quarta-feira, 25 de maio de 2016

Pistões opostos: uma configuração consagrada em aplicações aeronáuticas, marítimas e ferroviárias ressurge em meio a normas de emissões mais rígidas e metas de redução do consumo de combustíveis

Motores Diesel 2-tempos com pistões opostos já tiveram seus dias de glória nas aplicações mais exigentes, até mesmo na aviação antes que os motores a reação (mais notadamente os pulso-jatos e as turbinas a gás) passassem a ser privilegiados tanto para aplicações militares quanto civis. Um dos exemplos mais conhecidos é o motor Junkers Jumo 204 alemão, com os cilindros em disposição vertical e 2 virabrequins, valendo-se de um conjunto de engrenagens para manter não apenas o sincronismo entre ambos os virabrequins mas também dispensar a necessidade de uma caixa de redução entre o motor e a hélice.

Outra configuração amplamente usada foi a disposição horizontal dos cilindros, como no motor Rootes TS3, também conhecido como Rootes-Lister TS3 em versões estacionárias/industriais e marítimas ou Commer TS3 quando aplicado aos caminhões e ônibus Commer. O famoso "Commer knocker" de 3 cilindros horizontais em linha dispunha de um único virabrequim, centralizado como nos motores "boxer" de cilindros opostos, valendo-se de balancins para transferir o ângulo do curso dos pistões em 180° em direção aos centros dos cilindros, que eram compartilhados por pares de pistões. A altura total do conjunto ficava maior que num motor "boxer", mas ainda menor em comparação a um motor de configuração mais tradicional e cilindros verticais, e portanto o TS3 se mostrava perfeitamente adequado à primeira geração de caminhões com cabine avançada que o Rootes Group se preparava para apresentar através da Commer. Por mais que o uso de um balancim e um par de bielas (uma do virabrequim ao balancim e outra do balancim ao pistão) para cada pistão acabasse por aumentar a quantidade total de peças móveis em comparação a um motor de 2 virabrequins, ainda era consideravelmente menor que num motor de configuração mais convencional com válvulas no cabeçote.

A ausência de cabeçotes propriamente ditos evidencia outras vantagens para um motor de pistões opostos, desde a eliminação das juntas de cabeçote que são sujeitas a altas pressões até a menor superfície para dissipação de energia liberada na forma de calor pelo processo de combustão, de tal forma que uma quantidade menor de combustível possa ser usada sem sacrificar o desempenho. A maior proporção do curso total do par de pistões em relação ao diâmetro também se reflete positivamente na eficiência geral, enquanto o controle mais preciso da abertura e fechamento das janelas de admissão e escape também promove um controle mais preciso do processo de combustão sem ter de recorrer a válvulas e o complexo mecanismo de acionamento inerente às mesmas. Em média, um motor Diesel 2-tempos de pistões opostos alcança uma eficiência térmica 30% superior à de um 4-tempos tradicional numa faixa de potência e torque comparável.

Já é notório que um dos principais motivos para que os motores Diesel 2-tempos fossem relegados à obsolescência nas aplicações rodoviárias foi a questão da emissão de material particulado, agravada em parte pelo consumo de óleo lubrificante que acabava por escapar através das janelas de admissão nas camisas de cilindro e a não-observância por parte de alguns operadores da recomendação de se usar apenas óleo com baixo teor de cinzas num motor Diesel 2-tempos. Hoje, porém, alguns avanços já aplicados aos motores Diesel 4-tempos de gerações mais recentes como o filtro de material particulado (DPF) e sistemas de injeção de alta pressão são mais eficazes no controle dessas emissões, ao passo que a maioria dos lubrificantes recomendados para motores modernos também apresentam baixo teor de cinzas justamente para preservar a longevidade do DPF.

