quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Uma reflexão sobre analogias à marcha reduzida

Chevrolet Captiva: disponibilizada com motor turbodiesel nos mercados onde é comercializada, como a Argentina
A atual geração de crossovers, que vem conquistando uma parcela do mercado antes garantida para SUVs de concepção mecânica mais tradicional, acaba por sofrer no mercado brasileiro com as restrições ao uso de motores Diesel em função da capacidade de carga normalmente inferior a 1000kg, acomodações para menos de 9 passageiros (além do motorista) e sistema de tração sem reduzida nas versões 4X4. Um bom exemplo desse fenômeno é a Chevrolet Captiva, que tem opção por motor turbodiesel até na vizinha Argentina enquanto as versões destinadas ao Brasil ficaram restritas à ignição por faísca.
Chevrolet Captiva Sport mexicana: em alguns outros mercados, onde é comercializada como Chevrolet Captiva Maxx ou Opel Antara, é disponibilizada com opção de motor turbodiesel, que o consumidor brasileiro não pode dispor
Convém salientar, no entanto, que o câmbio automático hoje é um elemento bastante comum no segmento, em parte devido à penetração dos SUVs e crossovers em segmentos de luxo, onde a falta do equipamento chega a trazer prejuízos à competitividade. Alguns modelos recentes, como a Chevrolet Trailblazer, não estão nem sequer sendo oferecidas com câmbio manual no Brasil embora ainda tenham essa opção até em mercados com características socioeconômicas semelhantes às nossas, como a África do Sul, que no entanto não tem restrições ao uso do Diesel em veículos leves...
Chevrolet Trailblazer: em alguns mercados tem até versões mais simples com tração 4X2 e câmbio manual

Toyota Bandeirante: até hoje pivô de polêmicas
À primeira vista a solução mais simples é incorporar uma 1ª marcha reduzida, como nas versões mais antigas do Toyota Bandeirante e, de acordo com os Requisitos Operacionais Básicos definidos pelo Exército Brasileiro, já é suficiente para dispensar a redução na caixa de transferência.
Há até quem ainda alegue que a regulamentação foi feita de tal maneira exatamente para assegurar a manutenção do direito ao uso de motores Diesel no utilitário nipo-brasileiro, de modo que mantivesse a competitividade frente aos pequenos Gurgel que apesar da tração somente traseira já começavam a conquistar parte do mercado de jipes anteriormente dominado por Toyota e Willys/Ford.
Gurgel X-12: teve como grande trunfo o conforto proporcionado pela suspensão independente nas 4 rodas e dos assentos anatômicos desenvolvidos sob orientação de um médico, atingindo um market-share que levou a Ford a descontinuar a produção do Jeep CJ-5 no Brasil

Ford EcoSport 4WD de 1ª geração: a cor de gema de ovo acaba chamando mais a atenção para essa versão do que os emblemas nas portas dianteiras e na tampa do bagageiro...
Nos crossovers, como o Ford EcoSport, o diferencial central acaba ganhando espaço, viabilizando a tração permanente nas 4 rodas, podendo contar com bloqueio para dividir o torque na mesma proporção entre os eixos como é feito pela caixa de transferência tradicional. Até é possível incorporar algum splitter no diferencial central para proporcionar a redução, mas tal recurso agrega custos e ocupa um volume que já é bastante limitado nos veículos equipados com motor transversal como vem prevalecido. A primeira geração do EcoSport não teve o motor 1.4L turbodiesel de origem Peugeot homologado para venda no mercado interno, mas a atual geração já vem sendo disponibilizada com câmbio de 6 marchas com a 1ª reduzida nas versões 4X4, o que já abre a possibilidade de ser legalmente oferecido com o motor 1.5L turbodiesel fornecido pela Renault.

Na transição da 1ª geração do Mercedes-Benz Classe M para a 2ª, o modelo esteve no centro de uma polêmica por ter abolido a reduzida nas versões comercializadas no Brasil, embora tal recurso fosse mantido em alguns outros mercados: o que pareceria o fim das versões Diesel foi contornado pelo expediente da 1ª marcha reduzida, mas ao contrário do clássico Bandeirante que usava câmbio manual, o utilitário esportivo de luxo vem só com câmbio automático. Na mídia automotiva nacional chegaram a haver polêmicas relacionadas à decisão da Mercedes-Benz em recorrer a esse artifício, desde questionamentos sobre a inferioridade técnica frente às versões equipadas com a reduzida propriamente dita, até um apresentador do programa "Vrum" alegando equivocadamente que o Mercedes-Benz ML320 CDI era "ilegal".

