sábado, 22 de junho de 2019

Veículos originalmente equipados com motor boxer: maior dificuldade para escolher um motor substituto

Embora a presença de motores com cilindros contrapostos no segmento automotivo esteja mais restrita atualmente, com os modelos mais "normais" recorrendo a esse expediente sendo da Subaru, essa questão acaba se tornando crucial no caso de algum proprietário desejar (ou efetivamente necessitar) substituir o motor original por um com outra disposição dos cilindros. Considerando o fracasso comercial do motor EE Boxer Diesel no exterior, bem como eventuais dificuldades para importar um com o intuito de substituir motores originais a gasolina como o EJ20 que equipou gerações anteriores do Subaru Impreza, já seria de se esperar que algum motor com os cilindros em linha possa soar como a opção mais simples de se aplicar, em que pesem o comprimento e a altura menores em proporção à quantidade de cilindros tornar desafiadora a substituição do boxer original.

No caso de motores da Subaru, o fato de já ter a refrigeração líquida e poderem usar o radiador com a ventoinha elétrica ao invés de uma "capelinha" como a do Fusca já facilita muito o repotenciamento de veículos originalmente equipados com motores boxer da Volkswagen com a ventoinha axial para viabilizar o uso de um assoalho de bagageiro mais baixo, a exemplo do que ocorria com a Transporter T3 (a "Kombi quadrada" nunca trazida oficialmente para o mercado brasileiro) antes que começasse a usar o polêmico Wasserboxer que já incorporava refrigeração líquida. Mas na falta das versões Diesel no Brasil, para não mencionar a rede de assistência técnica com uma abrangência menor comparada a outras marcas, é uma opção pouco atrativa a não ser para aplicações muito específicas onde se deseje conciliar alto desempenho sem sacrificar o pouco espaço que esteja disponível para o motor e para os periféricos.
Dentre tantas opções que incluíam também a tração 4X4 integral Syncro, a 3ª geração da Transporter chegou a ser oferecida com motores Diesel de 1.6L e 1.7L aspirados, ou o 1.6L com turbo. No caso, a montagem desses motores mantendo a altura original do assoalho do bagageiro exigia alterações para que ficasse cerca de 50° mais inclinado, principalmente no sistema de lubrificação e nos coletores de admissão e escape. Como o motor de 1.6L tem dimensões externas bastante semelhantes à versão a gasolina e 1.8L da mesma série EA827, popularmente conhecida como AP no Brasil, não foi tão difícil para a Volkswagen na África do Sul se preparar para o fim da produção do Wasserboxer em '91 quando a T3 teve a fabricação na Alemanha cessada. Levando em consideração também que muitas características básicas da linha de motores da Volkswagen se mantém inalteradas por um longo tempo, com os atuais TDI de 1.6L ainda usados em alguns modelos no exterior e de 2.0L que também pode ser encontrado no Brasil mantendo a mesma distância entre centros de cilindro do AP, não seria tão difícil replicar as alterações em motores mais recentes. Até há alguns kits comercializados no exterior para fazer essa adaptação, mas o custo é um empecilho que leva alguns potenciais interessados a preferirem lidar com uma elevação do assoalho do bagageiro para acomodar um motor mais alto como se fazia nas versões de 5 cilindros em linha a gasolina na África do Sul.
Considerando essa mesma modularidade que permite adaptar motores com 4 cilindros em linha mais modernos na T3, e o fato do motor 1.4TDI de 3 cilindros que chegou a ser oferecido para exportação no Fox ser baseado num de 1.9L com 4 cilindros, chegaria-se facilmente à conclusão de que recorrer às mesmas alterações para que o motor menor pudesse atender de forma totalmente satisfatória a uma imensa maioria das aplicações para as quais os motores boxer com 4 cilindros foram oferecidas, não só da Volkswagen e fabricantes fora-de-série que usavam a mecânica da marca mas também modelos de outros fabricantes que recorreram em algum momento a essa disposição de cilindros. A questão da altura já estaria facilmente resolvida, ao passo que um motor de 3 cilindros em linha ficaria com uma diferença menos exacerbada no comprimento diante de um boxer com 4 cilindros e assim influiria de forma mais discreta não só no tocante ao espaço mas também eventualmente na concentração de peso entre os eixos.

Naturalmente em algumas aplicações nas quais o espaço interno seja valioso como em motorhomes, e intrusões do conjunto motriz no habitáculo se tornam menos desejáveis, ficaria mais difícil justificar um motor excessivamente alto. No caso da Kombi, que também fazia uso da "capelinha" do Fusca, apesar da restrição maior de altura sob o assoalho do bagageiro, até se justificaria mais facilmente a instalação de um motor em linha. Até chegou a ser proposto na Argentina o uso do motor turbodiesel VM Motori HR 392 de 3 cilindros 1.8L feito sob licença pela Borgward Argentina com o objetivo de atender ao mercado de reposição, mas o projeto bateu na trave devido à hiperinflação que se agravou por lá após a Guerra das Malvinas e dificuldades no fornecimento do motor HR 492 com 4 cilindros e 2.4L para a Ford. O mais próximo nesse sentido que chegou a ser tentado no Brasil se deu quando a Agrale conduziu um projeto-piloto visando oferecer o motor M-790 de 2 cilindros em linha e 1.3L refrigerado a ar para adaptações no Fusca e na Kombi, cancelado tanto em função da queda prevista na possível demanda quando se deram as primeiras restrições ao uso de óleo diesel em veículos leves quanto pela necessidade de se aumentar a altura do compartimento do motor na Kombi.

