terça-feira, 13 de agosto de 2019

7 motivos para uma reinterpretação moderna do motor Hesselman fazer sentido

Ainda pouco lembrada no Brasil, a idéia de se usar combustíveis pesados em motores de ignição por faísca proporcionou entre as décadas de '20 e '50 o primeiro contato de muitos operadores com o óleo diesel em países como a Suécia. Os desafios a serem superados em 1925 pelos motores Diesel, indo da partida a frio ao tamanho e peso sensivelmente maiores, levaram Jonas Hesselman a experimentar e obter sucesso com o uso da injeção direta em motores de ignição por faísca com o objetivo de poder usar querosene e óleo diesel, motivado pelos preços menores em comparação à gasolina. E mesmo que eventualmente possa não parecer fazer muito sentido propor um retorno desse conceito por causa da evolução dos motores Diesel propriamente ditos, ainda há ao menos 7 motivos para que uma reinterpretação moderna do motor Hesselman fazer sentido.

1 - expansão da oferta da injeção direta em motores a gasolina ou "flex": principalmente em função de viabilizar taxas de compressão mais altas sem prejudicar o consumo de gasolina como seria o caso da injeção nos pórticos de válvula, ainda que nos últimos anos o foco esteja mais direcionado a uma diminuição na desvantagem apresentada pelo etanol nesse parâmetro, já fica mais convidativa a experiências com o óleo diesel e outros combustíveis pesados, incluindo não somente o querosene mas eventualmente também o biodiesel. Vale destacar que há opções tanto com turbo como no Volkswagen T-Cross com motores 1.0 e 1.4 TSI quanto naturalmente aspiradas como no motor Ford Duratec Direct atualmente oferecido no EcoSport somente na versão Storm que se tornou a única a contar com tração 4X4;
2 - eventualmente burlar a burocracia: considerando que mesmo alguns modelos 4X4 como é o caso do EcoSport Storm não há a opção pelo motor Diesel devido ao sistema de tração oferecido. Se não tiver a "reduzida" ou recurso análogo como 1ª marcha "crawler", nem capacidade de carga nominal igual ou superior a 1000kg e acomodar menos de 9 passageiros além do motorista, a tração 4X4 isoladamente não proporciona um enquadramento como "utilitário" que permita homologar um veículo com motor Diesel, e portanto uma releitura do motor Hesselman não seja um artifício de todo inadequado;
3 - simplificação da logística de combustíveis para atender a frotas cativas: a possibilidade de usar um combustível comum e manter uma estrutura menor para armazenamento e abastecimento em bases operacionais, bem como uma redução na quantidade de carregamentos de combustível a ser fornecido, ofereceria vantagens tanto para operadores particulares quanto frotas de órgãos públicos. Naturalmente, seria de se esperar que um motor atual adaptado para funcionar de forma análoga ao Hesselman teria uma função mais complementar do que substitutiva dos motores Diesel, de modo que seria mais fácil vê-lo num EcoSport que não teve versões Diesel homologadas no Brasil do que numa Fiat Toro por exemplo;

4 - maior familiaridade de mecânicos independentes com motores de ignição por faísca: apesar de ser um erro crer que "motor a gasolina é tudo igual", é impossível negar que para a grande maioria dos mecânicos independentes uma série de fatores que vão desde a aparente simplicidade de sistemas de combustível para motores de ignição por faísca até o custo inicial menor fazer com que se tornem mais comuns e com princípios de funcionamento facilmente assimiláveis, passando pelo custo relativamente baixo do combustível em países como os Estados Unidos e o Canadá levar uma parte considerável do público a não ter o mesmo grau de preocupação que um brasileiro médio que não poderia se dar ao luxo de usar no dia-a-dia uma Ford Windstar com motor Essex V6 de 3.8L ou 4.2L nem uma F-350 com algum V8 da série Triton ao invés dos motores Cummins turbodiesel sempre com 4 cilindros que equiparam a congênere brasileira. Evidentemente que num motor mais antigo que tenha no máximo injeção sequencial nos pórticos de válvula como os Essex ou o Triton 5.4 oferecido na mesma geração da F-350 americana que chegou a ser produzida no Brasil vá ser mais fácil achar um mecânico independente que se arrisque a efetuar algum reparo ou pelo menos um diagnóstico caso ocorra algum problema durante uma viagem mesmo que não esteja tão familiarizado com o motor, ou até algum argentino para fazer gambiarra com carburador num motor relativamente moderno e já lançado numa época que a injeção eletrônica estava devidamente consolidada junto aos motores de ignição por faísca, e mesmo com a difusão um pouco tardia da injeção direta permanece muito mais fácil encontrar mecânicos de linha leve que alegam não ter como trabalhar com motores Diesel mas ainda tentariam a sorte num motor a gasolina ou "flex" de injeção direta;

