terça-feira, 25 de agosto de 2020

Algumas observações sobre o novo motor Cummins ACE de pistões opostos

Há alguns anos atrás, parecia improvável que a Cummins viesse a desenvolver um motor Diesel 2-tempos por uma questão de tradição, tendo em vista o desapontamento do fundador Clessie Cummins quando um protótipo desenvolvido para as 500 Milhas de Indianápolis teve solda fria (ou "fundiu" como se diz mais vulgarmente) em 1934. Por mais que não se aborde tanto a experiência do uso de motores Diesel para fins esportivos quando a tecnologia ainda despertava algum ceticismo em aplicações veiculares, a Cummins já podia ser considerada uma pioneira na área mesmo que a partir de 1938 a concorrência da Detroit Diesel com motores 2-tempos sob os auspícios da General Motors fosse também essencial para fazer com que os veículos comerciais aderissem mais maciçamente ao Diesel. E mesmo já não sendo uma configuração tão comum em veículos, os motores Diesel 2-tempos começaram a recuperar algum interesse à medida que as vantagens no tocante à relação peso/potência e de forma um tanto surpreendente também quanto à redução de emissões tornaram-se ainda mais relevantes, e em 2004 foi fundada a empresa Achates Power que tem como objetivo o desenvolvimento de tecnologias para motores Diesel 2-tempos de pistões opostos, que foi a configuração adotada desde alguns motores Fairbanks-Morse que ainda equipam navios e outros tipos de embarcações militares até os Junkers Jumo-205 que equiparam alguns aviões da Luftwaffe na época da II Guerra Mundial.

Para veículos e máquinas terrestres, a configuração de pistões opostos destacou-se nos motores Rootes TS3 britânico que era mais conhecido pelo uso em caminhões Commer numa posição horizontal, e ainda no Napier Deltic também britânico que serviu a locomotivas além das aplicações navais além do Leyland L60 que serviu aos tanques ingleses Chieftain e Vickers MBT e ao indiano Vijayanta. No caso do TS3, é comum que seja confundido com um motor de cilindros opostos devido à posição horizontal, "deitado" como um motor Volkswagen ou Subaru "boxer" de cilindros opostos mas, além do TS3 ser 2-tempos e os boxers mais conhecidos serem 4-tempos, num motor de pistões opostos cada cilindro conta com 2 pistões que em ponto morto inferior estão mais próximos das extremidades enquanto ao atingir o ponto morto superior atingem posições mais próximas do centro do cilindro, enquanto num boxer cada pistão tem somente 1 cilindro e para 2 cilindros dispostos cada um num lado do motor os respectivos pistões aproximam-se durante o ponto morto inferior quando um se encontra na admissão e o outro no tempo motor, e afastam-se em direção às extremidades no ponto morto superior quando um está na fase de compressão e o outro no escape. E por mais que todo motor Diesel 2-tempos dependa do compressor mecânico ou "blower" para gerar pressão de admissão, ao ponto de ser comum referir-se a um que tenha só o blower mas sem turbo como sendo de aspiração natural ao contrário do que ocorre com motores de ignição por faísca ou com os Diesel 4-tempos, podem quando dotados de um acoplamento que permita uma velocidade variável que reduza a pressão de aspiração proporcionar um efeito semelhante ao de um "EGR interno" que nos motores 4-tempos ocorre quando a variação de fase no comando de válvulas proporciona um cruzamento de válvulas de modo que uma parte do fluxo de gases de escape retorne ao cilindro.

Naturalmente para um motor destinado a aplicações militares, que além de não serem sujeitas à mesma regulamentação de emissões aplicável a veículos e equipamentos de uso civil também são submetidos a condições operacionais extremas nas quais o risco de ruptura da correia de acessórios que acione um blower representaria a diferença entre a vida e a morte, é preferível que o blower tenha um acionamento por engrenagens mesmo que a sincronização com a rotação do motor permaneça invariável. Portanto, é perfeitamente compreensível que o motor Cummins ACE (Advanced Combat Engine) co-projetado pela Achates Power abra mão do acionamento do blower por correia que tem sido usado em alguns protótipos de motores destinados a aplicações civis como os que foram testados em pick-ups Ford F-150 e caminhões de grande porte. Não se pode ignorar que alguns operadores de veículos comerciais ainda poderiam preferir um blower com o acionamento somente por engrenagens, mesmo que tal característica se refletisse numa complexidade maior para o sistema de controle de emissões como eventualmente incorporar um sistema EGR externo ou o uso de um volume maior de AdBlue/ARLA-32/ARNOx-32/DEF em proporção ao combustível se fosse o caso de se recorrer ao sistema SCR de pós-tratamento dos gases de escape para redução dos óxidos de nitrogênio (NOx), tendo em vista que aos olhos de alguns gestores de frota trocar uma correia de vez em quando não valha a diminuição de um acúmulo de sedimentos carbonizados no coletor de admissão através de um EGR externo ou os custos de AdBlue a ser usado entre as paradas para manutenção do motor.

