quarta-feira, 29 de julho de 2020

Reflexão: Toyota Prius e a falsa superioridade da ignição por faísca

Em meio a toda a caça às bruxas que vem sendo feita contra os motores Diesel de modo geral, ocorre uma maior euforia em torno dos sistemas de propulsão híbridos como uma possibilidade de conciliar a economia de combustível e o controle das emissões. Nesse cenário, o Toyota Prius figura como um ícone entre os críticos mais ferrenhos do Diesel exatamente por haver desmistificado junto ao público generalista a hibridização de um modo geral, e de certa forma até diminuindo a relevância do câmbio manual em alguns mercados mais conservadores tendo em vista que os motores elétricos aos quais se associa o motor de ignição por faísca a gasolina proporcionam efeito análogo ao de um câmbio CVT e na prática ter possibilitado a eliminação do câmbio propriamente dito. No entanto, se por um lado a hibridização teve seus méritos ao proporcionar uma maior eficiência geral e associá-la a um conforto cada vez mais valorizado em meio ao trânsito urbano caótico que tornou o câmbio automático muito mais aceito e até desejado, por outro persistem alguns equívocos no tocante a uma falsa superioridade que seria inerente à ignição por faísca, a ser ressaltada exatamente pela integração mais fácil que teve com sistemas híbridos.

A persistência na receita de aspiração natural e injeção de combustível nos pórticos de válvula, que se beneficia por um custo inicial menor em comparação ao downsizing que faz uso do turbo e da injeção direta, também acaba se beneficiando de fatores como a menor sobrecarga a sistemas de refrigeração e lubrificação, bem como o fato do combustível ser totalmente vaporizado antes da ignição devido às trocas de calor com o ar tanto na fase de admissão quanto na compressão reduzirem a formação tanto de material particulado quanto de óxidos de nitrogênio. A grande deficiência da injeção nos pórticos de válvula em comparação a uma injeção direta é a impossibilidade de recorrer a uma proporção mais pobre de combustível pela carga de admissão, sob pena de uma temperatura excessiva ainda durante a compressão acarretar em pré-ignição e as explosões fora do ponto de ignição poderem entortar bielas. Já nos motores de injeção direta, que de certa forma imitam em parte os Diesel ao depender do maior aquecimento aerodinâmico durante a compressão para promover a vaporização do combustível mas não o suficiente para atingir o ponto de auto-ignição tendo em vista que as taxas de compressão ainda costumam ser menores que num motor Diesel. No caso específico do Prius e de outros híbridos, é de se destacar que costumam apresentar uma taxa de compressão acima da média dos outros motores de ignição por faísca com injeção nos pórticos de válvula, valendo-se de um prolongamento da abertura das válvulas de admissão já durante a fase de compressão na prática diminuir o volume total de carga de admissão e a compressão dinâmica ainda que não seja alterada a taxa de compressão estática e o "efeito Atkinson" leve a um deslocamento efetivo mais longo dos pistões na fase de expansão após a ignição e a combustão.

A consequente diminuição de potência e torque em decorrência do "efeito Atkinson" pode até mesmo ser comparada à desvantagem que motores Diesel costumavam ter mais acentuada enquanto ainda era comum a aspiração natural especialmente em aplicações veiculares leves, de modo que às vezes fique necessário recorrer a uma faixa de cilindrada que pareça "defasada" diante de concorrentes modernos com um sistema de propulsão não-híbrido desenvolvido de acordo com o downsizing e que dependa de vantagens fiscais específicas para híbridos de modo que a cilindrada mais alta não se torne difícil de justificar em função de uma alíquota maior de impostos que um não-híbrido numa mesma faixa de cilindrada estaria sujeito. Naturalmente, com todos os avanços do gerenciamento eletrônico, não cabe uma comparação tão justa entre um motor a gasolina com injeção eletrônica sequencial e até mesmo a ignição mapeada de acordo com as características de cada faixa de rotação e um Diesel pé-duro que só necessitava de um sistema elétrico para o motor de arranque e o solenóide de corte de combustível, mas na prática já se pode questionar uma eventual "superioridade" da ignição por faísca. Ainda que o custo inicial permaneça vantajoso, e em parte auxilie a compensar incrementos trazidos pelas baterias que ainda são particularmente caras em híbridos e elétricos puros enquanto nos turbodiesel modernos não vem sendo tarefa fácil amortizar os custos de um filtro de material particulado (DPF) bem como o do sistema SCR que ainda depende do fluido-padrão AdBlue/ARLA-32 para reduzir as emissões de NOx ou de um catalisador LNT que dispensa o AdBlue mas só vem se adaptando a faixas de potência menores, ainda é temerária a abordagem em torno dos híbridos como uma cartada final para manter a relevância dos motores de combustão interna de médio a longo prazo e ignorar que alguns operadores podem ser beneficiados por alguma especificidade do ciclo Diesel em oposição ao ciclo Otto mesmo considerando eventuais aplicações do "efeito Atkinson", e também a liberdade de escolha no caso de uma preferência mais subjetiva por um bom turbodiesel.

A facilidade de se adaptar um motor de ignição por faísca e injeção nos pórticos de válvula para o gás natural, bem como o fato de não ser inviável recorrer ao etanol mesmo que se torne necessário algum auxílio à partida a frio que seria dispensável num similar de injeção direta, não deveria ser vista como pretexto para se ignorar por exemplo o biodiesel e até eventuais integrações entre motores Diesel e o etanol ou o gás natural por meio de injeções suplementares que viabilizariam um maior controle tanto do material particulado quanto dos NOx sem depender de AdBlue. Mesmo que se possa reputar a um motor de ignição por faísca equipando um automóvel híbrido uma eficiência térmica comparável aos turbodiesel, prender-se à hibridização como a única tábua de salvação pode não ser muito coerente, e até uma suposta "inferioridade" do motor 2ZR-FXE de 1.8L usado no Toyota Prius diante de motores enquadrados no downsizing usados em modelos não-híbridos de tamanho semelhante pode fomentar a reflexão. Enfim, mesmo que alguma peculiaridade possa favorecer mais uma configuração de motor que as outras, atribuir uma superioridade à ignição por faísca pode não se sustentar.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html