quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Toyota: pivô de polêmicas desde 1979

Quando foram definidos os critérios burocráticos para classificação dos veículos ditos "utilitários", além da capacidade de carga mínima de 1000kg e/ou acomodações para 9 ou mais passageiros além do motorista, abriu-se a exceção para os veículos 4X4 com caixa de transferência de dupla velocidade, ou "reduzida", homologados simplesmente como "jipe" até hoje. Um dos poucos veículos 4X4 disponíveis oficialmente em 1979 no mercado brasileiro, então com restrições à importação, era o Toyota Bandeirante que, nas versões "jipe" era homologado com capacidade de carga nominal inferior a 1000kg, além de contar com uma caixa de transferência de velocidade única (direct-drive).
O que parecia representar um empecilho para que a Toyota foi contornado quando a 1ª marcha tipo "crawler" da qual dispunha o câmbio de 4 marchas foi equiparada à "reduzida", e o velho jipão continuou reinando. À época, o fabricante nipônico equipava a linha Bandeirante com motores fornecidos pela Mercedes-Benz e usados em caminhões leves da marca da estrela, que no auge do ProÁlcool chegou a desenvolver versões de ignição por faísca dos motores OM-314 e OM-352, destinadas à operação com etanol. Em último caso, se o argumento da 1ª marcha não valesse, seria viável manter todas as versões do Bandeirante em linha, mas com o motor M-314 a etanol o consumo não seria dos melhores...
Além da opção de chassi longo para o jipe, que poderia até ser adaptada para acomodar mais alguns assentos de modo a viabilizar uma homologação do modelo como "microônibus", também há de se recordar as versões pick-up, que contavam com capacidade de carga ligeiramente superior aos 1000kg, já qualificando como "utilitário" mesmo que algum dirigente da Toyota tomasse um porre de saquê e decidisse lançar uma versão 4X2 da barca.

À época, concorria com o Jeep CJ-5 e a Rural, que a Ford manteve em linha após a fusão com a Willys Overland do Brasil, e nortearam a exigência da "reduzida" para classificação do que viria a ser um "jipe", mesmo que a Rural já não contasse mais com a opção do motor Diesel Perkins 4-203.

Mas um concorrente que parecia pouco provável começava a assustar desde 1973: os pequenos Gurgel da série Xavante (X-10/X-12/Tocantins), eventualmente subestimados por serem baseados no layout mecânico do Fusca, começavam a conquistar parte do mercado de veículos utilitários para uso em áreas rurais, devido ao conforto proporcionado pela suspensão independente nas 4 rodas e dos assentos anatômicos em comparação à configuração de eixos rígidos com feixes de mola usados tanto pelos Willys quanto pelo Toyota Bandeirante.
Equipados apenas com o mesmo motor boxer refrigerado a ar e de ignição por faísca usados na linha Volkswagen, pareciam não ser motivo para tanta preocupação, mas o sucesso foi tanto que motivou a Ford a encerrar a produção do Jeep em 1983, e os japoneses não iriam esperar a água bater na bunda que aparecesse algum motor Diesel adaptável nos leves Gurgel de modo que ficassem imbatíveis em relação à economia de combustível na categoria. Foi nesse contexto que começou a percepção de que a Toyota estaria sendo beneficiada pelo cenário de restrições...

Durante um breve momento na segunda metade da década de '80, a Gurgel chegou a homologar versões do Carajás equipadas com o motor Volkswagen 1.6D, apesar da capacidade de carga nominal de 750kg e tração somente traseira. Há quem especule que o sistema SelecTraction, de frenagem seletiva individual das rodas traseiras para emular um bloqueio de diferencial, possa ter sido considerado um argumento válido à época, mas atualmente não é legalmente possível regularizar uma conversão para Diesel num exemplar originalmente equipado com motor a gasolina ou etanol.
Embora parecesse um precedente perigoso para a Toyota, a combinação de motor dianteiro e tração somente traseira fazia com que a distribuição do peso entre os eixos não desse ao Carajás uma aptidão ao enfrentamento de terrenos severos tão boa quanto nos modelos de porte mais compacto e motor traseiro...

