sexta-feira, 1 de maio de 2020

Reflexão: o que teria efetivamente inviabilizado a aspiração natural nos motores Diesel veiculares?

Um ponto que parece cada vez mais irrelevante hoje devido à consolidação do turbo junto a motores Diesel veiculares em diferentes segmentos, a permanência da opção por motores Diesel de aspiração natural em triciclos utilitários permanece atual em meio à recente introdução das normas de emissões Bharat Stage-VI na Índia e pode servir de pretexto para questionamentos acerca do fim dessa mesma alternativa em veículos de maior porte mundo afora. Naturalmente, mesmo que a diferença de peso e volume total da instalação do conjunto mecânico possa ser considerada menos crítica comparando um motor a gasolina da faixa de 200cc usado em algumas versões dos triciclos Bajaj e um Diesel da faixa de 470cc que desenvolva basicamente o mesmo desempenho já levando em conta como as diferentes curvas de potência e torque influenciem o aproveitamento desses parâmetros em cada motor, ou até o motor da Honda CG 125 "varetada" que a princípio seria o mais conveniente para adaptar num Bajaj que tenha sido importado para o Brasil pela Kasinski, não deixa de ser intrigante que em automóveis não se repita uma situação análoga na maioria dos mercados. De fato, ainda que à primeira vista uma diferença de cerca de 270cc no caso de motores originais ou cerca de 345cc tomando por referência o motor da CG pareça irrisória, na prática representam incrementos superiores ao dobro das respectivas faixas de cilindrada, na ordem de 130% a 276% que em aplicações automotivas seriam vistos de uma forma ainda mais desfavorável ao Diesel aos olhos do público generalista.

Um caso a se considerar é o do Citroën Xsara, cujo ciclo de produção deu-se durante as fases Euro-2 e Euro-3, e foi influenciado também pelo aumento na participação do turbo e da injeção direta junto a automóveis generalistas no mercado europeu mas não deixou de contar com ao menos uma opção de motor Diesel naturalmente aspirado (com injeção indireta) para atender parcelas mais conservadoras do público. Em função da incidência de impostos atrelada às faixas de cilindrada, e que penaliza mais o Diesel especificamente, contou com o motor TUD5 de 1.5L além dos XUD9 e DW8 de 1.9L que se situavam numa alíquota de impostos mais elevada e portanto soavam desinteressantes para quem via o aspecto utilitário como prioridade e não considerava um problema tão sério o desempenho próximo ao de um motor a gasolina de 1.0L como os dos "populares" brasileiros no período entre '97 e 2006 que coincidiu com a oferta do Xsara. E mesmo que um carro dessa categoria representasse na Europa praticamente o mesmo que um hatch compacto consideravelmente mais pé-duro no Brasil, e versões a gasolina do Xsara tivessem a faixa de cilindrada de 1.4L como a menor disponibilizada, também é o caso de se observar um contraste entre as principais demandas de consumidores com um perfil mais conservador que viam na ignição por faísca a opção para desempenho e o Diesel meramente como a "ferramenta de trabalho" por excelência totalmente privada de qualquer apelo a uma condução mais "esportiva" especialmente antes que o turbo passasse a ser praticamente "obrigatório" mesmo junto a um público generalista à medida que parecia mais fácil para os fabricantes "empurrarem" o turbo e a injeção direta em preparação para o recrudescimento das normas de emissões.

Em modelos posteriores na mesma categoria, como o Citroën C4 Lounge, convém observar não só a consolidação em torno de uma única faixa de cilindrada para as versões Diesel mas também o quanto a ignição por faísca se manteve amparada em grande parte na mediocridade para explorar o custo de produção e aquisição mais baixos em nome da competitividade. Enquanto no Brasil foram oferecidos o motor EW10 de 2.0L com aspiração natural e injeção nos pórticos de válvula sempre como "flex" a gasolina e etanol e o THP de 1.6L com turbo e injeção direta inicialmente só a gasolina inicialmente e vindo a se tornar flex em seguida, na Argentina tanto o EW10 quanto o THP foram disponibilizados só a gasolina e complementados pelo vetusto EC5 de 1.6L também movido só a gasolina com injeção nos pórticos de válvula e  aspiração natural, e a única opção turbodiesel foi o DV6 de 1.6L apesar do DW10 de 2.0L ser compatível com a mesma plataforma. Considerando que o mercado argentino não é tão rígido quanto o europeu com relação à cilindrada, até não teria sido de todo inoportuno oferecer algum motor Diesel aspirado mesmo que precisasse dispor de uma faixa de cilindrada mais alta tanto em função de manter um desempenho satisfatório ao menos em comparação ao motor a gasolina mais modesto quanto para compensar eventuais restrições de ordem técnica causadas por um rigor superior no controle de emissões, tendo em vista que a ausência do turbocompressor e do resfriador de ar e das tubulações adicionais que os acompanham acarretaria num custo de produção que permanecesse mais palatável diante da possibilidade de converter o EC5 ou o EW10 para gás natural que é muito popular na Argentina.