 
5 - relativa facilidade para promover o controle de emissões: como se o escândalo de emissões da Volkswagen que ganhou a alcunha de "Dieselgate" não fosse suficiente para fomentar a desconfiança do público generalista com relação ao futuro dos motores Diesel a longo prazo, a Volvo detectou uma série de problemas com a durabilidade e eficiência a longo prazo do sistema SCR, atualmente o mais aplicado em veículos pesados como os caminhões e ônibus homologados nas normas Euro-5 visando o controle das emissões de óxidos de nitrogênio (NOx). Tendo em consideração ainda o histórico da Volvo, que em outros momentos já se valeu desse método assim como outros fabricantes suecos de veículos pesados e motores para outras aplicações em que o Diesel viria a se consolidar como a opção preferida também o fizeram, e também o fato da injeção direta e do gerenciamento eletrônico terem proporcionado um aumento seguro das taxas de compressão em motores de ignição por faísca nesses quase 100 anos desde que Jonas Hesselman apresentou o primeiro protótipo, já fica mais fácil atingir condições mais propícias para uma combustão completa do óleo diesel e outros combustíveis pesados ocorra, e por conseguinte a carbonização dos eletrodos das velas de ignição seja minimizada. Outro ponto a se considerar, tendo em vista que alguns veículos modernos com motor a gasolina ou "flex" de injeção direta tem recorrido à injeção dupla (uma parte direta e a outra nos pórticos das válvula de admissão) para enriquecer a proporção ar/combustível, seria justamente uma injeção suplementar de algum combustível volátil como por exemplo o etanol, devido à melhor resistência à pré-ignição em comparação à gasolina e ao fato de ser renovável, proporcionando um resfriamento da carga de ar da admissão que auxilia na redução dos NOx e, por vaporizar mais facilmente que o óleo diesel ou outro combustível pesado que venha a ser usado de acordo com a disponibilidade no momento, também proporciona uma melhor propagação de chama nas câmaras de combustão no momento da centelha e diminui a formação de material particulado e a deposição de sedimentos carbonizados dentro do motor. Uma injeção suplementar de água, misturada com algum álcool como metanol ou o próprio etanol por ser mais comum no Brasil, tem efeito semelhante, requerendo ainda um menor volume de injeção comparado ao etanol puro e facilitando o armazenamento a bordo, e outro ponto a se destacar é a maior facilidade de produzir etanol comparada à síntese da uréia industrial usada na formulação do reagente AdBlue/ARLA-32/ARNOx-32 aplicado aos gases de escape de veículos equipados com SCR;

6 - aplicabilidade militar: pode não parecer tão promissor devido à massificação dos motores Diesel nas frotas operacionais militares de países alinhados à OTAN mas, em algumas circunstâncias, pode ser desejável valer-se da leveza e eventualmente da capacidade de sustentar regimes de rotação mais elevados normalmente mais comum em motores de ignição por faísca, mas a aptidão para usar um combustível com menos risco de explosão seja ainda mais valiosa. A bem da verdade, chega a ser surpreendente considerar que motores Hesselman não tenham sido amplamente usados em viaturas militares americanas na época da II Guerra Mundial como as Dodge WC que deram origem à Power Wagon civil, tendo em vista que modelos desse tipo de motor de 20 a 300hp foram produzidos entre 1932 e 1951 pela Waukesha Motor Company. E apesar de hoje a relação peso/desempenho não ser mais tão desfavorável aos motores turbodiesel em comparação a um de ignição por faísca, não há de se duvidar que algum cenário operacional específico pudesse fazer com que fique um tanto difícil ignorar eventuais vantagens que um motor mais leve e menos ruidoso torne um Hesselman adequado;

7 - falta de opções mais modernas para o segmento náutico leve: tanto em embarcações de pesca quanto outras adaptadas para transporte de passageiros em rotas turísticas, hoje é muito comum o uso de motores Diesel mais rudimentares como os Yanmar de 1 cilindro horizontal e as inúmeras cópias chinesas. Se por um lado ainda é uma alternativa bastante conhecida e cuja simplicidade se reflete em menos vulnerabilidades para a operação numa condição ambiental particularmente extrema, por outro há de se considerar desde o conforto que uma redução de ruído e vibração proporcione a passageiros até a capacidade de operar com combustíveis voláteis incluindo gás liquefeito de petróleo (GLP - "gás de cozinha") num caso de extrema necessidade que só seria possível em função da ignição por faísca nos motores Hesselman ou numa eventual reinterpretação moderna. Uma relação peso/potência mais favorável também seria benéfica para melhorar a capacidade de carga.

A evolução tecnológica da metalurgia e em sistemas de combustível e ignição é capaz de oferecer novas oportunidades para que se atenda melhor a necessidades distintas de alguns operadores, que podem não estar tão satisfeitos com a oferta de motores Diesel em algumas faixas de potência mas também não teriam uma justificativa econômica para abrir mão por completo do uso de combustíveis pesados. Também vale destacar que a massificação da injeção direta junto à ignição por faísca, principalmente associada ao turbo em meio ao fenômeno do downsizing, vem sendo frequentemente enaltecida como uma alternativa para que se aproximem da maior eficiência energética atribuída ao Diesel. Portanto, com a possibilidade de conciliar as características mais desejáveis de configurações tão distintas, uma reinterpretação moderna do motor Hesselman ainda faria sentido.

3 comentários:

  1. https://www.fuelsandlubes.com/acea-euro-vii-could-be-basis-for-discussion-on-global-heavy-duty-emssions-standards/

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    1. É melhor avaliar a situação com mais parcimônia mesmo. Ir para o tudo ou nada como tem feito a União Européia tem beirado uma histeria sem sentido, além do mais que alguns dispositivos de controle de emissões tem inviabilizado o uso de combustíveis renováveis que não só contribuem para a redução da dependência por petróleo importado de zonas conflagradas mas também para uma efetiva neutralização das emissões.

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  2. Desculpe, foi erro de digitação meu, não consegui inserir o link, digitei manualmente, caractere por caractere... o correto é
    https://www.fuelsandlubes.com/acea-euro-vii-could-be-basis-for-discussion-on-global-heavy-duty-emissions-standard/
    Não é "standards" no plural..

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html