domingo, 22 de setembro de 2019

Justificar que o uso de motores Diesel seja estendido a carros tomando hatches compactos como exemplo?

O mercado automobilístico brasileiro é repleto de distorções um tanto difíceis de explicar, e uma que merece atenção é a definição sobre o que seria um carro "popular" tomando por base tão somente um aspecto que às vezes se revela incoerente. O limite de cilindrada fixado em até 1.0L pleiteado pela Fiat em '90, viabilizando lançar no mercado local o Uno Mille que já era exportado para a Itália onde era comercializado como Innocenti Mille, é uma dessas situações que pareciam bem fundamentadas num primeiro momento mas já se revelavam contraditórias em outros aspectos. Não é novidade que as curvas de potência e torque podem ser tão decisivas quanto ou até mais relevantes que a cilindrada para se determinar a adequação de um motor a uma aplicação específica, assim como um motor com cilindrada superior eventualmente possa dispensar características técnicas mais complexas que iriam refletir num custo de manutenção mais elevado.
Nesse sentido, considerando também que o lançamento do Fiat Uno Mille coincidiu com o momento de uma crise histórica no suprimento do etanol então mais conhecido no Brasil como "álcool etílico carburante", não deixa de ser relevante observar um aspecto em que os motores Diesel poderiam ser a opção mais adequada para conciliar facilidade de manutenção e redução de custos operacionais com a proposta de um fortalecimento da segurança energética que foi o estopim do ProÁlcool. Levando em consideração que o próprio motor de 1.0L antes era usado apenas para exportação, enquanto versões de 1.05L do mesmo motor já haviam sido oferecidas anteriormente no Brasil justamente porque ainda não havia sido instituída a vantagem fiscal que justificasse a ligeira redução de cilindrada, também é conveniente ressaltar o caso de um motor Diesel de 1.3L derivado da mesma linha de motores Fiasa que foi muito usado em versões de exportação a partir da década de '80, e destacado na Argentina por equipar a partir de '84 o Fiat 147 que foi o primeiro carro compacto regularmente oferecido com uma opção de motor Diesel por lá. Sendo ainda um motor de injeção indireta, característica muito comum durante o início da "dieselização" no segmento de veículos leves e permanecendo com alguma força até o final da década de '90, se mostrava particularmente adequado à implementação do uso direto de óleos vegetais como combustível alternativo, e a própria Fiat chegou a conduzir testes nesse sentido visando o uso de óleo de mamona durante a década de '80.

Considerando posteriormente o sucesso comercial que o Mille conquistaria não só junto a um público essencialmente urbano mas também em regiões rurais, justificando a criação da versão Way com uma proposta de oferecer melhor aptidão ao tráfego em condições de rodagem mais pesadas mas ainda de tração somente dianteira, mesmo que a difusão da tecnologia bicombustível tenha sido essencial para reacender um interesse do público generalista no etanol, novamente se tornaria relevante abordar essa questão da segurança energética em um contexto geral mas também no tocante à auto-suficiência em combustível para o produtor rural. Sendo oferecido em mercados de exportação não apenas regionais como Argentina e Uruguai mas até mesmo numa versão RHD (right-hand drive, com cockpit do lado direito) destinada à África do Sul, mantinha no exterior o nome Uno ao invés de Mille, devido ao fato de ter usado nesses mercados o motor de 1.3L a gasolina que chegou a ter uma versão "flex" usada no Uno Furgão destinado ao mercado brasileiro, e um motor de Diesel de 1.7L ainda de injeção indireta e aspiração natural chegando a ser oferecido para o Uno Way ao menos no Uruguai. E apesar de que o processo de fermentação alcoólica aplicado à produção de etanol ter evoluído relativamente pouco, além de ser conhecido pela humanidade há milênios e aplicado a uma grande variedade de substratos com alta concentração de carboidratos na produção de bebidas alcoólicas tanto em escala artesanal quanto industrial, a hegemonia da cana de açúcar desde o ProÁlcool acabou desencorajando o uso de outras matérias-primas que poderiam agregar maior estabilidade nos preços do etanol carburante nas entressafras da cana sem depender tanto dos "estoques reguladores" instituídos pela ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), com alguns avanços mais recentes no uso do milho para a produção de etanol no Centro-Oeste quebrando essa infeliz "tradição" canavieira que de certa forma é tão crítica para que esse combustível alternativo seja levado a sério longe das regiões de clima tropical quanto as dificuldades inerentes à partida a frio desde a época do primeiro motor só a álcool ainda com carburador até a consolidação da injeção eletrônica ter viabilizado o motor "flex". O motor Diesel, por sua vez, acabaria sendo adequado para fomentar o desenvolvimento do biodiesel e eventualmente o uso direto de óleos vegetais como combustível e beneficiar-se da ampla variedade de oleaginosas já cultivadas para fins alimentícios e para algumas especialidades da indústria química, podendo ganhar economia de escala ao compartilhar tecnologias tanto com maquinário agrícola quanto com veículos de porte maior que se enquadrem nas definições arbitrárias de "utilitário" baseadas na capacidade de carga e passageiros ou tração de modo a permitir o uso de motor Diesel no Brasil.