Aos olhos do público generalista, que antes tratava a cilindrada pura e simplesmente como um fator de prestígio antes de dar mais valor à tecnologia agregada, certamente soa mais difícil justificar o uso de motores mais rústicos na atualidade, ao passo que para utilitários em geral mesmo que não tenham opção de motor Diesel no Brasil a incidência de impostos não distingue as especificações do motor. O caso da atual geração da Saveiro, que não conta com opções Diesel nem em mercados de exportação, certamente seria um bom pretexto para considerar a adequação da aspiração natural por se tratar dum modelo especificamente destinado a mercados do terceiro mundo, bem como pelo fato de justamente a Volkswagen ter sido o único grande fabricante que seguiu oferecendo motores Diesel de aspiração natural homologados nas normas Euro-4 com o 2.0SDI que certamente teria caído como uma luva na Saveiro caso tivesse avançado para atender à Euro-5 ou ainda pudesse se antecipar à Euro-6. Mesmo que a ausência do turbo possa ser considerada indesejável diante dos benefícios que proporciona não só ao desempenho mas também no tocante à eficiência energética, além de algum efeito compensador de altitude especialmente útil para quem trafega por diferentes regiões e percebe os efeitos da pressão atmosférica, a ausência do aquecimento aerodinâmico que a etapa adicional de compressão efetuada pelo turbocompressor proporciona poderia ser considerada desfavorável a incrementos na formação de óxidos de nitrogênio (NOx) que se tornaram tão críticos nos estágios mais avançados de controle de emissões.
Ainda que a indução forçada aumente a massa de ar dentro das câmaras de combustão, viabilizando a redução das emissões de material particulado evidenciadas pela fumaça preta visível em motores que não disponham do filtro de material particulado, uma manutenção correta é fundamental para manter os índices desse poluente sob controle independentemente da especificação de emissões e portanto é possível que até um motor mais pé-duro com cilindrada relativamente alta permaneça satisfatório aos olhos de usuários com um perfil mais conservador que efetivamente explorem as capacidades de um utilitário. Também não deixa de ser interessante destacar que a partir da entrada em vigor das normas Euro-5 no Brasil o gerenciamento eletrônico é programado para restringir o desempenho do motor se forem identificadas alterações no funcionamento de dispositivos de controle de emissões, a exemplo do SCR que ainda é mais comum em motores destinados a veículos pesados para redução dos índices de NOx enquanto modelos leves costumavam recorrer somente ao EGR para o mesmo efeito. Pode-se considerar que o aquecimento aerodinâmico mais elevado proporcionado pelo turbo seja desejável na estabilização da marcha-lenta imediatamente após a partida a frio, mas o recurso a velas aquecedoras bastante habitual desde a época em que predominavam a aspiração natural e a injeção indireta ainda é capaz de suprir essa necessidade mesmo que hoje a injeção direta seja o padrão na linha automotiva, e a bem da verdade mesmo que motores de injeção direta costumem apresentar taxas de compressão menores a partida a frio tende a ser mais fácil por não depender de um aquecimento mais intenso para as pré-câmaras que só são usadas nos motores Diesel de injeção indireta.

Num motor com cilindrada mais alta e aspiração natural, uma proporção comparativamente menor de recirculação de gases de escape por meio do EGR tanto refrigerado quanto não-refrigerado já poderia acarretar prejuízos menores ao desempenho trafegando mais próximo ao nível médio do mar, e ainda é relevante considerar que uma carga menos intensa de EGR seria requerida circulando por um trecho em altitude mais elevada, e se fosse não-refrigerada acabaria reinserindo um calor residual benéfico à estabilização da marcha-lenta devido à temperatura usualmente mais baixa em proporção à altitude. E por mais que atualmente num país como o Brasil o interesse pelo direito ao uso do Diesel acompanhe a procura por utilitários como veículo particular e o descrédito em torno do etanol e do gás natural, as aplicações efetivamente profissionais permanecem com uma demanda por motores Diesel simples e fiéis às premissas de economia e confiabilidade das quais o consumidor brasileiro vem sendo privado desde que passou a ser proibida a conversão de pick-ups com capacidade de carga inferior a 1000kg e tração simples como a Saveiro, apesar de uma da geração atual e uma quadrada terem essencialmente a mesma função. Enfim, por mais que não se possa ignorar uma parcela do público generalista até em mercados desenvolvidos disposta a lidar com as limitações de um motor Diesel aspirado para usufruir de um histórico de durabilidade e fácil manutenção frequentemente tratado como uma prerrogativa de motores obsoletos, a raiz da atual ausência de um motor "maçarico" é mais política do que técnica.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html