segunda-feira, 23 de maio de 2016

Etanol celulósico: convém observar as lições da Suécia

Em meio a críticas quanto à competição com a produção de gêneros alimentícios como consequência de um aumento na demanda por terra agricultável para o cultivo de vegetais energéticos, a indústria do etanol sofre pressões para se reinventar e deixar para trás a dependência pela cana-de-açúcar no Brasil, o milho nos Estados Unidos, e a beterraba e o trigo na maior parte da Europa. Nesse contexto, o etanol celulósico, também apresentado como "etanol de 2ª geração", se destaca pela possibilidade de explorar matérias-primas mais variadas e que podem ser obtidas a custos mais baixos tanto num cultivo dedicado quanto reaproveitando resíduos agroindustriais e agregando valor aos mesmos.

Por mais que seja tratado como uma inovação mais recente, o etanol celulósico já era produzido próximo às florestas do norte da Suécia em 1909, com o aproveitamento de resíduos florestais provenientes do beneficiamento da polpa de madeira destinada à fabricação de papéis e servia principalmente como solvente em diversas aplicações industriais. Ainda hoje é um dos grandes destaques da indústria química sueca, servindo como substrato para a elaboração de diversos outros compostos como acetaldeídos e etil-acetato. O uso como combustível veicular é mais recente, e tem como principal função diminuir a dependência sueca pelo etanol convencional importado principalmente do Brasil e já usado em larga escala em ônibus e caminhões no transporte coletivo de passageiros e outros serviços essenciais em cidades como Estocolmo e Gotemburgo.

Pode parecer inusitado que na Suécia o etanol tenha despontado como uma alternativa mais eficaz para os veículos pesados, enquanto o regime militar brasileiro dava mais ênfase ao uso como substituto da gasolina, mas o rumo tomado pelos suecos era perfeitamente justificável tanto por aspectos de uma cultura de preservação e racionalização de recursos estratégicos enraizada em meio a tantas guerras que assolaram o continente europeu quanto pela prevalência da injeção direta nos motores Diesel pesados ao passo que a injeção indireta ainda predominava em veículos leves. Hoje com o predomínio da injeção direta para mais diversas aplicações dos motores do ciclo Diesel, inclusive em automóveis nos mercados onde é permitida, faz mais sentido aproveitar a maior eficiência térmica em comparação à ignição por faísca. Mesmo com um poder calorífico menor, por volta de 30% inferior ao da gasolina e cerca de 50% quando comparado ao óleo diesel convencional, refletindo no consumo do combustível em volume, o etanol pode apresentar rendimento até 40% superior num motor do ciclo Diesel quando posto à prova contra a gasolina aplicada a um motor do ciclo Otto.

A bem da verdade, diante da baixa remuneração proposta para a co-geração de energia elétrica através do bagaço de cana, esse resíduo é um dos que podem ser redirecionados para a produção de etanol e aumentar em até 50% o rendimento em litros por hectare, e também é uma boa alternativa para contornar o risco de desabastecimento de etanol quando a remuneração pelo açúcar em mercados de exportação fica mais atrativa aos usineiros a exemplo do que ocorreu durante a safra 1989-1990 e que levou o Brasil a importar até metanol americano para atender à frota então majoritariamente composta por modelos movidos a etanol. Também não se pode esquecer que, mesmo focando exclusivamente na agroenergia em detrimento do açúcar, o impacto na disponibilidade da garapa para uso como matéria-prima do "diesel de cana" torna-se menor quando resíduos celulósicos passam a ser levados a sério como matéria-prima para o etanol. Restrições cada vez mais rígidas à queimada como forma de "limpar" o canavial antes da colheita, procedimento que além das emissões de dióxido de carbono (CO² - "gás carbônico") ainda gera uma quantidade absurda de material particulado fino e degrada o solo, fazem com que a palha da cana também seja mais aproveitável como fonte de celulose para o etanol de 2ª geração junto com o bagaço.

Seguindo o exemplo da Suécia, mesmo estados que não se destacam tão significativamente pela produção canavieira como o Rio Grande do Sul e o Espírito Santo poderiam ser beneficiados com o etanol celulósico. A presença de grandes indústrias de celulose em Guaíba-RS (CMPC Celulose Riograndense) e Aracruz-ES (Fibria, antiga Aracruz Celulose) já soa como um pretexto razoável para a exploração de resíduos do beneficiamento da polpa de madeira como uma fonte de energia de baixo custo e alta eficácia na neutralização das emissões de gases-estufa, mesmo que ficasse restrita ao uso em veículos e maquinário dedicados às operações agroflorestal e logística diretamente vinculadas ao core-business. Além de reduzir a demanda por óleo diesel e por conseguinte o impacto de oscilações no preço desse combustível, o decréscimo nas emissões torna-se um valioso ativo para a negociação dos chamados "créditos de carbono".

Chega a ser um tanto quanto vexatório que o Brasil tenha permanecido refém da manipulação dos preços dos combustíveis para fins eleitoreiros sob as garras do PT por tanto tempo e hoje figure como um mero exportador de commodities agroenergéticas enquanto países com condições ambientais mais severas como a Suécia saiam na frente com o domínio de tecnologias para um aproveitamento mais eficaz desses recursos. O protagonismo mundial do ProÁlcool na substituição de combustíveis fósseis tornou-se sombra de um passado glorioso, mas a Suécia apresenta valiosas lições que podem levar o Brasil a destacar-se novamente no desenvolvimento de soluções para biocombustíveis através do etanol celulósico.

3 comentários:

  1. Já que o metanol e o etanol podem ser produzidos com os mesmos materiais, mudando apenas o tempo da fermentação, já se pode aproveitar os resíduos da madeira para fabricar metanol que é usado em tratamentos químicos na indústria moveleira. E sobra mais cana para fazer mé.

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  2. E2G é legal na teoria mas ia comprar uma briga enorme com os usineiros.

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  3. Se as fábricas de celulose puderem vender esse álcool para fora e ajudar a manter o preço estável ao longo do ano, eu até voltaria a usar no meu carro.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

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