O fim da produção do Fiat Mille em 2013 marcada pela versão Grazie Mille, e por alegações a bem da verdade infundadas quanto a uma suposta inviabilidade técnica de cumprir com a obrigatoriedade de freios ABS e airbag duplo para os automóveis 0km produzidos no Brasil ou importados a partir de 2014 e curiosamente com a mesma norma usada para definir quais seriam os "utilitários" aptos a usar motor Diesel servindo de parâmetro para exonerar a obrigatoriedade do airbag em veículos de outras categorias, não tornou obsoleta a pauta de uma liberação do Diesel em veículos leves. Naturalmente a questão das emissões se tornou mais complicada a partir de 2012 com a implementação das normas Euro-5 no Brasil, e o custo agregado pela presença de sistemas de redução de poluentes como o filtro de material particulado (DPF), bem com o turbo e a injeção direta como gerenciamento eletrônico sendo imprescindíveis para atender a algumas condições que favoreçam o correto funcionamento dos principais dispositivos de controle de emissões usados na geração atual de motores Diesel veiculares, mas não justificam desconsiderar eventuais aplicações do biodiesel apesar de ter surgido uma série de dificuldades de ordem técnica em função de como concentrações mais elevadas de biodiesel podendo causar problemas para a vaporização durante a autolimpeza forçada do DPF (ocasionalmente tratada como "regeneração"). E para o uso direto de óleos vegetais como combustível em motores Diesel de injeção direta há a necessidade de pré-aquecimento do combustível durante todo o funcionamento do motor, de modo a inibir problemas com a polimerização da glicerina naturalmente presente nos óleos vegetais, outro aspecto que pode causar alguma controvérsia apesar de atuais gerações de automóveis "flex" com injeção multiponto sequencial nos pórticos de válvula incorporarem pré-aquecimento dos injetores como auxílio à partida a frio, eliminando o anacrônico tanquinho auxiliar de gasolina que se usava desde a época que o motor a álcool era opcional antes do "flex" se consolidar como o único que estaria disponível em modelos como os últimos Mille.

Hoje o principal modelo oferecido pela Fiat no Brasil é o Argo, que é oferecido com opções de motor de 1.0L e 3 cilindros ou 1.3L e 1.8L com 4 cilindros sempre "flex" no mercado nacional ou versões a gasolina dos motores maiores, tendo que abranger desde a faixa de entrada que já se distanciou muito da proposta dos "populares" até segmentos mais prestigiosos, indo de encontro inclusive com a moda dos SUVs crossover compactos. Tendo em vista o perfil cada vez mais urbano do público dos SUVs, incluindo das versões que se valem da tração 4X4 para credenciá-los ao uso de motores Diesel, não é de se desconsiderar que mesmo versões de pretensões aventureiras de um modelo generalista como o Fiat Argo Trekking acabam sendo inerentemente mais eficientes que um SUV "flex" de tração simples no tocante à leveza e à aerodinâmica menos desfavorecida. Até a tração simples, que não foi impedimento para o Uno Mille encarar com maestria a lida campeira, também favorece uma redução no consumo de combustível em condições de rodagem que não sejam tão extremas a ponto de chegar a exigir tração 4X4.

Um comentário:

  1. Faz muito sentido mesmo, um hatch pequeno podendo suprir necessidades de utilidade a um preço menor e ainda gastando menos combustível. Bem mais lógico para atender uma necessidade do campo sem ficar só nessa de transformar 4x4 em artigo de luxo para ostentar em estacionamento de shopping.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html