Um lugar para os malucos por motores do ciclo Diesel compartilharem experiências. A favor da liberação do Diesel em veículos leves no mercado brasileiro, e de uma oferta mais ampla de biocombustíveis no varejo.
domingo, 1 de maio de 2016
Reflexão: até que ponto os combustíveis gasosos podem ser úteis à pauta da liberação do Diesel em veículos leves?
Uma das aplicações comerciais em que o gás natural alcançou maior visibilidade como resposta às limitações ao uso do óleo diesel de acordo com capacidade de carga, passageiros e tração foi, naturalmente, nos táxis. A popularidade do Fiat Grand Siena Tetrafuel entre os taxistas, por ser hoje o único automóvel já equipado de fábrica para rodar com GNV disponível no mercado brasileiro, é um retrato fiel dessa realidade. Considerando que a operação de um táxi é predominantemente urbana, torna-se mais fácil definir quais os combustíveis mais favorável de acordo com a disponibilidade local, e é justamente em aplicações regionais e rodoviárias de curta distância que o gás natural ainda se mostra suficientemente competitivo, ao passo que uma operação que se estenda muito além da base operacional à qual o veículo esteja designado já impõe um desafio logístico mais intenso para assegurar o fornecimento do combustível.
Com o gás natural, em que pese a complexidade do sistema usado para adaptar um veículo a funcionar com esse combustível, ainda é capaz de proporcionar algum benefício até mesmo ao processo de combustão e à durabilidade de dispositivos de controle de emissões. Uma dose modesta de GNV junto ao fluxo de ar da admissão já pode servir para absorver calor, tal como faz a injeção suplementar de água com metanol (ou etanol) popular em aplicações de alto desempenho no exterior e, como todo gás tende a se expandir ao ser aquecido, diminui a carga de gases de escape a serem recirculados pelo EGR que seria necessária para diminuir a concentração de oxigênio nas câmaras de combustão. Porém, ao contrário do que ocorre com o EGR, como o gás natural ainda é aproveitável como combustível nesse caso o volume de óleo diesel convencional (ou algum substitutivo como o biodiesel, etanol ou óleos vegetais) a ser injetado pode ser menor sem prejuízos à proporção estequiométrica. A propagação das chamas pelas câmaras de combustão também é favorecida, e assim a formação de resíduos como o material particulado (fuligem em suspensão na fumaça preta visível) também apresenta um decréscimo que se reflete numa menor saturação do filtro de partículas (DPF) e portanto uma menor frequência de ciclos de regeneração passa a ser observada. A integração do gás natural ao processo de combustão faz ainda mais sentido quando lembramos que uma parte considerável de toda a uréia utilizada na elaboração do fluido-padrão ARLA-32/AdBlue/ARNOx-32/DEF aplicável a veículos equipados com o sistema SCR é sintetizada a partir de gás natural, num processo que não apenas é dispendioso mas cujo produto final não traz nenhuma melhoria efetiva ao desempenho do motor.
Apesar de não ter a distribuição tão capilarizada pelos mais longínquos rincões do país como se observa nos combustíveis mais tradicionais, a disponibilidade do gás natural nas capitais e em outros centros regionais já é expressiva, e a possibilidade do suprimento ser efetuado através de gasodutos ainda incorpora a vantagem de depender menos do transporte por caminhões-tanque, e assim o impacto sobre as condições de tráfego torna-se menor em comparação aos combustíveis líquidos como o próprio óleo diesel convencional. Além da praticidade, tal operação de transporte ainda acarreta numa menor emissão de poluentes, fator particularmente relevante quando a "sustentabilidade" anda tão em voga e figura entre os argumentos mais explorados por publicitários na atualidade.
Por não passar pelo processo de refino, necessário ao petróleo mas que acarreta um intenso consumo de energia, o gás natural pode ter cotações mais estáveis no mercado de combustíveis. Portanto, mesmo sendo uma prática lesiva à livre concorrência ao desestimular a pesquisa e desenvolvimento de combustíveis alternativos renováveis, e de certa forma já levada a cabo através do monopólio de exploração do gás natural pela Petrobras e da distribuição pelos estados, eventuais subsídios ou controles governamentais dos preços desse combustível ainda são menos insustentáveis em comparação à manutenção artificial dos preços da gasolina e do óleo diesel durante o período eleitoral de 2014 para dissimular os índices de inflação de modo a beneficiar a Dilma na disputa pela reeleição presidencial, prática que contribuiu para uma deterioração mais intensa do valor de mercado da Petrobras.
Tendo como principal componente o metano (CH4), o gás natural de origem fóssil também pode ser substituído com relativa facilidade pelo biogás a ser recuperado de aterros sanitários ou estações de tratamento de esgoto, de forma que seria uma alternativa perfeitamente adequada e de fácil integração às condições operacionais de veículos destinados à coleta de lixo ou à manutenção de instalações hidrossanitárias, bem como promover a expansão da oferta pelo interior ao integrar também o processamento de resíduos agropecuários/agroindustriais mediante o uso de biodigestores. Nessas condições, o custo do combustível alternativo seria próximo do zero mesmo considerando os processos de filtragem e purificação ao qual fosse submetido, tomando por referência não só a economia com relação ao menor uso do óleo diesel convencional mas também o aproveitamento de uma fonte de energia que hoje é simplesmente descartada.
