quinta-feira, 21 de maio de 2020

Veículos ou combustíveis: qual deveria ser a real prioridade quanto ao controle de emissões?

Já não é nenhuma novidade que o motor de combustão interna tornou-se um dos bodes expiatórios da moda entre os ecoterroristas, que fazem um alarmismo midiático mas tentam invisibilizar soluções de implementação relativamente fácil para atenuar o impacto nocivo atribuído ao transporte motorizado. E o rigor é especialmente exagerado quando trata-se de motores de concepção mais antiga, sendo até mais crítico no caso de motores Diesel tomando como exemplo o Toyota Bandeirante que lançou mão de motores Mercedes-Benz OM-924, OM-314 e OM-364 ou Toyota 14B de acordo com os anos de fabricação mas sempre com injeção 100% mecânica e sem maiores sofisticações. Naturalmente, não é só aos Diesel que se resume a ira de alguns rebeldes sem causa que usam de uma falsa consciência ecológica para tentar ganhar alguma relevância enquanto tecem críticas ao capitalismo do alto de seus iPhones, ignorando também alguns avanços no controle de emissões de motores de ignição por faísca como o GM Família II que equipou modelos da Chevrolet no Brasil como o Monza e o Vectra, entre os quais não só a transição do carburador para a injeção eletrônica ainda em estágios embrionários mas também a incorporação do conversor catalítico foram dignas de nota já no início da década de '90.
E se por um lado o motor de ignição por faísca sobressaiu inicialmente por uma adaptabilidade que se podia considerar mais fácil a combustíveis alternativos com o gás natural e o etanol, por outro não faz sentido ignorar que um motor Diesel também era capaz de atender a essa opção, e por mais incrível que possa parecer um motor de concepção mais vetusta como os Opel 17D e 17DR de 1.7L aspirados e o Isuzu 4EE1 também de 1.7L mas com turbo e resfriador de ar (intercooler) que foram oferecidos na 1ª geração do Vectra em outros países ofereciam condições até mais propícias tanto com biodiesel quanto em experiências no uso direto de óleos vegetais brutos como combustível veicular, e portanto a neutralização de emissões durante o metabolismo dos cultivares que podem ser destinados ao uso como combustível proporciona um fechamento dos ciclos do carbono e do nitrogênio mais efetivo do que qualquer tentativa envolvendo derivados de petróleo. De fato, se a presença de dispositivos de controle de emissões como filtros de material particulado e o catalisador SCR em modelos mais novos proporcionaram uma sensível redução nos índices de fuligem negra e dos óxidos de nitrogênio (NOx) que eram o calcanhar de Aquiles do ciclo Diesel, não se pode ignorar algumas interferências à adaptabilidade para operar com uma maior variedade de combustíveis alternativos ou a concentrações maiores de biodiesel misturado ao óleo diesel convencional. A injeção indireta que predominava nos motores Diesel leves até fins da década de '90 podia parecer menos conveniente em função da maior sensibilidade a baixas temperaturas ambientes durante a partida, o que a bem da verdade não inibiu a popularidade dessa opção na Europa, mas apresentava condições mais propícias para uma combustão completa de óleos vegetais brutos e evitando o acúmulo de sedimentos de glicerina polimerizada em alguns componentes do motor como os anéis de pistão.

