sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Reflexão: até que ponto seria coerente impor restrições à circulação de veículos com motor Diesel tomando por base a idade?

Um assunto bastante polêmico no Brasil é a tal "renovação de frota", que tanto se discutiu mas no fim das contas não resultou em nenhuma iniciativa efetivamente adequada à realidade econômica e social do país. Cenários de instabilidade econômica, falta de infraestrutura viária e eventuais dificuldades na distribuição de insumos adequados às necessidades técnicas de veículos modernos também passam a constituir um empecilho, evidenciado pela idade média avançada da frota de caminhões brasileira. E apesar de tais situações, ainda há quem creia que impor restrições arbitrárias e baseadas tão somente na idade dos veículos seria uma medida eficaz para contornar problemas que vão desde a poluição do ar nas principais regiões metropolitanas até mortes relacionadas a uma menor disponibilidade de itens de segurança em veículos mais antigos ou a eventuais condições inadequadas de manutenção.
Cabe ponderar, no entanto, fatores que vão desde a dependência brasileira pelo modal rodoviário até o custo relativamente alto não apenas dos veículos (mesmo antigos) mas também de insumos como o óleo diesel e peças de reposição. Assim, é natural que um caminhoneiro autônomo possa considerar mais atrativo um caminhão já com idade avançada mas cuja capacidade de carga mais alta que a de um modelo menos defasado na mesma faixa de preço, ao supor que vá ter uma rentabilidade superior em função do volume de carga transportado por viagem e eventualmente um consumo específico por carga transportada aparentemente mais baixo. Também é importante destacar que, ao contrário dos grandes centros onde a disponibilidade de assistência técnica qualificada para atender aos veículos de concepção mais moderna já é relativamente mais fácil de encontrar, ainda há muitos locais no interior do país onde não se tem um acesso tão rápido a recursos técnicos mais sofisticados que possam se fazer necessários...
Naturalmente, é inoportuno considerar eventuais dificuldades de ordem técnica como um convite à negligência quanto à manutenção, fator que mais tem sido usado como pretexto para a disseminação de preconceitos contra os motores Diesel de um modo geral. Embora alguns tópicos como a emissão de material particulado (fuligem que compõe a fumaça preta visível característica de um excesso de injeção) e dos óxidos de nitrogênio (NOx) sejam de fato pertinentes, e tenham passado a enfrentar um controle mais rigoroso nas gerações mais recentes de motores Diesel, a simples demonização de um ciclo termodinâmico tem fomentado uma série de distorções como o projeto de lei municipal que foi apresentado na Câmara Municipal de São Paulo por um petista com o intuito específico de impedir a circulação de veículos com motor Diesel. Ora, qualquer um com o mínimo de bom senso há de convir que tanto um FNM que já saía de fábrica com esse tipo de motorização quanto um Chevrolet Brasil 6500 originalmente a gasolina apresentam índices de emissões mais elevados que os de modelos mais modernos, embora na prática um modelo igualmente defasado pudesse permanecer circulando por São Paulo somente por não ser movido a óleo diesel convencional...
Também cabe recordar que uma parte considerável dos caminhões antigos que ainda permanecem em operação pode muito bem receber atualizações mecânicas, contribuindo não somente para adequá-los às necessidades dos operadores no tocante ao desempenho e economia de combustível mas também nas emissões. Além dos caminhões a gasolina, relegados à obsolescência basicamente em função dos custos do combustível e da menor autonomia, mesmo modelos originalmente dotados de um motor Diesel de aspiração natural podem apresentar resultados mais satisfatórios ao terem instalado um turbocompressor. No caso específico do ciclo Diesel, diga-se de passagem, o turbo tornou-se praticamente imprescindível nas gerações mais recentes de motores até mesmo para assegurar um enquadramento nas normas de emissões em vigor, tendo em vista uma maior constância na proporção ar/combustível e por conseguinte uma combustão mais completa mesmo em meio a variações de altitude acentuadas ao longo do trajeto, além de um turbo corretamente instalado prover também um grau moderado de supressão de ruído.

