sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Observações sobre o desgaste acentuado do sistema SCR em veículos pesados da Volvo

Foi recentemente anunciada pela Volvo a possibilidade de fazer um recall, abrangendo veículos que operam em vários continentes, em função de índices de emissões de óxidos de nitrogênio (NOx) acima dos limites especificados. A alegação do fabricante, coligado à Renault Trucks e à UD (antiga Nissan Diesel), é que o sistema SCR estaria sofrendo um desgaste mais acentuado do que o previsto, reduzindo a capacidade de neutralizar os NOx com eficiência. No entanto, mesmo que se aponte um problema de ordem técnica como causa da discrepância nos índices de emissão ao invés de uma ação deliberada como houve no caso da Volkswagen, referências ao "Dieselgate" também ganham algum destaque na imprensa européia e junto a grupos que fazem um lobby anti-Diesel sob falsas premissas de "sustentabilidade" que na prática só tem servido de pretexto para inibir a atividade econômica.
Como o sistema SCR acabou tornando-se de certa forma um padrão junto à indústria de caminhões e ônibus, estando quase onipresente em modelos acima de 300hp homologados das normas Euro-4 (não-aplicada no Brasil) em diante, o problema divulgado pela Volvo e que derrubou em 6% o valor das ações da empresa também acabou por suscitar dúvidas quanto à possibilidade de atingir veículos de outros fabricantes.Ao menos a Traton, subsidiária do Grupo Volkswagen encarregada da operação das marcas MAN e Scania, teria declarado através de um porta-voz que não haveria indícios quanto à ocorrência de um desgaste acentuado em componentes do sistema de tratamento de emissões nem de eventuais reflexos na efetividade. De um modo geral, como se não bastasse o inconveniente de ordem prática acarretado pela dependência de mais um insumo para garantir a correta operação dos veículos equipados com motores Diesel modernos, também há de se levar em conta no âmbito da manutenção a eventual necessidade de substituir componentes de custo muito alto em caso de não-conformidade com os índices de emissão por conta do desgaste natural como mais um empecilho para promover o Diesel como uma opção ainda razoável para atender às necessidades de operadores de veículos leves para conciliar alto desempenho comparável ao de similares com motor do ciclo Otto e o cumprimento das normas de emissões.
Se para um carro como o Volkswagen Passat B8 ainda é possível encontrar em alguns mercados a opção pelos motores 1.6 e 2.0 TDI, sendo este último disponível em 3 ratings de potência e torque com os 2 mais potentes já recorrendo ao SCR, semelhante liberdade de escolha já não se observa em segmentos menos prestigiosos nos quais as limitações não se concentram apenas no custo e também abrangem o espaço que seria necessário para acomodar o reservatório do fluido-padrão conhecido na Europa como AdBlue enquanto no Brasil é denominado oficialmente ARLA-32. Mas como seria de se esperar, o público generalista acaba sendo mais influenciado pelo valor agregado no momento de avaliar o quão disposto estaria a desembolsar pela manutenção de um veículo particular, enquanto no transporte comercial a relação entre força bruta e o impacto da quantidade de combustível a bordo ainda fazem do Diesel uma necessidade para a quase-totalidade dos operadores. No caso de empresas de ônibus por exemplo, mesmo que operem em localidades já servidas pelo gás natural canalizado como é o caso de Porto Alegre, o maior valor de revenda ainda desincentiva um fim da hegemonia do Diesel.

