terça-feira, 11 de junho de 2019

Observações sobre o projeto Noronha Carbono Zero e a proibição à circulação de veículos com motor de combustão interna na ilha

O arquipélago de Fernando de Noronha já é o território com maiores restrições à livre circulação de veículos motorizados no país, havendo a proibição da entrada de novos automóveis que não sejam destinados para a substituição de algum que já estivesse em operação, e a restrição não é exatamente tão difícil de se implementar numa localidade afastada 500km da costa sem acesso rodoviário para nenhum outro lugar do país. No entanto, a administração distrital anunciou nesse mês de junho de 2019 a implementação de um plano visando eliminar as emissões de dióxido de carbono (CO² - "gás carbônico") até 2030, e passa por esse cronograma a proibição da entrada de veículos movidos a gasolina, etanol ou óleo diesel a partir de 10 de agosto de 2022, de modo que qualquer renovação de frota passe a ser feita com veículos elétricos. À primeira vista poderia parecer uma medida coerente com a necessidade de se preservar um paraíso tropical com um ambiente bastante vulnerável, mas não é tão realista quanto poderia inicialmente parecer...

No último sábado (8), chegou ao arquipélago uma frota de 6 veículos Renault entre os modelos Zoe, Twizy e Kangoo ZE para uso da administração distrital, bem como 4 estações de recarga de baterias, em regime de comodato, além do anúncio de que o Controle de Veículos e Embarcações (CVE) vai emitir 130 novas "licenças ecológicas" para a entrada de novos veículos com a condição de que sejam elétricos, distribuídas entre 100 para pessoas físicas com residência permanente que nunca tenham possuído um automóvel e 30 para empresas. Foi também anunciada pela Renault a venda de veículos em condições de financiamento especiais para atender aos moradores de Fernando de Noronha, o que não deixa de suscitar algumas dúvidas quanto à competitividade de outros fabricantes para atender a essa demanda. Em termos de mercado nacional, avanços na participação dos híbridos nas vendas de veículos 0km já são uma realidade, inclusive de modelos plug-in, mas nenhum plano tão ambicioso de se eliminar efetivamente veículos com motor de combustão interna de um modo geral chegou a ser ratificado. E embora as distâncias a serem trafegadas em Noronha não sejam tão longas, o que tende a favorecer híbridos e elétricos, essa situação se torna um precedente perigoso por ignorar também o potencial do etanol e de outros combustíveis alternativos como o biodiesel para neutralização das emissões que são apontadas como o pretexto para implementar o projeto.

A bem da verdade, o dióxido de carbono pode até ser um "gás-estufa" e contribuir com um hipotético aquecimento global antropogênico, mas está longe de ser de fato um poluente, tendo em vista não só a importância para o metabolismo vegetal mas também por ser expelido naturalmente até durante a respiração de qualquer ser humano. Nesse contexto, os óxidos de nitrogênio (NOx) podem ser vistos como um problema maior em função da meia-vida mais longa na atmosfera, sendo especialmente críticos nos motores Diesel que no entanto são fundamentais para assegurar a infra-estrutura até num lugar tão ermo quanto Fernando de Noronha. Vale lembrar que atualmente 85% de toda a eletricidade gerada na ilha ainda depende de uma termelétrica acionada a óleo combustível, com os 15% restantes sendo energia fotovoltaica, além do transporte de mercadorias para a ilha e lixo para ser devidamente destinado no continente depender de navio. E mesmo que ainda possa ser tratado como "poluidor", o uso de motores Diesel ainda é uma opção acertada sob o ponto de vista logístico devido à densidade energética, além da simplicidade técnica fazer com que um "pau véio" de concepção mais primitiva que eventualmente fosse sucateado num ambiente tão vulnerável ainda causar menos riscos do que o vazamento de soluções eletrolíticas de uma bateria num veículo 100% elétrico.

