segunda-feira, 1 de março de 2021

Eletrificação: uma medida elitista sob os auspícios de uma falsa sustentabilidade

Em meio a uma infinidade de transformações que se revelam indissociáveis entre o âmbito econômico e as motivações políticas envolvidas, não há dúvidas que uma maior presença de veículos elétricos ganha um destaque nos anos recentes. Desde fabricantes com uma tradição ainda profundamente enraizada em torno do motor de combustão interna como a Nissan, até alguns players já surgidos em meio à transição para a eletrificação e com uma história mais recente como a Tesla, um aspecto que tem sido constante é a ênfase numa alegada "sustentabilidade" para defender tanto modelos de aspirações generalistas como o Nissan LEAF quanto um modelo cuja proposta é inegavelmente mais ambiciosa como o Tesla Model 3. Mas até que ponto faria algum sentido crer que a eletrificação seja efetivamente capaz de atender às necessidades de usuários com os mais diferentes perfis ao invés de permanecerem como um brinquedo de luxo para quem ou deseja externar uma preocupação com o meio-ambiente ou simplesmente deseja experimentar tecnologias alegadamente inovadoras enquanto ainda oferecem uma diferenciação?
De fato, muitas tecnologias surgiram inicialmente em veículos de luxo antes de se tornarem difundidas em modelos mais generalistas, tanto pela preferência do grande público como o ar condicionado quanto por regulamentações tanto no âmbito de emissões quanto de segurança, e portanto é previsível que haja uma aposta inicialmente mais enfática nesse segmento até em função do alto valor agregado promover a economia de escala que se faz necessária para futuramente alcançar segmentos generalistas. Benefícios fiscais e outras conveniências também atraem uma parte do público-alvo e fomentam expectativas junto a alguns usuários de veículos mais simples que se acabaram encantando pelas alegações quanto a uma teórica "superioridade" do carro elétrico em aspectos que hoje não se limitam à questão das emissões. É importante observar, por outro lado, o quanto podem ser questionados alguns dos principais argumentos repetidos à exaustão em defesa da eletrificação total do transporte, levando em consideração tópicos às vezes subestimados como as dificuldades de ordem técnica e logística no suprimento de energia elétrica e reciclagem de baterias a serem descartadas.

O maior destaque que até a indústria automobilística tem dado à imagem como provedora de "serviços de mobilidade", por mais vaga que tal definição possa soar, também se vê refletida na eletrificação em faixas de tamanho mais modesto abrangendo desde modelos com um porte relativamente convencional como o Mitsubishi i-MIEV derivado do kei-jidosha Mitsubishi i com motor turbo a gasolina de 0.66L restrito ao mercado japonês até outros que precisaram recorrer a outra abordagem para ficarem isentos de algumas normas de segurança como o Renault Twizy homologado como quadriciclo ao invés de ser documentado como um carro. Não se pode ignorar que uma proposta essencialmente urbana atribuída a subcompactos, cujo próprio tamanho já constitui um empecilho à instalação de uma bancada de baterias com capacidade suficiente para eventuais percursos rodoviários sem abdicar de espaço para passageiros e alguma quantidade de bagagem, dificulta a intenção de atender a uma parte ainda muito expressiva do público generalista que não pode se dar ao luxo de ter simultaneamente um modelo tão especializado e outro para trajetos mais longos. E a bem da verdade, por mais que o tamanho até mais contido que o de carros "populares" nacionais possa sugerir um preço menos distante da realidade brasileira, não é o que ocorre na prática, limitando o apelo dos modelos a operadores que podem compensar as deficiências de um carro elétrico recorrendo a outros veículos ainda equipados com um motor de combustão interna.

Considerando eventuais limitações na infra-estrutura como uma quantidade ainda pequena de pontos de recarga expressa acessíveis ao público para atender aos veículos elétricos, é mais realista a hipótese dos híbridos plug-in virem a conquistar uma maior confiança junto a consumidores que nem sempre tenham tanta facilidade para planejar a operação por rotas mais amigáveis a modelos totalmente elétricos. Nesse contexto também chama a atenção como alguns híbridos seriais, cujo motor elétrico é o responsável por toda a tração enquanto o motor de combustão interna é acionado somente como gerador, passaram a ser classificados como "elétricos de autonomia estendida" (EREV - extended-range electric vehicle) para o enquadramento em faixas mais favoráveis tanto no tocante a benefícios fiscais quanto menos restrições à circulação que já são implementadas na Europa e nos Estados Unidos. É o caso do BMW i3 REx que usa um motor a gasolina de 2 cilindros e 0.65L para acionar um gerador on-board, assim já não ficando tão limitado em comparação ao BMW i3 BEV totalmente elétrico e sempre dependente dos pontos de recarga tanto gratuitos quanto pagos ao longo de rotas mais distantes do local onde esteja regularmente baseado.

Também é interessante fazer uma observação quanto a modelos hoje disponibilizados tanto em versão com motor de combustão interna quanto numa elétrica, caso do CaoaChery Tiggo2 que geralmente usa um motor "flex" a gasolina e etanol de 1.5L nas versões montadas no Brasil, embora alguns exemplares puramente elétricos tenham sido trazidos da China. À primeira vista pode parecer "óbvio" classificar os motores flex como uma gambiarra e fazer uma analogia entre a preservação da capacidade de rodar na gasolina com o caso dos híbridos plug-in, tendo em vista algumas condições que dificultam explorar ao máximo os benefícios do etanol em motores de ignição por faísca com injeção sequencial nos pórticos de válvula, mas um eventual aproveitamento de resíduos orgânicos sem valor comercial que podem ser usados tanto para produzir etanol quanto o biometano aplicável a veículos convertidos para gás natural já não justifica uma aposta tão irredutível em veículos elétricos. Considerando somente a facilidade que um motor de combustão interna pode proporcionar ao fechamento dos ciclos do carbono e do nitrogênio ao usar biocombustíveis, não somente etanol e biometano mas também biodiesel e outros substitutivos para o óleo diesel convencional, não seria necessário nem questionar a dependência do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina por usinas termelétricas a carvão mineral, nem o fato das principais reservas brasileiras desse combustível fóssil apresentarem uma expressiva contaminação por enxofre.

Uma aposta na massificação da tração elétrica, que apesar do custo permanecer elevado demais para ser conveniente aos olhos do público generalista fica mais fácil de apresentar numa proposta mais elitizada como a do SUV Jaguar I-Pace, ainda esbarra em aspectos práticos que vão desde a baixa confiabilidade do sistema elétrico nacional até o eventual uso de fontes não-renováveis que chegam a ser mais "sujas" motor de combustão interna. Por mais que alguns usuários possam ter interesses legítimos na busca por eficiência energética ou compensação de emissões, na prática observa-se desde uma aplicação da "Lei de Gérson" até temores quanto a restrições ao direito de ir e vir tendo um peso maior nessa alteração da matriz energética do transporte que um interesse efetivo do público generalista em abdicar totalmente do motor de combustão interna. Enfim, por mais promissora que possa soar num primeiro momento, a eletrificação vem sendo conduzida no mercado automobilístico como uma medida meramente elitista e pautada em falsas premissas de "sustentabilidade" que visam dificultar o acesso a um veículo particular.

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It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
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