustíveis mesmo que esses sejam renováveis não elimina o fato da matéria orgânica com algum potencial energético se tornar um problema mais grave com a decomposição mais lenta liberando metano cru que tem uma meia-vida mais longa na atmosfera em comparação ao CO² pós-combustão que por sua vez é reabsorvido pela vegetação em geral e também pelas oleaginosas e outros cultivares que possam ser facilmente integrados à cadeia produtiva dos biocombustíveis.
Seguramente, não se pode esquecer que nem todo Toyota Bandeirante vá necessariamente pertencer a um agricultor que pudesse fazer uso de resíduos agropecuários ou mesmo destinar diretamente uma parte da safra de algum produto agrícola para servir de matéria-prima do próprio biodiesel, etanol ou o que julgar mais adequado tanto à propriedade rural quanto para atender às outras necessidades que apresente em atividades externas. Há de se destacar também que muitos pequenos produtores rurais já nem fazem tanta questão da complexidade e peso acrescentados pela tração 4X4 num veículo, como é perceptível desde épocas passadas quando os próprios japoneses da Toyota viam a Gurgel começar a ganhar presença no mercado de utilitários off-road com modelos como o X-10 baseados na mecânica Volkswagen. Guardadas as devidas proporções, seria no mínimo ingenuidade supor que a Toyota não acabou sendo então beneficiada com uma espécie de reserva de mercado para utilitários com motor Diesel, tendo em vista que foi incluída nas normas de homologação a equiparação da 1ª marcha tipo crawler a uma "reduzida" numa época que a Toyota ainda equipava o Bandeirante uma com caixa de transferência de velocidade única, enquanto os jipes Gurgel ainda dispunham do layout mecânico do Fusca.
Devo confessar que, por mais que a história do engenheiro João Augusto Conrado do Amaral Gurgel seja fascinante, a ferrenha oposição dele ao ProÁlcool principalmente depois que o regime militar foi encerrado me parecia exagerada e ao mesmo tempo favorecia questionamentos quanto a um eventual erro em priorizar o etanol e simplesmente fazer vista grossa para o uso direto de óleos vegetais como combustível veicular e de maquinário agrícola ou o biogás/biometano. Era frequente Amaral Gurgel dizer que o ProÁlcool era "movido a diesel", tendo em vista o óleo diesel convencional ser usado não só na lavoura mas também na logística da cana de açúcar e do próprio etanol, e portanto poderia soar lógico que se procurasse atender à renovação da matriz energética também em aplicações pesadas ao invés de enxugar gelo em veículos leves. Não faria muito sentido alegar que Amaral Gurgel estivesse falando sem conhecimento de causa quando criticava o ProÁlcool e a destinação de terra agricultável para a produção de combustível ao invés de alimentos, mas o foco tão específico numa monocultura canavieira ao invés de diversificar as matérias-primas foi um erro maior do que teria sido fazer como os europeus que cederam demais à pressão da Arábia Saudita em troca de uma maior estabilidade no preço do barril de petróleo. Vale lembrar que Amaral Gurgel também apostava alto na tração elétrica, que realmente pode atrair uma parte considerável do público que vá fazer um uso majoritariamente urbano de um veículo e possa ser atendida de forma satisfatória por um Renault Twizy ou um Mitsubishi i-MiEV
Lançando um olhar sobre a questão da autonomia ainda frequentemente limitada e das recargas lentas das baterias num veículo 100% elétrico, mantendo-os um tanto restritos à operação num raio menor, é conveniente destacar o caso dos híbridos plug-in como um meio-termo. Afinal de contas, mesmo que alguém bem capitalizado possa instalar painéis fotovoltaicos ou uma turbina eólica para atender a um Renault Twizy ou um Mitsubishi i-MiEV, ao suprimirem totalmente o motor de combustão interna já se colocam em desvantagem aos olhos de quem prefira não se limitar a modelos tão "especializados", e apesar de estar numa faixa de tamanho consideravelmente maior é inevitável uma comparação com o BMW 530e iPerformance devido à maior flexibilidade que o simples fato de dispor de um motor de combustão interna proporciona. E por mais altamente improvável acontecer de algum proprietário de BMW aventar a possibilidade de recorrer a um remapeamento para viabilizar o uso do etanol e tentar fazer "maria-louca" para usar como combustível veicular quando não encontrar etanol no posto mais próximo, ou somente quiser fazer uma experiência de produzir o próprio combustível, não se pode ignorar que um motor de ignição por faísca com injeção direta seria o mais adequado para operar com etanol em função da maior facilidade para a partida a frio diante de concorrentes que façam uso da injeção nos pórticos de válvula. Eventualmente a injeção direta acabaria se tornando um empecilho para integrar também o gás natural e o biogás/biometano como um substitutivo que pode ser obtido a partir de qualquer matéria orgânica, mas talvez pudesse se tornar um pretexto para que eventualmente se faça uma releitura moderna do motor Hesselman para aproveitar combustíveis pesados e substituir o óleo diesel convencional pelo biodiesel.
Pouco importando se é na sofisticação de uma BMW ou na rusticidade de um microtrator Tobatta, é digna de nota a variedade de fontes de energia alternativa que possam ser bem integradas ao contexto da auto-suficiência energética de alguma maneira. Apesar da dificuldade em definir tanto qual seria a melhor opção para valer-se das matérias-primas disponíveis, que podem incluir até mesmo esgoto no caso do biogás/biometano e ser implementável praticamente em qualquer lugar, é no mínimo estúpido fazer com que uma das alternativas seja explicitamente vetada em veículos leves quando poderia até servir de argumento a favor dos biocombustíveis de um modo geral. Enfim, com os aspectos técnicos viabilizando em uma infinidade de materiais orgânicos o uso como fonte de energia para aplicações veiculares e de maquinário especializado ou equipamentos estacionários/industriais, o atual cenário extrapolando restrições ao Diesel e avançando para a insistência na tração elétrica é um tiro no pé...

Um comentário:

  1. Já vi alguns desses carros elétricos da Renault em São Paulo. E se um lado pode ter autonomia para produzir a própria energia, é mesmo muito injusto outros não poderem só por causa de uma proibição a um tipo de motor em carro pequeno.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html