O mesmo expediente prosseguiu na 3ª geração do Classe M, já livre das polêmicas, e acabou sendo adotado também no GLK, garantindo uma maior competitividade que não podia ser assegurada apenas com o motor V6 a gasolina inicialmente oferecido.
Outro argumento, atualmente negligenciado mas podendo ser melhor aproveitado para fins de homologação, é o fato do conversor de torque já promover um efeito análogo à reduzida. Embora a definição mais simples do acoplamento viscoso usado nos câmbios automáticos seja a de duas hélices envoltas em óleo dentro de um tubo, sendo o impulsor (ou "bomba") acoplado ao volante do motor e a turbina conectada ao eixo-piloto, transmitindo a força de forma suave entre motor e câmbio, há ainda um terceiro elemento montado entre o impulsor e a turbina, o chamado "estator" ou "reator", que promove o direcionamento do fluido de transmissão automática (ATF) de modo a promover a multiplicação (ou propriamente dita a conversão) do torque durante a partida ou quando for necessário. Em alguns sistemas mais simples, o "estator" era, de fato, estático, mas atualmente pode incorporar um conjunto de engrenagens planetárias para variar o direcionamento do fluxo do fluido e ampliar as relações de multiplicação de torque disponíveis, justificando melhor o termo "reator". Para aplicações automotivas, a redução proporcionada pelo conversor normalmente vai de 1,8:1 a 2,5:1 mas em equipamentos especiais como tratores pode chegar a 5:1.

Considerando a possibilidade de equiparar o efeito do conversor de torque à marcha reduzida, vale levar em consideração o caso da Kia Sportage: durante a 1ª geração, que adotava uma concepção tradicional de carroceria e chassi separados, motor longitudinal, câmbio manual de 5 marchas ou automático de 4 (apenas com motores a gasolina) e tração 4X4 part-time com caixa de transferência de duas velocidades, o modelo esteve disponibilizado no mercado brasileiro com opção de motores Diesel, o Mazda R2 de 2.2L com 64cv e aspiração natural e posteriormente o Mazda RF de 2.0L com 87cv, dotado de turbo e intercooler, ambos com injeção indireta. Com a introdução da 2ª geração, em 2004, a estrutura monobloco ganhou espaço, o motor passou a ser montado em posição transversal, e a divisão do torque entre os eixos passou a ser controlada por diferencial central, sem reduzida, afastando do consumidor brasileiro a opção pelo motor 2.0L CRDi de injeção direta common-rail, co-projetado por VM Motori e Detroit Diesel. Quem desejasse tração 4X4 ficava refém de um motor 2.7L V6 a gasolina, disponibilizado apenas em conjunto com um câmbio automático de 4 marchas.
Caso o efeito do conversor de torque fosse reconhecido como análogo à marcha reduzida para fins de homologação, já seria suficiente para que o mercado brasileiro não ficasse como o único do mundo com uma restrição expressa ao uso do Diesel. Vale lembrar que, mesmo nos mercados americano e canadense, que também não receberam a Sportage com o motor CRDi devido às regulamentações ambientais estruturadas para privilegiar o uso da ignição por faísca nos veículos leves, não há impedimentos efetivos ao Diesel baseados de forma arbitrária na capacidade de carga, passageiros ou tração...

2 comentários:

  1. Mesmo que liberassem esses jipinhos de shopping para usar diesel, ainda falta liberar em carros normais que podem ter consumo até melhor. É uma vergonha que o diesel, que surgiu para ser praticamente uma ferramenta de trabalho, hoje seja mais viável como acessório de ostentação.

    ResponderExcluir
  2. Acho pouco provável que pudesse acabar com o Toyota, até por conta de ter as pick-ups que serviam para uma proposta diferente do jipe, mas se tivesse saído desse Gurgel pequeno com motor a diesel a briga ficaria boa.

    ResponderExcluir

Seja bem-vindo e entre na conversa. Por favor, comente apenas em português, espanhol ou inglês.

Welcome, and get into the talk. Please, comment only either in Portuguese, Spanish or English.


- - LEIA ANTES DE COMENTAR / READ BEFORE COMMENT - -

Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html