Mas voltando a mencionar o motor Cummins ACE especificamente, a configuração com 4 cilindros em linha dispostos horizontalmente e a cilindrada de 14.3L causa alguma surpresa diante de uma aposta da Achates Power na configuração de 3 cilindros como sendo a que proporcionaria uma maior eficiência, e com 1000hp soa competitivo diante do motor 4-tempos Cummins VTA 903-T660 de 10.8L com 8 cilindros em V ao qual visa substituir tanto na próxima geração de tanques quanto no repotenciamento de unidades já em operação. E em que pese o ACE ter 2 virabrequins, estes ao serem acoplados por engrenagens junto a um eixo central para transmitirem força a um único volante de motor proporcionam um acoplamento mais parecido com o que se observa em motores com uma concepção mais tradicional e já consolidados junto aos operadores, não só o VTA 903 mas também o Continental AVDS 1790 que na configuração de 12 cilindros em V e com 29.3L tem mais do dobro da cilindrada do ACE, de modo que uma maior eficiência geral mantendo um desempenho compatível se reflita numa maior autonomia operacional de um tanque de guerra ou outro veículo de combate ou mesmo logística que venha a ser equipado com o Cummins ACE. Talvez o fato do já conhecido AVDS contar com a simplicidade da refrigeração a ar ainda possa parecer tentador, mas não dá para negar que o peso e volume reduzidos e a "assinatura térmica" menos intensa visando dificultar a detecção por radares inimigos favorecem o ACE mesmo com a refrigeração líquida.

Por mais que a tradição da Cummins no desenvolvimento de motores Diesel 4-tempos a princípio não vá perder espaço de curto a médio prazo, nem mesmo diante de recentes desenvolvimentos no âmbito da propulsão elétrica para veículos comerciais, de fato chama a atenção que tenha levado adiante essa cooperação técnica com a Achates Power para o desenvolvimento de um motor 2-tempos, além do mais com pistões opostos que nos Estados Unidos se via mais em motores Fairbanks-Morse gigantescos que eram mais comuns na geração de energia elétrica, propulsão naval e outras aplicações extremamente pesadas. Talvez mesmo diante do cerco ao Diesel em nome de um falso ambientalismo possa receber um contundente contraponto à medida que o processo de combustão mais limpo e eficiente passível de ser alcançado na configuração de pistões opostos venha a se refletir em aplicações civis, até porque nos Estados Unidos a cultura de valorização dos militares e um maior apreço pela experiência em situações de combate no desenvolvimento de alguns produtos fomentam o interesse do público generalista como foi o caso do Jeep que até hoje permanece como um ícone cultural. Enfim, mesmo que ainda seja cedo para considerar que uma exposição proporcionada através do uso por parte de uma das maiores forças militares seja suficiente para que motores Diesel 2-tempos de pistões opostos voltem a conquistar um público mais amplo, não é possível negar que o Cummins ACE é um importante passo nesse sentido.

2 comentários:

  1. Sou um entusisasta de motores, e fiquei surpreso em ver essa tecnologia. Da para perceber que esse motor ciclo 2 tempos consegue desenvolver mais torque e potencia por litro, e não fica sujeito a queima da junta do cabeçote que é um ponto de fragilidade de outros motores, resta saber se vai evoluir e ser aceito no mercado.

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    1. A princípio, o uso em veículos e equipamentos militares possa já favorecer esse tipo de motor aos olhos de uma grande parte do público generalista, apesar de terem sido feitos testes com sucesso em alguns caminhões a serviço do Walmart. E como o público americano tende a ser muito conservador no tocante a veículos utilitários, é essencial que um "launch customer" com grande demanda por motores e com uma certa visibilidade faça as honras.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html