domingo, 27 de outubro de 2019

Uma observação comparativa entre o gás natural e outros combustíveis alternativos

Não é de hoje que o gás natural se destaca como um dos combustíveis que geram mais expectativa no tocante à substituição tanto da gasolina quanto do óleo diesel, mesmo sendo também de origem fóssil. A facilidade de implementação associado a motores a gasolina ou "flex", que em regiões onde já seja devidamente consolidada a rede de gás canalizado tem motivado de certa forma um comodismo e até chega a ser tratada como um pretexto para esfriar a discussão em torno de uma eventual liberação do Diesel em veículos leves, até sustenta uma boa competitividade principalmente diante da gasolina e do etanol. E apesar de ter algum apelo, principalmente para operadores profissionais que não possam contar com a opção por um motor Diesel no Brasil em modelos como a Fiat Strada, é previsível que o gás não seja uma solução tão perfeita em todos os cenários operacionais.
O impacto sobre a capacidade de carga é inevitável, especialmente ao considerarmos que o peso extra dos componentes de um kit de conversão para gás natural veicular não se anula mesmo que o impacto sobre a capacidade de carga volumétrica seja significativamente minimizado caso os cilindros sejam instalados abaixo do assoalho do veículo. Naturalmente, nem todos os usuários seriam efetivamente prejudicados por esse comprometimento, e os custos menores de aquisição e manutenção comparados aos de um utilitário de maiores dimensões e capacidades podem parecer suficientes para que o GNV se justifique em alguns cenários. Porém, mesmo que tenha alguns méritos como a maior resistência à pré-ignição inclusive comparado ao etanol permitir o uso de uma mistura ar/combustível mais pobre, e por ser admitido pelo motor sempre na fase de vapor basicamente eliminar as emissões de material particulado, o simples fato do kit GNV não poder ser removido do veículo e reinstalado conforme a necessidade imediata do operador se torna um inconveniente nos momentos em que se faz necessário trafegar por regiões onde a infraestrutura de abastecimento com gás natural não esteja estabelecida e o equipamento se torne um peso morto.
Para percorrer longas distâncias, também é natural que seja destacada a maior eficiência térmica que normalmente se observa em motores Diesel comparados a similares de ignição por faísca oferecidos num mesmo modelo, como por exemplo o Toyota Land Cruiser Prado da geração J120, bem como a eventual adaptabilidade a combustíveis alternativos. Para sair do Peru, onde somente cerca de 4% de todo o gás natural consumido é efetivamente usado como combustível veicular, não seria tão fácil de se encontrar um trajeto que possa ser percorrido por exemplo até Florianópolis usando somente o gás natural, tendo em vista que as únicas fronteiras do Peru com o Brasil concentram-se no Amazonas e no Acre e apresentam uma geografia bastante complexa, ao contrário do que já ocorre com turistas argentinos que já conseguem chegar ao Brasil usando o gás durante uma maior proporção do trajeto. Mesmo assim, convém lembrar que um motor Diesel teoricamente obsoleto como o 5L-E que chegou a ser oferecido em alguns mercados onde o Prado J120 foi vendido quando novo pode funcionar com relativa facilidade até com óleos vegetais brutos que normalmente seriam mais recomendados para fins culinários. E mesmo que ainda seja usado um motor a gasolina ao invés de um motor Diesel, na pior das hipóteses ainda seria mais fácil recorrer a uma gambiarra com botijão de gás liquefeito de petróleo (GLP - "gás de cozinha") para uso doméstico se não fossem expressamente proibidas as aplicações veiculares desse combustível no Brasil...

