segunda-feira, 1 de novembro de 2021

Desprezo ao público tradicional dos caminhões "bicudos": um erro que custou caro à Ford no Brasil

A história da Ford no Brasil foi marcada por uma sucessão de erros, e mais especificamente no tocante à linha de caminhões cabe destacar o encerramento precoce da produção da Série F ao fim de 2011 em antecipação à entrada em vigor das normas de emissões Euro-5 e a lentidão para incorporar evoluções à linha Cargo que demorou a receber nas versões brasileiras na faixa dos médios aos pesados uma cabine moderna originalmente desenvolvida na Turquia. Se no caso da caminhonete full-size F-350 o pior erro foi subestimar a demanda de um público mais conservador, principalmente no interior e que culminaria no relançamento da Série F em 2014 passando a usar o motor Cummins ISF2.8 enquadrado ao conceito de downsizing, por outro repetiu o mesmo erro de se manter inerte à ascensão de concorrentes como a Volkswagen que foi mais ágil para atender às novas demandas que surgiam no segmento de caminhões até num mercado tão complexo quanto o brasileiro. Levando em consideração que a Ford mantém uma cultura corporativa da época dos calhambeques quando Henry Ford ignorava solenemente as transições no mercado de automóveis, e na atualidade um caminhão guarda mais semelhanças com a configuração básica de um calhambeque em comparação a outras categorias de veículos, fica mais fácil deduzir que o encerramento da fabricação de caminhões no Brasil em 2019 já começou mal...

Um caso bastante curioso, mas que à primeira vista poderia até soar compreensível, foi o encerramento da produção de caminhões médios "bicudos" da Série F, com o F-12000 seguido em linha até 2005 com o motor Cummins B5.9 de 6 cilindros ainda usando injeção mecânica que àquela época já dava lugar ao gerenciamento eletrônico para que outros caminhões e chassis para ônibus na mesma faixa de tamanho tivessem garantido o enquadramento às normas Euro-3. Contrastando com a preferência americana pela cabine convencional, motivada por menos restrições ao tamanho dos caminhões e que por outros fatores também acaba influenciando até países sul-americanos geograficamente mais próximos ao Brasil, entre os frotistas brasileiros era dada uma maior prioridade à austeridade da cabine avançada e facilidade para manter a concentração de peso entre os eixos de acordo com a nossa legislação, mesmo que uma cabine "bicuda" possa atender melhor a algumas condições operacionais. Mais apreciadas pelos caminhoneiros autônomos em função de um conforto alegadamente superior e a percepção de uma maior segurança em caso de colisão frontal, em que pese o mercado brasileiro de caminhões estar mais concentrado junto às grandes frotas, a cabine convencional também desperta algum entusiasmo entre fãs dos "SuperTrucks" americanos montados por lá com base no caminhão Ford F-650, e também algumas réplicas brasileiras feitas pela Tropical Cabines e denominadas F-Maxx tanto baseadas no antigo F-12000 quanto na linha Cargo que originalmente saía de fábrica com cabine avançada.

Uma vantagem prática de ter o compartimento do motor separado do habitáculo é facilmente observada com relação aos veículos de transporte de valores, de modo que tanto fabricantes que priorizavam desde o início da operação de caminhões a cabine avançada como a Volkswagen quanto outros que ofereciam um portfólio mais diversificado como era o caso da Ford ofereciam chassis modificados para atender às necessidades desse segmento. A princípio ninguém iria fazer a manutenção do motor de um carro-forte em meio a uma troca de tiros com assaltantes, o que por si só já tornaria indesejável haver um desnível na cabine para acomodar o motor e um alçapão de acesso amplo o suficiente para a verificação de todos os componentes que requeiram uma manutenção rotineira, além de eventuais prejuízos à ergonomia que a presença de uma saliência no assoalho poderia acarretar e até comprometer a agilidade necessária para os vigilantes embarcarem e desembarcarem rapidamente, para que fiquem expostos o mínimo possível aos momentos mais arriscados inerentes a essa operação. Ironicamente o chassi que a Ford direcionava a esse segmento após a Fenatran de 2001 foi baseado no Cargo 815 que tinha originalmente uma cabine avançada, embora pudesse soar racional considerar o uso do chassi da F-4000 ao invés do Cargo para a montagem de um carro-forte sem alterar a posição do cockpit, mas a possibilidade de compartilhar uma mesma concepção básica "de calhambeque" entre um caminhão "bicudo" e um "cara-chata" leva a crer que a Ford poderia ter aproveitado melhor essa circunstância.
Guardadas as devidas proporções, tendo em vista que no mercado de caminhões algumas características como a permanência do eixo dianteiro rígido ao invés de uma maior adesão à suspensão independente e o uso de freios a tambor nas 4 rodas ainda ser comum, enquanto nas pick-ups hoje a suspensão dianteira independente e o freio a disco ao menos nas rodas dianteiras tornaram-se padrão, ainda se observa uma perpetuação da configuração de chassi separado da carroceria com motor longitudinal e tração traseira por eixo rígido da qual nem mesmo as versões 4X4 escapam. Portanto, considerando o encerramento da linha de caminhões Ford no Brasil em 2019 com o fechamento da fábrica de São Bernardo do Campo, e em 2021 das demais fábricas da empresa no país para tornar-se exclusivamente importadora focando-se em utilitários como a Ranger argentina, ganha contornos ainda mais incoerentes essa sucessão de erros, além do mais que a deflagração da crise do coronavírus chinês em 2020 aumentou o volume de vendas online no Brasil e gerou boas oportunidades de negócios justamente no setor de caminhões que a Ford deixou de aproveitar. E justamente no momento em que a Ford aposta praticamente todas as fichas nos utilitários de um modo geral, alguns erros como desprezar o público tradicional de caminhões "bicudos" e fechar a fábrica de caminhões no Brasil se revelam ainda mais incoerentes.

2 comentários:

  1. Aprecio bastante esses caminhões bicudos da "Série F", além das pick-ups de grande porte F-250 e F-350, respectivamente.
    Um caminhão-leve como a F-4000 não deveria ter saído de linha, além do mais, para ser mais específico, esse veículo sempre foi referência aqui na região Nordeste; era e ainda é largamente usado no transporte de pessoas que moram nos sítios mais afastados, e que necessitam de um meio de transporte alternativo para irem até a cidade.
    Eu sempre tive questionamentos bem pertinentes em relação à F-350: sobre o porquê dela nunca ter sido oferecida com "rodado duplo" traseiro de fábrica, e também sobre qual é a categoria correta deste veículo: apenas uma pick-up full-size ou um pequeno caminhão-leve?

    Abraço,
    Bruno B.

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    1. Não era só no Nordeste que a F-4000 ainda vendia bastante. Quanto ao rodado duplo, na prática a F-4000 é o equivalente nacional a uma F-350 dually do exterior, e isso pode ser facilmente constatado comparando as fichas técnicas da F-4000 nacional com a F-350 venezuelana por exemplo.

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