Embarcações, aeronaves, tratores e maquinário especial, bem como veículos destinados a operações aeroportuárias são excluídos da nova regulamentação, o que também suscita questionamentos quanto à incoerência de não ser proporcionado esse tratamento para ambulâncias, viaturas de polícia e outros veículos de emergência para os quais bem ou mal o motor de combustão interna tende a proporcionar uma prontidão mais efetiva até em função de um reabastecimento com combustíveis líquidos capaz de suprir uma mesma autonomia seja mais rápido. Considerando que a maior parte da energia elétrica usada em Fernando de Noronha depende de combustível proveniente do continente, essa que poderia soar como uma desvantagem inerente aos motores de combustão interna deixa de fazer tanto sentido. Além da medida ser de certa forma um passo maior do que a perna, e as exceções deixam claro que a tração elétrica segue distante de atender com eficiência a todos os cenários operacionais do transporte motorizado, convém salientar outros fatores que vão desde a eficiência do etanol na neutralização das emissões especialmente de dióxido de carbono por ser um combustível renovável e da redução nas emissões de óxidos de nitrogênio em função de proporcionar um maior resfriamento das câmaras de combustão comparado à gasolina, bem como a predominância dos motores "flex" nos veículos 0km comercializados no Brasil eventualmente favorecer uma aplicação mais imediata desse combustível como uma medida mais facilmente assimilável tanto para veículos particulares de ilhéus quanto para atender à demanda turística.

Naturalmente que aplicações menos pesadas como vans para transporte turístico, caminhonetes 4X4 para aluguel e ambulâncias podem eventualmente assimilar com maior facilidade uma transição do Diesel para o etanol, embora não convenha ignorar o menor consumo de combustível em volume ou a adaptabilidade ao uso de combustíveis alternativos abrangendo não apenas o biodiesel mas também eventualmente óleos vegetais tanto frescos quanto descartados de aplicações culinárias. Nesse caso, há de se levar em conta também a compatibilidade ou não com alguns dispositivos de controle de emissões, principalmente o filtro de material particulado (DPF) que é mais frequentemente afetado pelo uso de combustíveis fora da especificação prevista pelo fabricante do motor ou do veículo. Há ainda o caso do SCR, atualmente ainda pouco comum em utilitários mais leves mas que já se tornou comum em caminhões e ônibus, destinado a reduzir emissões de óxidos de nitrogênio e dependente do uso do fluido-padrão conhecido pelas denominações comerciais ARLA-32 no Brasil, ARNOx-32 em alguns países vizinhos e AdBlue na Europa, Ásia e África. Num ambiente úmido como Fernando de Noronha, sobretudo levando em consideração a presença mais consolidada do ar condicionado em veículos de fabricação mais recente e a água residual retirada do habitáculo por esse dispositivo poder ser reaproveitada para injeção suplementar de modo a proporcionar um resfriamento mais efetivo das câmaras de combustão, eventualmente a inconveniência de depender do ARLA-32/AdBlue que seria mais um insumo a ser levado a peso de ouro do continente para o arquipélago pudesse se tornar um tanto redundante, e assim se minimiza a alegação de que um incremento na complexidade de sistemas de tratamento de emissões nos motores de combustão interna os torne inviáveis à medida que a tração elétrica avança.