A bem da verdade, com a moda dos SUVs no Brasil atraindo um público majoritariamente urbano e nem sempre priorizando aspectos utilitários como tração 4X4 e uma capacidade de incursão off-road mais extrema, o gás natural pode parecer conveniente e até contribuir para minimizar uma percepção em torno desse tipo de veículo como "poluidor". Tendo em vista que muitos modelos dessa categoria podem ser facilmente adaptáveis para efetivamente fazer um uso mais consistente do gás natural para trajetos de longa distância, devido à facilidade que se pressupõe para acomodar mais cilindros de GNV em comparação a um veículo menor que acabaria tendo que sacrificar parte da autonomia para manter alguma capacidade de carga, não deixa de ser razoável esperar que mesmo um SUV do tipo "crossover" derivado de plataformas usadas em alguns carros compactos como ocorre com o Renault Duster acabe se tornando uma boa mula para experiências com combustíveis alternativos. Não seria de se descartar eventualmente até um uso combinado entre o gás natural e óleo diesel convencional, bem como de substitutivos renováveis que podem ser o biogás/biometano para o gás natural de origem fóssil enquanto o biodiesel ou ainda óleos vegetais naturais fazem as vezes do óleo diesel. Vale destacar que a injeção suplementar de gás natural num motor Diesel pode ser ajustada tanto para melhorar o desempenho quanto para substituir parcialmente o combustível líquido mantendo os níveis de potência e torque inalterados, mas em ambos os casos diminui tanto a formação de material particulado devido à propagação de chama mais rápida nas câmaras de combustão proporcionando uma queima mais completa quanto as emissões de óxidos de nitrogênio (NOx) devido à menor concentração de oxigênio livre para reagir com o nitrogênio proporcionada por um enriquecimento da proporção ar/combustível caso o ajuste seja feito para mais desempenho e de um resfriamento que ainda ocorre na carga de admissão mesmo que o gás já seja injetado na fase de vapor.
Eventualmente um recurso ao biogás/biometano para capilarizar mais o gás natural por localidades do interior se reflita no acirramento de uma disputa por participação de mercado tanto com a gasolina e o etanol quanto com o óleo diesel, favorecida pela viabilidade de se efetuar a conversão não apenas em modelos relativamente recentes quanto em outros mais antigos. Considerando especificamente que o biogás/biometano disputaria os holofotes principalmente com o etanol, é relevante salientar algumas peculiaridades principalmente no tocante à partida a frio e estabilização da marcha-lenta em modelos dotados de diferentes sistemas de combustível. No caso dum modelo equipado com um motor "flex" moderno como o Nissan QG16 usado em algumas versões do Renault Duster, o desenvolvimento de tecnologias como o pré-aquecimento dos injetores para facilitar a vaporização do etanol na partida a frio já traz uma maior facilidade, enquanto um Fusca ainda valendo-se de um carburador ou 2 no caso de versões originalmente movidas a álcool sofre mais nessas condições e ainda teria que recorrer ao tanquinho auxiliar de gasolina. Já o gás, apesar de ser muito comum que se recomende o uso apenas depois que o motor atingir a temperatura normal de funcionamento, pode ser usado já desde a partida, e portanto encontraria um bom argumento diante do etanol.
A forte dependência da Volkswagen pela mecânica básica do Fusca tendo perdurado no Brasil até a década de '80, e ainda o breve relançamento entre '93 e '96 do carismático modelo que tornou-se um pioneiro dentre os carros "populares", certamente acabou servindo de pretexto para que se priorizasse um combustível volátil como o etanol e a ignição por faísca ao invés de favorecer uma "dieselização" como a que se intensificou em outros mercados em consequência às oscilações nos preços do petróleo que se observaram entre as décadas de '70 e '80. De fato, enquanto a adaptação de um motor como o EA-827 "AP" que chegou a ter derivações Diesel leva a acaloradas discussões entre fãs do tradicional motor boxer refrigerado a ar, a opção de adaptar algum motor "de trator" esbarra na disponibilidade restrita no tocante a uma relação peso/potência que não só permita uma instalação relativamente fácil mas também não comprometa em demasia o desempenho. Logo, por mais que ainda me pareça muito tentadora a idéia de tentar adaptar um motor como o Agrale M-790 num Fusca e fazer experiências com biodiesel e eventualmente até com óleos vegetais naturais, a princípio para o público generalista um eventual uso do gás natural possa parecer fazer mais sentido apesar de não ser tão fácil instalar cilindros que permitam armazenar uma quantidade de gás que proporcione uma autonomia razoável.

A alegada simplicidade de uma instalação de gás natural, bem como a ilusão de que vá ser a solução mais adequada para minimizar as emissões poluentes em todas as aplicações ignorando a importância que uma mistura ar/combustível correta teria para reduzir os índices de NOx, conquistou um público diversificado tanto em algumas capitais e respectivas regiões metropolitanas quanto em alguns outros centros regionais. De fato, mesmo que esteja longe de ser "perfeito", eventualmente uma rejeição a esse combustível num nível institucional soe tão incoerente e estúpida quanto a proibição ao uso de motores Diesel de acordo com as capacidades de carga e passageiros ou tração de alguns veículos. Enfim, nem sempre uma mesma opção vá ser satisfatória para todos os operadores, e no caso do gás natural o preço relativamente baixo ainda tem se justificado mais em operações estritamente regionais.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html