É importante reconhecer que cada ciclo termodinâmico aplicado aos motores automotivos tem suas peculiaridades, e portanto há algumas discrepâncias entre as melhores abordagens para proporcionar um controle de emissões mais efetivo, de modo que não há como tirar leite de pedra sem acarretar em algum comprometimento excessivo de condições que favoreçam a economia de combustível seja nos de ignição por faísca quanto nos Diesel. Considerando algum "pau véio" a gasolina ou etanol que use carburador ou alguma injeção eletrônica não-sequencial, ou também conversões para gás natural com kits de gerações mais defasadas, há as emissões de hidrocarbonetos que são basicamente combustível eliminado ainda cru durante o cruzamento de válvulas entre as fases de escapamento e a admissão no ciclo de combustão subsequente, não apenas gerando desperdício como também poluição. No caso do gás natural, cujo principal componente é o metano e tem uma meia-vida mais longa na atmosfera que o dióxido de carbono (CO² - "gás carbônico") pós-combustão, mesmo que ainda deva ser considerada a emissão de NOx que também acarreta nesse inconveniente e costuma ser mais alta num similar com motor Diesel, apesar da maior resistência do gás natural à pré-ignição em comparação à gasolina e ao etanol servir de pretexto para regular a mistura ar/combustível num valor extremamente pobre com o objetivo de priorizar a economia de combustível, mas apesar de ser praticamente isento de emissões de material particulado acabam equiparando os NOx aos de um motor Diesel.

Diferenças substanciais entre os princípios básicos de funcionamento de um motor a gasolina ou flex e um Diesel também se refletem na adaptabilidade aos métodos de controle de emissões mais comuns na linha automotiva em geral, como por exemplo a recirculação de gases de escapamento por meio da válvula EGR ou passivamente por meio da variação de fase do comando de válvulas que apresenta os melhores resultados junto à ignição por faísca mas também é muito usada em motores Diesel leves no intuito de reduzir a formação de NOx inserindo gases inertes na carga de admissão visando reduzir as concentrações de oxigênio livre para reagir com o nitrogênio naturalmente contido no ar. Interferindo diretamente no chamado "triângulo do fogo" que abrange oxigênio, calor e combustível, sobretudo no caso de motores Diesel que são dependentes basicamente do aquecimento aerodinâmico da carga de ar de admissão para dar início à auto-ignição do óleo diesel convencional ou de substitutivos como o biodiesel, em contraponto a motores de ignição por faísca que tem uma maior facilidade para alterar o avanço de ignição de acordo com faixas de rotação ou até diferenças entre combustíveis como seria o caso ao alternar entre gasolina e etanol ou gás natural, um efeito colateral é o incremento da formação de material particulado que acarreta numa saturação mais rápida do filtro de material particulado com a consequente necessidade de ciclos de autolimpeza forçada ou "regeneração" mais frequentes. Entre outras opções que também costumam ser usadas em motores Diesel, tanto isoladamente quanto junto ao EGR, figuram o já mencionado SCR que recorre ao fluido-padrão AdBlue/ARLA-32 injetado no escapamento para fazer a redução catalítica seletiva dos NOx ou em motores com valores de potência e torque mais modestos o LNT (Lean NOx Trap) que retém parte dos NOx para futura degradação sem a necessidade de aditivos químicos como é usado numa versão Euro-6 com 75cv do motor Fiat Multijet 1.3 que chegou a ter uma versão Euro-4 de 90cv oferecida no Suzuki S-Cross na Índia antes de ser tirada de linha sob a alegação de que não se justificaria inserir o filtro de material particulado e o SCR usado na especificação Euro-6 nessa faixa de potência.

