Durante o período em que eu morei em Santa Catarina, um ex-vizinho havia relatado que conseguia manter o consumo urbano em torno de 14 km/l com gasolina num Mille da 1ª versão, com carburador de corpo simples, ignição por platinado e sem catalisador. No entanto, ao lembrarmos que o Fiat Uno esteve disponível na Argentina, Uruguai e demais mercados de exportação com o motor 1.3L Diesel de 45cv e uma primitiva injeção indireta, porém capaz de médias de consumo urbano na faixa dos 25 km/l e em tráfego rodoviário alcançava 29 km/l sem maiores esforços (ou até 33 km/l se não fossem excedidos os 80 km/h que vigoravam como velocidade máxima nas principais rodovias brasileiras à época da introdução dos "populares").
Realmente, embora hoje um motor Diesel aspirado de injeção indireta não seja fácil de enquadrar nas atuais normas de emissões, os poeira-branca tinham um bom pretexto para zombar dos "macaquitos" do lado de cá da fronteira, reféns de uma das gasolinas mais caras e de pior qualidade a nível mundial, após a crise no ProÁlcool entre os governos Collor e Sarney ter ameaçado a credibilidade de um dos maiores e mais bem-sucedidos programas de combustível alternativo a nível mundial. Convém recordar, no entanto, que o vetusto motor de injeção indireta ainda apresenta uma excelente adaptabilidade tanto ao biodiesel quanto ao uso de óleos vegetais puros como biocombustível, o que seria uma boa opção para fomentar uma maior regionalização da matriz energética de modo a minimizar o impacto dos processos logísticos no custo final.
Entre os carros "populares" movidos a gasolina, os que mais se aproximam dos 25 km/l são o Gurgel Supermini BR-SL e o japonês Daihatsu Cuore, ambos com motor de 0.8L (com 2 cilindros, carburador e 36cv no modelo nacional e 3 cilindros, injeção eletrônica multiponto e 40cv no importado) e projetados para compor um conjunto capaz de proporcionar desempenho equilibrado mesmo com a cilindrada tão reduzida.
Para amenizar a insatisfação de alguns consumidores com o desempenho dos "populares", entre o final da década de '90 e primeira metade da década '00 não era tão incomum recorrer a artifícios técnicos que aumentavam o custo de fabricação e só eram viabilizados pela menor incidência de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) em função da cilindrada, como os cabeçotes de 16 válvulas e a admissão forçada. A Volkswagen lançou mão do turbo no Gol e na Parati, enquanto a Ford recorreu ao blower, ou supercharger, no Fiesta e no Ecosport.
Cabe destacar que, pela proposta original do projeto dos carros "populares", acabariam sendo o principal veículo em muitos núcleos familiares, exigindo algum espaço para os passageiros e bagagem (ou o rancho do mês no supermercado), e assim sedãs e wagons também passaram a ter versões com motor 1.0L. A carroceria mais pesada em comparação com um hatch acabava tendo efeitos no desempenho, o que servia para questionar a coerência em impor um limite de cilindrada na categoria. Uma das soluções mais interessantes foi a da Fiat, que antes de recorrer às 16 válvulas ofereceu um câmbio de 6 marchas no Siena e na Palio Weekend entre '98 e 2000, um bom recurso que infelizmente nunca mais esteve presente nos "populares".
Importante frisar que um câmbio com mais marchas é constantemente apontado como uma alternativa eficiente e de custo relativamente baixo para promover um escalonamento mais adequado visando otimizar o desempenho e a eficiência mesmo num motor de desempenho mais limitado.
Fala-se muito em um incremento na eficiência média da frota nacional, mas recursos tecnicamente simples e de fácil implementação como os motores do ciclo Diesel acabam preteridos enquanto modismos como os híbridos são apontados como uma tábua da salvação, embora o alto custo do sistema acabe mais atrativo em modelos como o Chevrolet Volt e o Toyota Prius, que no mercado brasileiro são considerados "de luxo". Enquanto uma importadora independente de São Paulo oferece o Chevy Volt por R$220.000,00, a Toyota já traz oficialmente o Prius na faixa de R$120.000,00.
Logo, considerando o acréscimo de preço na ordem de R$40.000,00 frente a um não-híbrido comparativamente equipado e de porte semelhante, mesmo considerando a revisão tributária que possibilitou a vinda do Prius por R$30.000,00 a menos do que o inicialmente previsto, o custo já acaba por afastar os híbridos de um público mais expressivo a nível nacional, considerando que o crédito facilitado e os motores até 1000cc já se mostraram necessários para fazer com que o mercado automotivo brasileiro atingisse as proporções atuais.