Outro motivo para o abandono dos motores Diesel 2-tempos, mas que não teve a mesma repercussão da questão do material particulado, era a temperatura menor dos gases de escape em comparação a um 4-tempos, que por sua vez diminuía a eficiência dos conversores catalíticos (catalisadores) mais primitivos que se mostravam mais eficientes a temperaturas mais elevadas. A necessidade de um compressor mecânico para gerar a pressão de admissão, podendo ser tanto um compressor a pistão como usado em alguns motores alemães quanto um compressor centrífugo do tipo Roots (vulgo "blower") mais usado nos motores britânicos, americanos e japoneses, acabava por facilitar a fuga de uma parte do ar fresco pressurizado durante a admissão e acabava por diluir o calor contido nos gases de escape que eram "lavados" para fora dos cilindros. O que antes era percebido como uma desvantagem, no entanto, passa a ser visto mais favoravelmente diante da maior pressão para que se reduzam as emissões de óxidos de nitrogênio (NOx), gases-estufa com uma meia-vida mais longa que a do dióxido de carbono (CO²) e cuja formação é diretamente proporcional ao aumento de temperatura dos processos de combustão.

Além das vantagens inerentes ao processo de combustão e à redução de peso em comparação a motores com outras configurações, a adoção de motores Diesel 2-tempos com pistões opostos traz outros benefícios para a eficiência geral dos veículos aos quais venham a ser aplicados. A menor dissipação de calor também viabiliza o uso de um sistema de refrigeração mais compacto, que por sua vez pode refletir na aerodinâmica mediante uso de tomadas de ventilação menores e que geram menos arrasto bem como proporcionar mais liberdade para que o desenho da carroceria incorpore linhas mais fluidas, o que contribui para uma maior eficiência no tráfego rodoviário com médias de velocidade mais elevadas. Indo um pouco mais longe, tais fatores somados podem servir também para minimizar o impacto que uma eventual ampliação do uso de biocombustíveis como o etanol, biodiesel e óleos vegetais naturais venham a ter sobre a expansão das fronteiras agrícolas e os custos dos alimentos.

Ao menos uma startup, a americana Achates Power, tem apostado num conceito de motor Diesel 2-tempos com pistões opostos prático o suficiente para ser incorporado a veículos de produção em série num futuro próximo. Já foi desenvolvido ao menos um motor economicamente viável, de 3 cilindros verticais com cilindrada de 4.9L capaz de proporcionar um desempenho semelhante ao de motores de 5 a 6 cilindros na faixa de cilindrada entre 9 e 10 litros atualmente usados em muitos caminhões e ônibus mundo afora. Pode parecer uma previsão muito otimista, mas a empresa já planeja que em 2017 o motor Achates esteja no mercado, e a recente parceria com a tradicional fabricante de motores estacionários/industriais e marítimos pesados Fairbanks Morse leva a crer que a iniciativa seja plausível. Cabe lembrar que a Fairbanks Morse já produz desde 1938 uma série de motores Diesel-2-tempos de pistões opostos famosa por ter equipados desde embarcações militares até grupos geradores industriais e ainda ser usado como backup na atual geração de submarinos nucleares, mais especificamente o motor Fairbanks Morse Model 38 8-1/8 cujo projeto básico se mantém praticamente inalterado desde o início.

Enfim, por mais que escândalos como o Dieselgate tenham acirrado alguns ânimos e fomentado velhas desconfianças no tocante a estratégias de controle de emissões, um olhar lançado a algo que parecia relegado ao passado mostra que o Diesel está mais longe do ostracismo do que tentam fazer parecer alguns "ecologistas-melancia" e outros tantos covardes de plantão que preferem entregar de bandeja para a máfia petroleira árabe-socialista o controle sobre a segurança energética a nível mundial.

7 comentários:

  1. Já vi um motor desse tipo em operação num caminhão Commer de um colecionador neozelandês. É impressionante como na Oceania esse motor TS3 ainda tem adoradores.

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    1. Mas é até justificável essa "adoração" pelo TS3. Mesmo com a tecnologia modesta que havia na década de 50, ainda se destaca pela eficiência e pelas emissões relativamente baixas apesar do problema dos particulados e hidrocarbonetos que ainda pode ser resolvido.

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  2. Se a turma já implicava com os Detroit Diesel só por ser 2T, esses motores de pistão oposto provavelmente fossem acabar micando por aqui.

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    1. É possível que enfrentassem uma maior oposição no segmento rodoviário, mas para aplicações náuticas e estacionárias/industriais a rejeição ainda seria menor.

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  3. Ainda tem alguns barcos de pesca argentinos com esse motor. Nem mesmo a Guerra das Malvinas fez trocarem por motor de Mercedes-Benz.

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  4. Serve para lancha de passeio ou é melhor deixar só para barco de trabalho?

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

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