Por mais que o SCR parecesse adequado principalmente às necessidades de veículos pesados que tem menos restrições de espaço para a instalação de alguns dispositivos de controle de emissões, além do mais que em alguns casos o downsizing diminui o impacto sobre o peso do veículo completo como é o caso dos chassis de ônibus Mercedes-Benz OF-1721 Bluetec5 e Iveco 150S21 cujos motores com 4 cilindros abaixo de 5.0L contrastam com a configuração mais tradicional de 6 cilindros em motores como o MWM MaxxForce 7.2 usado pela Volvo no chassi B270F, está longe de ser uma solução tão "perfeita" quanto poderia parecer. O simples fato da uréia industrial usada na produção de AdBlue ser sintetizada majoritariamente a partir de gás natural já pressupõe que um uso direto como combustível tanto isoladamente num motor de ignição por faísca quanto por injeção suplementar sequencial nos pórticos de válvula num turbodiesel faria mais sentido, tanto em função de um saldo energético mais favorável ao se eliminar ao menos um processo industrial quanto do efeito comparável aos do EGR e de uma injeção de água que normalmente é mais difundida em aplicações de alto desempenho do que como um eventual método de controle de emissões, e sem intercorrências como um desgaste anormal que a Volvo detectou em sistemas SCR comprometendo a eficiência na redução dos NOx ao longo da vida útil operacional estimada dos veículos que o utilizam. Enquanto uma injeção suplementar de gás natural acaba reduzindo a proporção de ar fresco na carga de admissão e por extensão a concentração total de oxigênio livre, o fato de já poder substituir em parte o óleo diesel ou biodiesel contribui para manter a proporção correta para uma combustão completa e mais homogênea devido à propagação de chama (flame spread) mais rápida pelo gás já estar na fase de vapor no momento que se inicia a auto-ignição do combustível principal, e no caso de uma injeção de água (podendo ser misturada com um álcool como metanol ou etanol para prevenir o congelamento) a maior condutibilidade térmica comparada a um ar seco reduz a reatividade do oxigênio livre com o nitrogênio sem eliminar calor e pressão que se fazem necessários para ocorrer a ignição por compressão.

Mas outro ponto a se destacar em meio à ilusão de que seria mais fácil conformar-se com em torno da ignição por faísca à medida que foram surgindo motores "flex" aptos a operar com gasolina e etanol é a consolidação do turbo e da injeção direta, eventualmente apontada como um pretexto para deixar de lado o Diesel. Nesse contexto, um caso a se levar em consideração é a 2ª geração do Chevrolet Cruze, que fora da China teve na maioria dos mercados onde foi oferecido somente o motor 1.4 SIDI Turbo não mais complementando mas substituindo de vez os 1.6 e 1.8 a gasolina (também flex no caso do 1.8 para as versões brasileiras) aspirados com injeção nos pórticos de válvula e eliminando o 1.7 e os 2.0 turbodiesel que equipavam a geração anterior de acordo com as preferências ou regulamentações de cada mercado onde o "anti-Corolla" da General Motors foi comercializado. Não entrando tanto no mérito da complexidade inerente ao turbo ou da desconfiança de uma parcela mais conservadora do público das versões a gasolina quanto aos efeitos desse componente na durabilidade e eficiência geral de um motor, convém destacar que as temperaturas mais altas da carga de ar de admissão resultantes não só do aquecimento aerodinâmico mais intenso causado tanto pela indução forçada quanto pela taxa de compressão normalmente mais alta em motores de injeção direta mas também porque deixa de ocorrer o resfriamento causado pela formação de mistura ar/combustível na fase de admissão, e do correspondente incremento na formação de NOx que também é potencializada pela menor proporção de combustível pela massa de ar.

A princípio, o que transformou o turbo e por extensão a injeção direta numa necessidade mesmo para motores de ignição por faísca é a estrutura de impostos com base em faixas de cilindrada que se adota em mercados como o europeu, o japonês e o brasileiro, ainda que na prática um motor com cilindrada mais alta de aspiração natural e injeção nos pórticos de válvula tem um custo de produção menor com desempenho equivalente sem incrementar os NOx e em alguns casos manter os índices de CO² até bastante parelhos. Naturalmente, a ignição por faísca proporciona uma certa facilidade para recorrer a uma proporção ar/combustível mais rica para que o maior volume de combustível que seja injetado absorva mais calor latente de vaporização contido na carga de admissão, mas também dá causa a um incremento na formação de material particulado devido à vaporização incompleta em decorrência não apenas do intervalo mais curto entre a injeção e a ignição mas também de uma menor transferência de calor em proporção ao fluxo de combustível tal qual ocorreria num motor Diesel ou turbodiesel. Vale destacar que, enquanto para o Diesel as elevadas temperaturas e pressões são uma parte essencial do processo de auto-ignição por compressão, para um motor a gasolina ou flex pode não haver vantagem tão significativa ao processo de combustão.