Considerando eventuais medidas que possam soar um tanto extremas mas que me pareceriam menos incompatíveis com as condições operacionais, privilegiar veículos em função do espaço ocupado no leito carroçável em proporção às capacidades de carga e/ou passageiros nas renovações de frota pode parecer mais facilmente assimilável para residentes permanentes de Fernando de Noronha ao invés de cercear ainda mais o direito de se adquirir um automóvel, a ponto de até um modesto buggy chegar a custar R$90.000,00 por lá, mais até em função da permissão atrelada ao veículo. Por mais que possa parecer bizarro num primeiro momento, eventualmente não seja de todo absurdo considerar também uma inclusão de motos com side-car e triciclos na substituição de automóveis convencionais na pauta da renovação de frota, e possivelmente tomando por base uma redução no consumo de combustível como pretexto para a administração distrital ampliar a quantidade de permissões de veículos para os moradores. Ainda que permaneça relevante a questão duma discrepância entre as regulamentações de emissões, mais rígidas para automóveis e utilitários do que para motocicletas, convém ponderar que o princípio básico de operação num motor de combustão interna é o mesmo independentemente das aplicações, e portanto não é tecnicamente inviável que uma moto se enquadre em normas mais avançadas. Isso para não entrar no mérito da prevalência da refrigeração a ar nas motos mais populares no Brasil ainda, eliminando os riscos associados a um descarte irregular de fluidos para radiador à base de etilenoglicol que são normalmente usados em outras categorias de veículo.

Há de se recordar justamente que o ano de 2022, para o qual está programada a proibição à entrada de veículos movidos inclusive a etanol em Fernando de Noronha, é o mesmo previsto pela Fiat para que eventualmente lance um motor destinado a operar somente com etanol que será o primeiro com essa característica desde a consolidação dos "flex" no mercado brasileiro. Bem ou mal, novas perspectivas de crescimento da produção desse combustível alternativo e de uma retomada da relevância brasileira no cenário dos biocombustíveis a nível mundial alavancada exatamente pelo etanol não deixam de ser até certo ponto ameaçadas por uma medida infeliz como a simples proibição à circulação de veículos com motor de combustão interna em alguma parte do território nacional. E mesmo que a competição entre a ignição por faísca e o ciclo Diesel possa ser fomentada, tanto diante de aumento na eficiência ao usar etanol em veículos leves quanto pelo fato de alguns fabricantes de motores Diesel para usos mais pesados terem também uma boa experiência com a ignição por faísca ainda que mais voltada ao gás natural e em alguns países o gás liquefeito de petróleo (GLP - "gás de cozinha"), qualquer medida que tenha algum impacto sobre a percepção do público generalista tanto sobre algum combustível em específico quanto sobre os motores de combustão interna num cenário mais amplo é relevante nesses tempos em que a tração elétrica é tratada sempre como mais "politicamente-correta".

Além da capacidade de operar com etanol já ser muito difundida nos veículos com motor de ignição por faísca destinados ao público generalista, bem como de tecnologias para controle de emissões que tem sido aplicadas às novas gerações de motores Diesel cujo uso no Brasil permanece mais restrito a aplicações tidas como "utilitárias", convém destacar que não há nenhum esforço para incentivar uma utilização de veículos inerentemente mais eficientes e que tenham ao mesmo tempo um custo mais facilmente assimilável. Atrapalhar a vida do cidadão é a tônica de governos de esquerda como é o de Pernambuco, por extensão afetando o arquipélago de Fernando de Noronha, ao mesmo tempo em que vendem falsas soluções para problemas que seriam menos graves sem tantas interferências políticas com um embasamento técnico que se revela mais raso do que poderia parecer. Enfim, a proposta de proibir a circulação de veículos com motor de combustão interna em Fernando de Noronha se revela mais eficiente como um truque publicitário do que como uma efetiva solução de mobilidade limpa.

3 comentários:

  1. Realmente não é tão fácil abordar essa questão e esgotar todas as possibilidades, mas Noronha tem lá algumas peculiaridades. Só a questão do isolamento já torna tudo mais difícil, mas por ser um lugar tão pequeno esse projeto de veículos elétricos pode até dar certo se for bem conduzido.

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    1. Desenvolver soluções efetivamente adequadas a um lugar com mercado tão diminuto é um desafio ainda mais considerável...

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  2. Já estive em Noronha a passeio, e lá andei de buggy e de van. Nunca tinha pensado em substituir um buggy por uma moto com side-car, mas até que pode fazer algum sentido mesmo.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html