domingo, 24 de janeiro de 2016

Breve reflexão: diesel de cana e o "bode na sala"

Muito já foi falado sobre o potencial e viabilidade econômica dos biocombustíveis, tanto em contextos mais realistas no tocante à segurança energética e eventual redução de custos operacionais quanto a pautas mais controversas como neutralização de emissões e outros aspectos relacionados ao impacto ambiental. No entanto, criam-se muitos entraves burocráticos que em determinado momento levam a um ceticismo infundado quanto aos combustíveis alternativos de fontes renováveis. Um caso particularmente notório de incoerência frente aos desafios de promover uma nova matriz energética é a atuação da ANP (Agência Natural de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis).

Uma grave distorção causada pela ANP é a restrição ao uso de certos combustíveis alternativos que não apenas geram menores emissões mas também se refletem em um impacto ambiental menor ao observarmos todo o footprint da cadeia logística entre a produção e o beneficiamento das matérias-primas até a aplicação pelo usuário final, como vem ocorrendo com o óleo diesel sintético produzido a partir da cana de açúcar. Desenvolvido pela multinacional americana Amyris, e tendo como grande vantagem a facilidade de implementação em regiões produtoras de etanol, é uma excelente alternativa para se usar no estado de São Paulo que hoje é o maior produtor sucroalcooleiro do país. Quando consideramos ainda a ausência total de enxofre, apontado como um dos causadores da "chuva ácida" que contribui para a deterioração de edificações e monumentos, o diesel de cana se mostra ainda mais desejável, principalmente em operações urbanas. Vale destacar que é um combustível de boa qualidade, aprovado até pela Mercedes-Benz.

Porém, mesmo diante de vantagens expressivas, a ANP ainda impõe restrições ao uso do diesel de cana, embora tenha se mostrado eficaz em testes com percentuais entre 10 e 30% misturado ao óleo diesel convencional e já seja adotada por parte das frotas de ônibus urbanos de São Paulo e do Rio de Janeiro. Poucos dias atrás, foi dada autorização para o uso de diesel de cana puro em ônibus da empresa Viação Santa Brígida, que opera na zona noroeste da cidade de São Paulo, em caráter experimental. E o que parecia ser um bom primeiro passo, esbarra num limite de até 30.000 litros por mês imposto pela ANP para o uso do combustível alternativo por parte da empresa de transporte coletivo, e portanto dificulta uma aplicação em escala mais ampla. Cabe lembrar, ainda, a lei 14.933 de 5 de junho de 2009, também conhecida como "lei de mudanças climáticas", que previa um cronograma para que até 2018 toda a frota paulistana de ônibus urbanos não esteja mais dependente de combustíveis fósseis, e nesse contexto o diesel de cana seria uma das melhores opções tanto por requerer um investimento relativamente pequeno para implementação e ter processo logístico simples quanto render mais que o etanol e eliminar a complexidade técnica inerente a combustíveis gasosos.

Tal situação remete à história do "bode na sala", sobre a forma que as ditaduras do antigo bloco socialista liderado pela União Soviética lidava com o descontentamento dos cidadãos. Diz-se por exemplo que, quando algum cidadão daqueles países se queixava quanto a algum problema no apartamento num daqueles "commie-blocks", era colocado pelo governo um bode na sala e, de tanta inconveniência que a presença do animal num espaço tão exíguo causava, o morador sentia-se aliviado ao ver o bicho sendo levado embora e o problema que havia originado a reclamação anterior acabava ficando para segundo plano. Num contexto brasileiro, a ANP pode ser comparada ao bode na sala, e os pequenos passos em direção a uma eventual liberalização do mercado de biocombustíveis já são encaradas com um certo alívio, mesmo que permaneça criando dificuldades a um fomento da produção e comercialização de alternativas eficientes ao óleo diesel e à gasolina.

Depender da autorização de quem não produz nem desenvolve nada de útil para levar adiante o progresso tecnológico, por si só, já é uma profunda inversão de valores, principalmente quando consideramos o custo cada vez mais alto que a corrupção e a incompetência agregam ao preço dos combustíveis mais tradicionais disponíveis regularmente no mercado brasileiro, principalmente a gasolina e o óleo diesel mas até o gás natural e o etanol que já sofrem com um cenário regulatório formulado para atender aos interesses politiqueiros que foram impregnados na Petrobras e levaram à situação deplorável das finanças e da falta de prestígio da estatal junto a investidores. Já passou da hora de tirar o bode da sala...

Um comentário:

Seja bem-vindo e entre na conversa. Por favor, comente apenas em português, espanhol ou inglês.

Welcome, and get into the talk. Please, comment only either in Portuguese, Spanish or English.


- - LEIA ANTES DE COMENTAR / READ BEFORE COMMENT - -

Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html