É importante lembrar que a injeção direta não é indissociável do turbo, tendo sido usada também em motores aspirados tanto do ciclo Diesel como o 1.9 SDI da Volkswagen que chegou a equipar versões de exportação do Gol quanto de ignição por faísca como o M20A-FXS da Toyota atualmente usado no SUV híbrido Lexus UX 250h numa configuração de injeção dupla que ao invés de ter só a injeção direta faz uso alternado ou simultâneo com a injeção nos pórticos de válvula conforme as condições de carga e temperatura e pressão atmosférica nas quais que esteja operando, e ironicamente no caso de motores Diesel costuma ser benéfica à redução da formação de NOx por recorrer a taxas de compressão menores que num similar de injeção indireta com pré-câmaras. Em que pesem as óbvias diferenças nas certificações de emissões, com o 1.9 SDI na melhor das hipóteses podendo atender até a Euro-3 em outros modelos na linha Volkswagen enquanto o M20A-FXS já é homologado na Euro 6d-TEMP, convém observar que alguns elementos anteriormente considerados necessários apenas nas novas gerações de motores turbodiesel tornaram-se fundamentais também num motor a gasolina de modo que o argumento da maior simplicidade inerente ao controle de emissões cai por terra ao lidar com um filtro de material particulado por exemplo. Em ambos os casos não deixa de ser importante destacar a questão dos combustíveis alternativos, tendo em vista que motores Volkswagen tanto SDI quanto versões anteriores dos TDI são facilmente adaptáveis ao uso direto de óleos vegetais mesmo sem recorrer ao óleo diesel convencional para facilitar a partida a frio e a Toyota já tem a experiência necessária para oferecer a capacidade de operar com etanol puro no motor M20A, e a humanidade já detendo o domínio de técnicas de extração de óleos vegetais e de fermentação alcoólica há milênios com os mais variados substratos leva a crer que um uso de combustíveis não só capazes de neutralizar emissões mas também facilmente integráveis às vocações agropecuárias de cada região podendo até contar com um impacto ambiental reduzido durante os respectivos ciclos de produção faça mais sentido que aumentar a complexidade e dificuldade de manutenção ao mesmo tempo que se mantém de mãos atadas diante da hegemonia dos derivados de petróleo na matriz energética do transporte.

Embora possa ser considerado que um motor de concepção moderna como o Puma de 2.2L usado na atual geração da Ford Ranger atraia um público que antes via o Diesel com aquele estereótipo que remonta à época de motores "de trator" como o MWM TD-229-4 de 3.9L que marcou época na Ford F-1000, insistir na idéia de que seria mais urgente abordar os índices de emissões de poluentes dos veículos e motores ao invés de promover combustíveis efetivamente mais limpos e cuja produção possa ser regionalizada é um tiro no pé, especialmente em países subdesenvolvidos ou "emergentes" como é o caso do Brasil. Logicamente não se pode ignorar por completo as evoluções tecnológicas no tocante aos motores mais recentes, mas ignorar possíveis contribuições de um congênere mais antigo ao desenvolvimento econômico, social e até mesmo ambiental é uma medida infeliz não apenas por agregar um custo eventualmente excessivo para quem os usa a trabalho mas também por desfavorecer uma maior independência energética para produtores rurais ou mesmo para o país como um todo. Enfim, se por um lado é até conveniente otimizar a eficiência energética dos motores e conciliá-la à preservação ambiental, por outro a histeria ecoterrorista tem promovido uma inversão de prioridades à medida que os biocombustíveis são tratados com descaso.

Um comentário:

  1. Se tem combustíveis mais limpos e que podem ser usados mesmo num carro "velho" que vá ser considerado como poluidor, já é um bom começo.

    ResponderExcluir

Seja bem-vindo e entre na conversa. Por favor, comente apenas em português, espanhol ou inglês.

Welcome, and get into the talk. Please, comment only either in Portuguese, Spanish or English.


- - LEIA ANTES DE COMENTAR / READ BEFORE COMMENT - -

Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html