Uma parcela significativa dentre os consumidores brasileiros que demonstram algum entusiasmo pelos híbridos, fortemente iludidos por argumentos de marketing e pressões políticas contrárias a uma liberação do Diesel, na prática não pode se dar ao luxo de arcar com o preço de um veículo híbrido. Nem mesmo o consumo menor até mesmo em comparação com um hatch "popular" acabaria por cobrir a diferença no custo de aquisição. Pode-se tomar como referência nesse caso o Renault Clio, que atualmente pode ser encontrado por menos de R$30.000,00 somente com o motor 1.0HiFlex movido a gasolina e etanol: com a diferença de R$90.000,00 em comparação ao preço do Prius, seria possível comprar 36.000 litros de etanol a R$2,50, suficientes para rodar 288.000 quilômetros considerando uma pessimista média de 8 km/l em tráfego urbano pesado.
Vale lembrar, ainda, que a maior parte das compras de veículos 0km no mercado brasileiro é feita a prazo, e ao levar em conta as taxas de juros na composição do preço final dos veículos o custo total faz dos híbridos um sonho mais distante do povão. Há consumidores que entram numa concessionária Toyota encantados pelo Prius, mas na melhor das hipóteses podem bancar um Etios.
Apesar de ter o mesmo público-alvo dos "populares", tem nos motores de 1.3L e 1.5L um atrativo para consumidores desejosos de se distanciar da imagem de pobreza franciscana associada aos motores de 1.0L, e portanto incide numa faixa mais alta de IPI.
Enquanto isso, o Diesel poderia ser uma alternativa menos inacessível a mais segmentos do mercado quando for concretizado o fim das restrições baseadas em capacidade de carga, passageiros ou tração, podendo atender bem até nos "populares" atuais como o Fiat Palio, e ainda conta com a vantagem de uma maior adaptabilidade a uma maior variedade de combustíveis alternativos. Na atual geração de motores Diesel, em que predomina a injeção direta, pode-se usar até mesmo o etanol, embora nos motores de gerenciamento eletrônico se faça necessária uma recalibração do módulo de controle para incluir mapeamentos de injeção destinados ao uso do combustível vegetal puro ou misturado em diferentes proporções ao óleo diesel convencional e substitutivos mais tradicionais como o biodiesel e óleos vegetais, mantendo uma eficiência superior à da atual geração de motores "flex" com ignição por faísca.
Convém refletir sobre algumas mudanças no mercado brasileiro, que se mostra menos refratário a motores com menos de 4 cilindros: a Fiat é uma das principais referências em motores Diesel para aplicações leves no mercado europeu, e vem ganhando uma expressiva participação no mercado indiano, onde auxiliou a General Motors no desenvolvimento de um motor de 3 cilindros e 1.0L baseado no Multijet de 1.3L para a versão local do Chevrolet Spark.
Além do layout de 3 cilindros ter como vantagem um peso reduzido e menos atritos internos em comparação com um motor de 4 cilindros na mesma faixa de cilindrada, aumentando a eficiência energética, vale lembrar que a intercambialidade entre a maioria das peças móveis reduziu o custo de desenvolvimento. Um motor que ainda poderia ser enquadrado no limite de cilindrada até 1000cc para beneficiar-se da alíquota de IPI diferenciada caso fosse liberado o uso em veículos leves no mercado brasileiro e, apesar da modesta potência de 58cv, o torque de 15mkgf não faria feio mesmo em modelos com um porte maior que o do Spark, como na Fiat Strada, cujo torque nas versões mais simples equipadas com o motor Fire 1.4 Flex que apesar da potência de 85cv com gasolina e 86 com etanol não passa de 12,4mkgf e 12,5 com os mesmos combustíveis respectivamente.
Para exportação, a Strada sempre contou com motores Diesel, que em alguns mercados acabam sendo a única opção em virtude da superioridade técnica demonstrada em aplicações utilitárias.
Vale recordar que, entre '93 e '94, a Fiat chegou a apostar no motor do Uno Mille como uma opção para atender a consumidores brasileiros ávidos por uma maior economia de combustível em utilitários leves que não podiam receber legalmente um motor Diesel, mas o Fiorino 1000 Electronic não foi tão popular, embora de vez em quando ainda apareça algum ainda em operação.
Sempre que eu vejo esse Celta acoplado a um reboque, a primeira coisa que me vem à mente é como ficaria melhor com um motor Isuzu 4EE1 e adaptado para rodar com óleo de fritura velho... |
Saudade do álcool a 2,50
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