Ainda que um recall iminente venha a ser bem-sucedido, e também não acarrete num transtorno muito significativo para operadores e usuários dos veículos possivelmente afetados pelo problema, essa situação não deixa de fomentar também outros questionamentos em torno da própria adoção do sistema SCR como padrão. Como a maior parte da uréia industrial usada na formulação do AdBlue/ARLA-32 é sintetizada a partir do gás natural, já se abre espaço para refletir sobre a eventual utilização desse combustível tanto puro ao se converter um motor Diesel para operar no ciclo Otto quanto por meio de injeção suplementar no coletor de admissão e valendo-se de uma injeção-piloto do óleo diesel convencional para promover a ignição. Outro produto químico cuja síntese ainda tem no gás natural uma das principais matérias-primas e pode vir a ter serventia no controle de emissões é o metanol, embora também possa ser produzido a partir de matérias-primas mais diversificadas e até acidentalmente quando se erra o ponto da fermentação de bebidas alcoólicas como a "maria-louca" dos presidiários e sem-teto. Além do uso direto como combustível em aplicações automotivas de alto desempenho antes que o etanol se tornasse mais difundido, o metanol também foi muito usado como aditivo anticongelante em injeções suplementares de água (desmineralizada para evitar cavitação em componentes metálicos) e ainda como base de fluidos para degelo de carburadores em motores aeronáuticos.

Mesmo em motores com configurações muito distintas entre si, a injeção suplementar de água com algum álcool tende a proporcionar melhorias efetivas ao processo de combustão, podendo refletir-se também numa formação menos intensa dos NOx que tem sido o calcanhar-de-Aquiles dos controles de emissões. Enquanto num motor do ciclo Otto se observam efeitos análogos a um enriquecimento da mistura ar/combustível, num Diesel mesmo que não ocorra uma formação de mistura durante a admissão o resfriamento da massa de ar mediante a vaporização da água injetada é menos propício à formação dos NOx mesmo aumentando a concentração de oxigênio devido à massa de ar mais densa que se obtém. Além de prevenir o congelamento da água, o conteúdo de metanol também facilita a vaporização no coletor de admissão. Devido a fatores como disponibilidade e toxicidade do metanol, não seria má idéia aventar a possibilidade se se usar etanol para a mesma finalidade.

Já o gás natural por sua vez acaba tendo um efeito até certo ponto semelhante ao de uma carga mais alta de recirculação de gases de escape (EGR - Exhaust Gas Recirculation) ao ser usado em injeção suplementar num motor Diesel, tendo em vista que reduz a concentração de oxigênio no fluxo de admissão, mas ao considerarmos que se pode recorrer a um menor volume da injeção de óleo diesel convencional para manter os mesmos valores de potência e torque também faz sentido destacar uma menor formação de fuligem devido à combustão mais completa. Nesse caso, o filtro de material particulado (DPF - Diesel Particulate Filter) também pode ter a vida útil prolongada, sendo submetido a menos ciclos de autolimpeza ou "regeneração forçada". Porém, como se não bastasse a limitação da disponibilidade em algumas regiões e o descaso com o biogás/biometano que poderia constituir uma opção para a interiorização da oferta de combustíveis gasosos no Brasil e atender a necessidades específicas do setor agropecuário, não se pode esquecer que o gás natural vem sendo tratado como se fosse efetivamente antagônico ao Diesel em detrimento de uma integração que poderia promover uma maior segurança energética.

Não dá para negar que a situação apontada pela Volvo é preocupante por colocar em xeque a pauta da redução de emissões como uma garantia da viabilidade futura do Diesel, sendo desafiadora no tocante a fatores como a facilidade de uso e o custo operacional que tem induzido potenciais consumidores a vê-lo como uma opção cada vez mais restrita a aplicações pesadas onde o desempenho proporcionado sob fatores de carga mais pesados é imprescindível. Enfim, tendo em vista que há outras opções que podem ser até mais adequadas que o SCR e articuláveis a diferentes condições de operação que vão desde rotas regionais predeterminadas com infraestrutura de reabastecimento mais conhecidas até a carga geral em percursos mais variados, disseminar qualquer alarmismo que coloque o Diesel em xeque seria uma grande irresponsabilidade...

2 comentários:

  1. Boa observação. Eu até acho interessantes algumas tratativas para usar motor a gás em serviço pesado, mas pelo menos enquanto o Brasil continuar essa zorra fica praticamente impossível de se levar a sério. Até ônibus a gás já teve em São Paulo, mas não deu tão certo.

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  2. Se não tiver que fazer muita mudança no motor e ainda puder colocar um cano reto no escapamento sem disparar códigos de erro na centralina do motor, esse esquema de usar uns esguichos de água com álcool parece fazer mais sentido mesmo.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html