Às vezes pode parecer que o comprimento do motor substituto vá atrapalhar mais o resultado estético numa adaptação ao exigir alterações para não ter interferência com o capô original do compartimento do motor, mas pode ser que o maior problema esteja na altura total da instalação caso não tenha como inclinar mais o bloco para minimizar a altura. Portanto, acaba sendo muito mais comum ver no Fusca alguma protuberância adicionada à tampa traseira do que ocorreria num Zé do Caixão caso tenham os motores de ambos sido substituídos por um com 4 cilindros em linha, por exemplo.

Mesmo que às vezes uma quantidade de cilindros aparentemente exagerada, como nas motos BMW K1600 cujo motor tem 6 em linha, possa soar como uma fonte de dificuldades na hora de selecionar um motor para adaptações, está longe de ser uma verdade absoluta e também envolve outros fatores como a própria disposição do motor e o layout de transmissão. Nesse caso, uma boa base para fazer a comparação é a moto nacional Amazonas, que usava o motor boxer de 4 cilindros e também 1.6L da Volkswagen. Guardadas as devidas proporções entre sistemas de refrigeração (líquido na BMW), já é importante destacar que motores em linha são muito mais fáceis de ser encontrados numa disposição transversal, ao passo que os boxer costumam ser longitudinais. Em casos onde a disponibilidade tanto de tempo quanto de recursos materiais para desenvolver novos pontos de fixação de motor, câmbio e componentes diversos de transmissão não seja problema, uma mudança tão drástica pode não ser de todo tecnicamente inviável, apesar de não ser exatamente a solução mais prática em todos os cenários...
Naturalmente, além do espaço a ser ocupado pelos componentes mecânicos, é relevante considerar a distribuição de peso e como poderia afetar numa moto após o motor ser substituído, mesmo que não se recorra a extremos como uma alteração de longitudinal para transversal, que se tornaria muito mais difícil de compensar os efeitos sobre o equilíbrio sem recorrer a expedientes um tanto quanto exóticos como o que se usava na Vespa que tinha as rodas um pouco desalinhadas com relação à largura.

Casos bastante peculiares foram do Citroën Visa e dos Alfa Romeo 145 e 146, que figuraram entre os poucos modelos a oferecer motores boxer longitudinais e em linha transversais. No tocante ao Visa, o motor boxer de 2 cilindros refrigerado a ar com 652cc foi oferecido simultaneamente com uma linha de motores de 4 cilindros em linha e refrigeração líquida que incluía o XUD7 como única opção para quem não abrisse mão do Diesel nesse modelo, e devido ao comprimento reduzido da instalação do motor boxer não se nota muita diferença na aparência comparado aos com motor em linha. Com os Alfa Romeo, usando um motor boxer com 4 cilindros e refrigeração líquida e sempre a gasolina em versões de 1.4L até 1.7L enquanto a única opção turbodiesel era sempre algum motor de 1.9L com 4 cilindros em linha de origem Fiat numa versão mais antiga ainda com injeção indireta que foi oferecida em simultâneo aos boxer e ao Twin Spark de 2.0L que foi o primeiro motor a gasolina com os 4 cilindros em linha, e após ser concluída a transição para uma oferta só de motores em linha foi usado o JTD já da primeira geração dotada de injeção common-rail e baseado na série de motores modulares Pratola Serra. Surpreendentemente, o balanço dianteiro que servia para acomodar o motor boxer à frente do eixo por formar um conjunto mais longo comparado aos motores transversais em linha foi mantido no 145 e no 146.

Por mais que às vezes pareça muito difícil achar uma opção adequada às necessidades do usuário e às especificidades do projeto, como por exemplo no Gurgel BR-800 que se valia dessa disposição dos cilindros entre outros motivos para conciliar o equilíbrio de peso entre os eixos e um comprimento menor numa plataforma de tração traseira visando manter uma capacidade de tração em trechos mais rústicos comparável à do Fusca, apesar de que os layouts de transmissão diferentes também faziam com que a susceptibilidade a alterações na concentração de peso e capacidade de tração a serem proporcionadas por outras configurações de motor, não é tarefa simples escolher um substituto para o original do veículo. No caso dum boxer, apesar de ter vantagens em alguns aspectos, a falta de opções Diesel pode tornar ainda mais difícil conciliar algumas peculiaridades de cada projeto com o desejo de uma melhor economia de combustível. Enfim, apesar de eventualmente outras modificações mais substanciais em outros sistemas do veículo como a transmissão possam ser necessárias para compensar alguma desvantagem ao se trocar um motor boxer por um com os cilindros em linha, não é impossível que o resultado final se torne satisfatório.

Um comentário:

  1. Amaral Gurgel costumava criticar o ProÁlcool, dizia que era um programa "movido a diesel". Se fosse comercializado regularmente no Brasil algum motor a diesel que coubesse sem maiores gambiarras e não deixasse lento demais, seria mesmo uma boa pedida.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html