Para tentar abrir os olhos daqueles que criticam o Diesel devido à ação dos óxidos de nitrogênio (NOx) como gás-estufa com uma meia-vida mais longa que a do dióxido de carbono (CO²), é importante frisar que o mesmo ocorre com o metano lançado a esmo na atmosfera em tantos lixões clandestinos e fossas sépticas espalhados pelo país, e portanto a integração do biogás/biometano na matriz energética do transporte ainda seria mais efetiva que discursos ensaiados à exaustão por supostos "ambientalistas" para tentar justificar o injustificável que são as restrições ao uso do Diesel em veículos leves.
Cabe também uma observação sobre o gás liquefeito de petróleo (GLP - "gás de cozinha"), que já chegou a ter o uso autorizado em aplicações veiculares até a eclosão dos choques do petróleo durante os anos 70, quando o Diesel consolidou-se como o principal combustível para o transporte pesado e o gás passou a ser subsidiado para minimizar o impacto sobre os orçamentos familiares devido ao amplo uso como combustível doméstico principalmente para fins culinários, tendo permitido o uso veicular apenas em ambientes industriais e comerciais confinados onde as emissões de material particulado inerentes aos motores Diesel da época seriam indesejáveis em função da circulação e renovação de ar limitadas. Convém salientar que em muitos países o GLP chega a ser mais popular que o GNV em aplicações veiculares, como é o caso da Austrália, enquanto o gás natural já passa a ocupar algum espaço como combustível doméstico.
Muitos condomínios de Porto Alegre, por exemplo, já aboliram o uso do GLP e o substituíram pelo gás natural. No entanto, da mesma forma que não se pode criar um boi só de picanha, o refino do petróleo (ou mesmo de óleos vegetais e gorduras animais visando a produção de biocombustíveis de alta tecnologia) vai sempre render frações distintas, ainda que a proporção entre as mesmas possa variar de acordo com a qualidade do petróleo bruto e do perfil de refino. Portanto, o GLP ainda pode tornar-se outro valioso aliado para reduzir a dependência do transporte comercial pelo óleo diesel convencional e, no caso de uma liberação do Diesel para veículos leves, minimizar temores quanto a uma crise de desabastecimento semelhante à que ocorreu com o etanol no Brasil durante a safra '89-'90.
Tanto por motivos relevantes como a garantia do suprimento de combustível para caminhões e ônibus quanto por outras motivações que se revelam cada vez menos relevantes, ainda há e vai continuar havendo alguma resistência à liberação do Diesel para veículos leves, com eventuais tentativas de evidenciar os combustíveis gasosos como um contraponto, ainda que na prática possam ser não apenas uma opção meramente antagônica ao óleo diesel mas um potencial complemento visando assegurar a segurança energética e a liberdade de escolha.
14 comentários:
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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.
It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.
Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html
Mas vale a pena usar o gás misturado com diesel? Não faria mais sentido usar só o gás?
ResponderExcluirPara operações regionais de curta distância e rotas regulares onde o suprimento de GNV seja mais constante, até pode fazer mais sentido usar apenas o gás.
ExcluirNa minha cidade ainda não tem gás natural.
ResponderExcluirCá em Portugal nunca vi automóveis a usar gás metano, entretanto o GPL é popular.
ResponderExcluirMiglioramento della combustione diesel con il GPL è valida ed efficace per ridurre le emissioni, ma è ancora più considerato come un sostituto per il diesel.
ResponderExcluirEl gas natural ha me ilusionado por un rato, pero no es tan maravilloso como lo dicen en las propagandas de PDVSA. Y estoy de acuerdo contigo que es más justo que lo subsidien al gas natural que a la gasolina y el diesel-oil. A los bolivianos es ventaja el gas, además que mismo con la mezcla de etil-mercaptano lleva menos azúfre que el diesel-oil andino.
ResponderExcluirNa verdade eu não sou tão favorável a subsídios, principalmente para combustíveis fósseis. Só os considero justificáveis quando aplicados aos combustíveis renováveis até que a escala de produção os torne competitivos frente ao gás natural e os derivados do petróleo.
ExcluirSe vê muito carro a gás de cozinha ainda no interior da Bahia, nem tem fiscalização.
ResponderExcluirAté que não parece tanta loucura misturar gás e diesel. Pelo menos na Tailândia a Chevrolet chegou a fazer umas picapes com esse sistema.
ResponderExcluirEntão se melhorar o abastecimento de gás nos postos de beira de estrada e nas cidades do interior bem que podiam deixar o diesel só para barco e trator. Não precisa me dar pedradas, só estou dando minha opinião.
ResponderExcluirEstá bem, sem "pedradas". Mas os combustíveis gasosos ainda tem alguns inconvenientes que seriam percebidos com mais intensidade em algumas aplicações veiculares, então o Diesel não deve sair de cena tão cedo.
ExcluirTer que desembarcar a família toda no posto enquanto abastece o carro a gás e aturar a sogra reclamando já é uma chatice, agora imagina fazer isso com os passageiros dum ônibus durante uma viagem noturna onde muitos aproveitam para ir dormindo.
ExcluirE a melhor parte de uma viagem de ônibus durante a noite ou a madrugada é justamente dormir, já que não dá para apreciar a maioria das paisagens.
ExcluirEu acredito que a liberdade para usar o gás natural como combustível não deve servir de plano de fundo para manter as barreiras contra os motores a diesel. Teve uma época que se falava bastante em biodiesel mas não deu em muita coisa, e em São Paulo tem o lobby do etanol que é forte mas mesmo assim não aproveitam tanto para incentivar o uso de etanol em motores a diesel.
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