Outro aspecto a se levar em consideração é a variabilidade na qualidade do óleo diesel convencional, evidenciada não só pela atual persistência da oferta do Diesel S-500 (contendo enxofre numa proporção de 500 partes por milhão) mesmo em postos situados em áreas urbanas (a princípio deveria ter a comercialização restrita a postos de beira de estrada ou pelos revendedores retalhistas), mas também pela defasagem que havia entre o teor de enxofre contido no combustível e os padrões que já deveriam ter sido adotados para atender às especificações de normas de emissões hoje já defasadas. Tal discrepância podia ser observada quando ainda vigorava a Euro-3, que especificava um teor de enxofre de até 350 ppm (S-350) para o óleo diesel, embora no Brasil ainda predominasse o S-1800 e mesmo o já defasado S-500 ainda fosse oferecido como "Diesel metropolitano". Nesse contexto, vale enfatizar os benefícios que o biodiesel ou eventualmente o uso direto de óleos vegetais brutos como combustível podem trazer, tanto para reduzir e neutralizar emissões quanto pelo potencial de se revitalizar áreas degradadas mediante o cultivo de oleaginosas rústicas para fins energéticos ou evitar o despejo inadequado de óleo de cozinha saturado em cursos d'água. Mesmo que o biodiesel tenha apresentado problemas para vaporizar durante o processo de autolimpeza (ou "regeneração") do filtro de material particulado (DPF), principalmente em concentrações superiores a 20% do biocombustível (mistura conhecida como B20), além do controle de temperatura mais apurado que se faz necessário visando evitar a polimerização (formação daquela goma com textura próxima a uma resina plástica) da glicerina ao usar diretamente óleos vegetais brutos, ainda são uma opção coerente para reduzir o passivo ambiental inerente à operação de veículos e equipamentos especiais que à primeira vista parecessem simplesmente um "pau véio" poluidor.
Um caso emblemático é o de alguns modelos da Volkswagen equipados com uma versão Diesel de injeção indireta da série de motores EA-827 (o popular AP), tendo como principais exemplos a Kombi Diesel e tantas Saveiros quadradas que em alguns casos saíram de fábrica com esse motor e em outros foram adaptadas valendo-se de uma brecha na legislação durante os governos Sarney e Collor que beneficiou pick-ups independentemente da capacidade de carga nominal. Se por um lado a injeção indireta chega a ter uma eficiência menor que a injeção direta ao se usar óleo diesel convencional, por outro proporciona condições mais propícias aos óleos vegetais justamente em função das maiores temperaturas operacionais e do processo de combustão em duas etapas (iniciado já nas pré-câmaras onde o combustível é injetado) levando a uma queima mais completa inclusive da glicerina. Ainda que hoje as médias de consumo na ordem de 16 a 18km/l já não pareçam tão impressionantes no caso da Saveiro (embora em algumas condições possa alcançar até 21km/l) numa comparação tanto com utilitários de porte semelhante e motor turbodiesel moderno à venda no exterior quanto com alguns subcompactos a gasolina ou "flex" que não conseguem oferecer uma versatilidade comparável à da antiga pick-up (embora pudessem ter o custo mais facilmente assimilável durante uma "renovação de frota" forçada), bem como os índices de emissões claramente mais elevados diante de veículos mais novos e portanto enquadrados em normas ambientais mais rígidas, seria no mínimo estúpido ignorar as vantagens que o biodiesel e o uso direto de óleos vegetais oferecem em comparação a um óleo diesel de alto teor de enxofre, bem como o menor consumo de energia e recursos naturais aplicável à conservação e eventuais upgrades para promover uma extensão da vida útil de um veículo antigo ao invés de produzir um substituto que nem sempre se mostre tão adequado às reais necessidades (ou mesmo gostos pessoais) do operador.

Ainda que fatores como a volta da "diplomacia do etanol" e a conquista de espaço do milho entre as matérias-primas no mercado interno ou a intensa migração de argentinos do Diesel para o gás natural possam levar a crer o oposto, uma eventual restrição à circulação de veículos por idade e combustível não deixa de ser uma estupidez diante das condições brasileiras. Não faz o menor sentido tentar imitar modismos europeus apenas para encenar uma falsa virtude, e deixar aspectos técnicos como a adaptabilidade a combustíveis alternativos e a integração da produção de biocombustíveis com as tradições agropecuárias de cada região fora da discussão. Enfim, além de ser menos efetiva do que possa parecer no tocante a uma melhoria ambiental, não convém ignorar que um impedimento à circulação de veículos com motor Diesel pode se tornar um dilema para quem dependa de um único veículo para trabalho e lazer.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seja bem-vindo e entre na conversa. Por favor, comente apenas em português, espanhol ou inglês.

Welcome, and get into the talk. Please, comment only either in Portuguese, Spanish or English.


- - LEIA ANTES DE COMENTAR / READ BEFORE COMMENT - -

Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html