domingo, 15 de maio de 2016

Rebatendo artigo publicado por Marcelo Leite na Folha de São Paulo

Um artigo publicado hoje, 15 de maio de 2016, no site do jornal Folha de São Paulo, um dos mais importantes do Brasil, chamou minha atenção pelo teor crítico a propostas de uma liberação do Diesel para veículos leves e por eventuais conotações políticas devido ao título "Temer movido a diesel". Escrito por Marcelo Leite, traz alguns erros e inconsistências e uma abordagem um tanto pobre quanto a eventuais problemas que estariam associados mais à qualidade do combustível comercializado no país que ao ciclo termodinâmico adotado pelos motores de ignição por compressão.

O articulista começa mencionando a sensação bastante comum de que o país "acelera em marcha à ré", e tenta estabelecer um paralelo com o Projeto de Lei 1013/2011, que segundo ele seria uma oportunidade para o brasileiro "empestear o ar" enquanto anda para trás. Alega que o Brasil está indo na contra-mão do mundo ao cogitar a liberação num momento em que até a União Européia já começa a esboçar restrições ao que Marcelo Leite trata por "óleo fóssil", no caso o óleo diesel convencional. Alega que, como a gasolina "mas não o etanol", o óleo diesel seria o maior responsável pelas emissões de material particulado e óxidos de nitrogênio. Até certo ponto não dá para tirar totalmente a razão dele, visto que o óleo diesel convencional não é exatamente um combustível "limpo" mesmo com a redução nos teores de enxofre mas, diante da predileção demonstrada pelo etanol, cabe salientar a maior adaptabilidade do ciclo Diesel a combustíveis alternativos de origem renovável. Desde o biodiesel e o uso direto de óleos vegetais, até mesmo o etanol pode ser aplicado a motores Diesel, e em alguns casos o gás natural e/ou o biometano podem ser associados ao combustível líquido que esteja em uso.

Enfatiza ainda que alguns "jipões e camionetes" (sic) conseguem burlar a restrição baseada em capacidades de carga, passageiros ou tração e poderem usar livremente o óleo diesel convencional, atribuindo tal fato à capacidade de carregar "mais de mil quilos" em "carcaças luxuosas", o que se revela equivocado quando consideramos que nem toda caminhonete com motor Diesel é de fato repleta de acessórios de luxo e que a maioria dos sport-utilities comercializados no mercado brasileiro tem capacidade de carga inferior a 1000kg e são credenciados ao uso do óleo diesel convencional valendo-se da tração nas 4 rodas com caixa de transferência de dupla velocidade - a popular "reduzida" - ou algum recurso análogo. Pois então, ao invés de empurrar um milionário para desfilar num sport-utility ou levar um pequeno comerciante a adquirir um utilitário maior que no fim das contas acabaria subaproveitado apenas para que pudessem garantir o "privilégio" do Diesel, seria muito mais lógico que pudessem optar por veículos com plataformas mais leves e eficientes.

Citando Rodrigo Lima, do jornal Valor Econômico, Marcelo Leite alega que por volta de 3% das mortes por doenças cardiovasculares, 5% dos cânceres de pulmão e 3% das mortes de crianças até 5 anos seriam diretamente vinculadas às partículas finas emitidas pelo diesel (sic). De fato, a emissão de material particulado é um calcanhar-de-Aquiles para o ciclo Diesel, mas pode ser minimizado com o uso de substitutivos e/ou complementos ao óleo diesel convencional que promovam uma maior intensidade de propagação de chama nas câmaras de combustão e por conseguinte uma queima mais completa. Nesse contexto, até o etanol defendido pelo jornalista seria um potencial aliado, visto que pode ser aplicado tanto como complemento ao óleo diesel convencional, biodiesel e/ou óleos vegetais brutos quanto como substitutivo.

Puro ou combinado com água desmineralizada, o etanol pode ser injetado no coletor de admissão e servir como uma espécie de "intercooler químico" ao absorver calor latente e aumentar a densidade da massa de ar admitida, o que acaba por elevar a concentração de oxigênio e a compressão dinâmica sem acarretar num aumento de temperatura do processo de combustão, além da cadeia carbônica mais curta favorecer a propagação da chama gerada pela ignição por compressão do óleo diesel e outros combustíveis mais pesados e com cadeias mais longas de carbono. Também é uma forma viável para diminuir a formação dos óxidos de nitrogênio, mais associada às temperaturas elevadas inerentes à elevada compressão e à injeção do combustível ainda em fase líquida sem promover a vaporização junto ao fluxo de ar de admissão, ao mesmo tempo que preserva a durabilidade de sistemas como o EGR que recorre à recirculação de gases inertes pós-combustão para reduzir a formação de óxidos de nitrogênio e do filtro de materiais particulados (DPF) que passa a sofrer uma saturação menor em decorrência do processo de combustão mais completo e com menos geração de fuligem.

Ainda no tocante aos materiais particulados e óxidos de nitrogênio, é importante destacar o uso cada vez mais freqüente da injeção direta nas novas gerações de motores de ignição por faísca, apontado como uma faca de dois gumes justamente por incrementar a emissão desses poluentes, ainda que numa menor proporção em comparação ao Diesel e portanto com a possibilidade de recorrer a sistemas de pós-tratamento de emissões mais simples e baratos para que se mantenham enquadrados nas normas de emissões em vigor. Não seria justificável, portanto, apontar o Diesel como único algoz da qualidade do ar.

Os efeitos do escândalo conhecido por "Dieselgate", protagonizado pela Volkswagen, também foram enfatizados por Marcelo Leite, apontando que outros fabricantes também apresentaram discrepâncias significativas entre as emissões em condições reais de uso e durante os testes de homologação. No entanto, é de uma profunda mediocridade partir de um princípio tão simplório e apresentar a má-fé deliberada da Volkswagen como se fosse um pretexto válido para penalizar de antemão e coletivamente todos os outros fabricantes eventualmente dispostos a comercializar automóveis com motor Diesel no mercado brasileiro.

Profissionais da imprensa deveriam tomar mais cuidado e evitar o uso de argumentos questionáveis para tentar justificar um viés anti-Diesel que acaba por perpetuar estereótipos negativos mais associados a motores da década de '70. A tecnologia evoluiu muito nesse meio-tempo no qual o consumidor brasileiro se viu forçado a ficar afastado das melhorias que chegaram ao segmento dos veículos leves com motor Diesel, e portanto o verdadeiro retrocesso é insistir em manter as restrições hoje em vigor.

Um comentário:

  1. Tinha era que pegar esses repórteres que não gostam de caminhão e colocar para puxar carroça com alguma carga pesada em cima. Já podiam aproveitar a greve dos caminhoneiros.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html