quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Reflexão: até que ponto o downsizing efetivamente mantém a competitividade da ignição por faísca?

Não é de hoje que se recorre à indução forçada para proporcionar a alguns motores de cilindrada mais baixa um desempenho comparável ao de outros maiores que permaneçam com aspiração natural. Até o antigo problema do turbo-lag, causado pela inércia do turbo a ser vencida antes que o fluxo de gases de escapamento gere suficiente pressão para movimentar a turbina e acionar o compressor, bem como na operação a baixas rotações, tem sido minimizado drasticamente e viabilizado que alguns modelos sejam equipados exclusivamente com motores turbo tanto nas versões a gasolina ou "flex" quanto nas Diesel quando aplicável. Um dos casos mais recentes é o da 4ª geração do Mercedes-Benz Classe A e da inédita versão sedan que no Brasil é oferecida somente como A200, usando o motor M282 DE14 LA de 1.3L que é na verdade desenvolvido conjuntamente por Renault e Nissan sendo-lhe atribuídas outras nomenclaturas que são Nissan HR13DDT ou Renault H5Ht mais genericamente e TCe115, TCe140 ou TCe160 de acordo com as faixas de potência.
Dadas as prioridades de mitigar o turbo-lag e incrementar a eficiência geral, muito da experiência que se obteve com a massificação do turbocompressor nos motores Diesel também acabou se estendendo à ignição por faísca, mais notadamente o uso de turbos menores que priorizam boa resposta em faixas de rotação mais baixas e médias normalmente associadas a um uso normal dos veículos, e da geometria variável da entrada dos gases de escape para a turbina favorecendo uma melhor resposta de acordo com cada faixa de rotação. No caso do A200 vendido no Brasil, com potência de 163 cv a 5500 RPM e torque de 250 Nm entre 1620 e 4000 PRM, a comparação mais próxima em termos que abrangem não só desempenho mas também faixas de cilindrada para fins de incidência de imposto é com o A180d equipado com o motor OM608 DE 15 SCR de 1.5L com potência de 116 cv a 4000 RPM e torque de 260 Nm entre 1750 e 2500 RPM que nada mais é do que uma versão do motor Renault K9K anteriormente usado até em alguns veículos de fabricação brasileira para exportação. Levando em consideração que o motor a gasolina já incorpora filtro de material particulado devido às exigências da norma de emissões Euro 6c, de certa forma já se aproxima um pouco do grau de complexidade dos sistemas de pós-tratamento aplicáveis à linha Diesel. Nesse aspecto, a única grande desvantagem que ainda afeta um turbodiesel é ter de recorrer ao SCR para neutralizar óxidos de nitrogênio (NOx) pela reação com o fluido-padrão AdBlue/ARLA-32/ARNOx-32, que se torna um inconveniente prático por requerer o reabastecimento periódico em reservatório próprio.
Num primeiro momento pode parecer difícil entender algumas diferenças básicas entre os processos de combustão em um motor do ciclo Otto com ignição por faísca e um do ciclo Diesel de ignição por compressão, além do mais com o recente aumento da participação de mercado de motores equipados com turbo e injeção direta sendo diversas vezes apontado como pretexto para que a ignição por faísca encontre algum favoritismo junto a adeptos de uma economia porca. É previsível que alguns usuários possam se dar por satisfeitos com a possibilidade de um motor a gasolina enriquecer a proporção de gasolina para que o fluxo de ar da admissão sofra um resfriamento mais intenso devido à vaporização do combustível e seja diminuída a proporção de oxigênio livre para reagir com o nitrogênio contido no ar, ou ainda um aumento na recirculação de gases de escape que pode ser controlada tanto por uma válvula EGR quanto pela variação de fase no comando de válvulas mantendo as válvulas de escape abertas por mais tempo avançando sobre a fase de admissão do ciclo de combustão subsequente. Já no caso de um motor turbodiesel, e considerando o caso específico do Classe A que as versões A180d não contam com variador de fase do comando de válvulas e portanto requerem uma válvula EGR, a própria dependência do ciclo Diesel pelo aquecimento aerodinâmico da carga de admissão durante a compressão antes do combustível ser injetado torna indispensável uma proporção mais pobre até para que a autoignição do óleo diesel ou substitutivos como o biodiesel ocorra, tendo como efeito colateral intensificar as condições de temperatura e pressão que favorecem a formação dos NOx. Pode parecer loucura, mas nesse caso o SCR até faz algum sentido, apesar de que uma injeção suplementar de água junto à admissão ou uma integração com o gás natural possam fazer mais sentido.