O fim da produção do Bandeirante no fim de 2001, já contando com câmbio de 5 marchas (sem a 1ª "crawler", mas mantendo a 4ª direta e incorporando uma 5ª overdrive) e caixa de transferência de dupla velocidade desde 1993, poderia até ter levado ao fim das polêmicas envolvendo a Toyota e as restrições ao Diesel em veículos leves no mercado brasileiro, mas com o início da importação oficial do Prius em 2012 era inaugurado mais um capítulo negro da história automobilística brasileira, ainda que nesse caso isso se deva mais a motivações politiqueiras alheias a interesses da Toyota mas a empresa ainda pode ser considerada beneficiada em alguns aspectos...
Não é de hoje que os híbridos são usados como bandeira pelos defensores mais fervorosos da ignição por faísca, que insistem em querer desafiar a eficiência térmica superior do ciclo Diesel com o custo e a maior complexidade técnica inerente a sistemas auxiliares de tração elétrica, apesar de alguns problemas relacionados à composição química dos eletrólitos das baterias de tração, desde o impacto dos processos de extração mineral e beneficiamento até os riscos associados ao resgate de vítimas em acidentes envolvendo veículos híbridos e o correto descarte dos componentes ao fim da vida útil dos mesmos. A frustração de alguns usuários devido a efeitos colaterais na atual geração de dispositivos de controle de emissões adotados em motores do ciclo Diesel para enquadrá-los em normas de emissões mais rigorosas é eventualmente apresentada como um pretexto para não se investir no aperfeiçoamento dos mesmos, como já sugeriu um alto-executivo da Ford, de modo que acabem tendo um uso mais restrito a veículos "utilitários" onde o peso e volume das baterias tracionárias possa comprometer o desempenho e a capacidade de carga, e por conseguinte a rentabilidade operacional. E nesse aspecto, mesmo que o mercado brasileiro acabe não servindo de parâmetro por ter permanecido alijado da evolução técnica dos motores Diesel leves, a experiência da Toyota em manter o vetusto motor 2C de 2.0L com injeção indireta e aspiração natural no Corolla de especificação paraguaia (manteve também no Uruguai até que os nossos vizinhos cisplatinos fossem vitimados pelas mesmas restrições ao Diesel em vigor na República das Bananas) acaba denotando um desinteresse em atender aos consumidores latino-americanos, enquanto até em alguns países africanos, como o Marrocos, o moderno 1ND-TV de 1.4L com turbo e injeção direta common-rail já fosse oferecido paralelamente ao 2C.
Vale lembrar que em outros países com condições socioeconômicas comparáveis às nossas, como Índia e África do Sul, o Corolla e até mesmo o low-cost Etios contam com a opção pelo motor 1ND-TV e, formando um conjunto com custo de aquisição inferior ao do Prius, acabam por oferecer médias de consumo semelhantes. Por exemplo, mesmo em meio ao caótico trânsito indiano, um Etios 1.4L D4-D é capaz de alcançar 25km/l facilmente.

Mesmo que atribuir exclusivamente à Toyota uma "culpa" pelas restrições ao Diesel seja injusto, não se pode negar que em alguns momentos algumas coincidências podem suscitar controvérsias...

6 comentários:

  1. A algum tempo atrás conheci um magro do Bonfa que odiava tanto o Prius a ponto de ter dor de estômago de tanta raiva que ficava quando diziam que o Prius era melhor que qualquer carro a diesel, cheguei a ver ele visivelmente ruim uma vez enquanto ele explicava para um riquinho abobado que conheceu o Prius na Austrália as desvantagens de um híbrido a gasolina para um carro normal a diesel, e até ficou preocupado na época que viu um Prius pela 1ª vez numa loja da Toyota achando que isso atrapalharia qualquer intenção de liberar carros a diesel no Brasil, que iriam usar isso como desculpa para forçar a barra com gambiarras para fazer o Prius andar com álcool e tudo mais, mas do álcool ele gostava e muito.

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    1. Vantagens e desvantagens entre Diesel e híbridos ainda são um tema que abre espaço para controvérsias. Mas sim, tem quem venha se usando da popularização dos híbridos em mercados estrangeiros como pretexto para justificar o comodismo em torno das proibições ao Diesel no mercado brasileiro.

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  2. Não acredito que tenha mesmo alguma comparação entre gurgelzinho e toyotão, mas essa história tem mesmo umas coisas meio obscuras. Se acabaram adaptando motor a diesel até na kombi, nada impediria que tentassem fazer isso num Tocantins, e se vacilar o Amaral Gurgel daria um jeito de eliminar o problema do superaquecimento.

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    1. Hoje é cheio de falso patriota esculachando o Amaral Gurgel por conta da proximidade dele com os militares, mas ele foi corajoso e realmente meteu medo nos grandões a ponto de botar a Ford com o rabo entre as pernas. E não dá para duvidar que tenha algum peixe por baixo do angu nessa história da Toyota.

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  3. Eu gosto de jipinho pequeno, mais fácil para ir na praia, mas seria mesmo legal ter motor a diesel no Gurgel.

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  4. Não sei como o Amaral Gurgel pelo visto nem tentou fazer alguma experiência com aqueles motores de câmara fria usados nas Thermo King da vida. Já vi Chevette e Opala usando motor de Thermo King.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html