Mesmo que a combinação da ignição por faísca com o turbo e a injeção direta possa fazer parecer que um motor como o usado no Chery Tiggo 7 em configuração "flex" no Brasil alcance condições como as que levam um turbodiesel a ser a melhor opção para veículos comerciais como o JAC V260, além de favorecer a partida a frio mesmo usando etanol, está longe de ser perfeita. Um tópico que tem sido particularmente controverso é o incremento na dificuldade para se fazer conversões para gás natural, decorrente da necessidade de ainda se manter algum fluxo de combustível líquido nos bicos injetores originais para mantê-los devidamente lubrificados e refrigerados em função do risco de danos que a exposição direta à frente de propagação de chama pode causar, e assim passa a fazer menos sentido a dependência exclusiva pela ignição por faísca para se aproveitar combustíveis gasosos como ainda é mais comum, e portanto recorrer à injeção suplementar de gás natural num motor turbodiesel pode se tornar uma opção racional. Em que pese a diferença entre as faixas de cilindrada de 1.5L no motor "flex" usado no Tiggo 7 e 2.0L no turbodiesel que equipa o V260, e que no mercado chinês ainda se refletiria numa discrepância na incidência de impostos para motores acima de 1.5L análoga à situação dos motores até 1.0L no Brasil, o simples fato de se abrir mão da facilidade para usar um combustível que tem sido constantemente apontado como "sucessor" do óleo diesel convencional até mesmo em aplicações comerciais mais pesadas tanto nos países desenvolvidos quanto nos emergentes como Índia e China é mais um tiro no pé que pode ser associado a essa aposta desenfreada no downsizing em motores de ignição por faísca.

Naturalmente, diferentes aplicações de um mesmo motor influem tanto numa melhor adequação entre distintas soluções de controle de emissões em função de condições de carga ou de faixas de potência e torque. Tomando por referência o motor DV6 de 1.6L usado em diversos modelos como o Peugeot Expert também no Brasil e o SUV Peugeot 2008 de 1ª geração somente em outros países, passando por diferentes fases de controle de emissões nos mercados onde foi oferecido, a calibração necessária para atender bem às condições operacionais de um utilitário comercial pode soar exagerada para um SUV compacto que pudesse até ter simplificada a configuração do sistema de controle de emissões com um ajuste mais modesto, ainda que pareça preferível ir com muita sede ao pote e valer-se de um desempenho vigoroso como pretexto para apresentar a opção turbodiesel não no aspecto estritamente utilitário mas como algo efetivamente "desejável". No caso específico do Peugeot Expert, que diga-se de passagem deixou de contar com a opção de motor a gasolina na 3ª geração, até poderia ser o caso de considerar uma versão mais mansa de algum motor maior com o intuito de dispensar o SCR, mas a incidência maior de impostos sobre motores Diesel acima de 1.6L para aplicações não-comerciais em alguns países europeus faz com que o DV6 permaneça competitivo. Já no 2008 ainda há a questão da quantidade de cilindros nas versões européias, com as motorizações a gasolina por lá se resumindo ao EB2 de 1.2L e 3 cilindros tanto em opções de aspiração natural e injeção sequencial nos pórticos de válvula quanto com turbo e injeção direta, mais compactas que a configuração de 4 cilindros do DV6 de modo que o tamanho do motor possa se tornar tão relevante quanto a complexidade do sistema de pós-tratamento de gases de escape para acomodação do conjunto num veículo de menores dimensões. Por outro lado, no Brasil os únicos motores oferecidos no 2008 são "flex" de 1.6L e 4 cilindros, sendo o velho EC5 com injeção sequencial nos pórticos de válvula e aspiração natural ou o Prince THP com turbo e injeção direta. Portanto, nem sempre tentar equiparar o desempenho entre a ignição por faísca e o Diesel seja a estratégia mais conveniente para atender de uma só vez distintos perfis operacionais, especialmente à medida que se torne inevitável algum impacto negativo sobre a capacidade de carga ou a troca de fogo amigo com um motor a gasolina ou "flex" se intensifique no tocante ao preço.

De um modo geral, o downsizing pode ser visto como um distanciamento das premissas originais das propostas de um carro "popular" fomentadas no Brasil, apesar de que uma parte do valor agregado às novas tecnologias acrescidas a um motor de ignição por faísca possa ser compensada pela incidência de IPI mais baixa aplicável a motores de até 1.0L no Brasil, de modo que por exemplo a atual geração do Hyundai HB20 que é exclusivamente "flex" já ofereça uma versão dotada de turbo e injeção direta para o motor de 1.0L além da básica de aspiração natural e injeção nos pórticos de válvula, enquanto o de 1.6L só esteja disponível na configuração mais simples. À medida que uma parte cada vez mais expressiva do público generalista aceita nos "flex" o aumento dos custos de aquisição e manutenção que levam alguns antigos usuários do Diesel em veículos leves no exterior se voltarem à ignição por faísca, cabe considerar que uma situação inversa possa ser desejável no Brasil até para fomentar uma transição para o biodiesel. Enfim, se num primeiro momento o downsizing pode parecer ideal para a ignição por faísca se destacar, por outro lado é possível salientar que não seja tão perfeita...

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html