quarta-feira, 18 de março de 2020

Abandonar o Diesel em segmentos de entrada e mercados emergentes: um provável erro

O lançamento da 2ª geração do Chevrolet Onix no ano passado, inicialmente na China e na carroceria sedan que é a única oferecida por lá e recebeu no Brasil a nomenclatura Onix Plus, naturalmente pode levantar questionamentos quanto à ausência de motores Diesel entre as opções mesmo em países sem as restrições burocráticas com base nas capacidades de carga e passageiros ou tração. A proposta dum sedan compacto com bom aproveitamento de espaço, ainda muito apreciada em mercados emergentes mesmo diante de uma presença crescente dos SUVs nos mais diversos segmentos, permanece entre as favoritas de quem prioriza funcionalidades básicas de um carro "popular", mas uma aposta exclusiva na ignição por faísca acaba tornando menos viável qualquer perspectiva de recuperar participação de mercado em algumas regiões onde a General Motors preferiu encerrar operações enquanto dificulta o atendimento a alguns consumidores que não abrem mão de um motor turbodiesel mesmo numa "mula de cigano" que teria na relação custo/benefício o principal atrativo de vendas.
É impossível ignorar os problemas que ocorreram durante o início das vendas do Chevrolet Onix Plus no Brasil, mais especificamente a ocorrência de alguns incêndios que podem ser atribuídos ao uso de injeção sequencial nos pórticos de válvula com o motor Turbo ao invés da injeção direta que é usada no análogo chinês, bem como as dificuldades que tal medida já acarreta nos mercados de exportação regional devido à recomendação de usar exclusivamente gasolina Premium aplicada à Argentina onde o etanol não é encontrado nos postos. E em meio a tantas críticas quanto às mais recentes gerações de motores turbodiesel e o maior rigor que deve-se observar no tocante à qualidade tanto do óleo diesel quanto do lubrificante e outros insumos para o correto funcionamento de sistemas de pós-tratamento de gases de escape e eventuais interferências que tais dispositivos possam causar sobre a durabilidade do motor, essa circunstância revela que a aposta numa ilusória simplicidade da ignição por faísca não passa de uma meia-verdade. Apesar da defasagem entre as normas de emissões em vigor em algumas regiões com relação às já implementadas em países desenvolvidos vir se estreitando, a incorporação de tecnologias como o turbo e a injeção direta em motores de ignição por faísca também tem vindo a aproximar os custos iniciais em comparação ao Diesel que já tem passado por uma maior sofisticação nas últimas décadas, e portanto não faz tanto sentido subestimar a importância de uma liberdade de escolha para operadores com diferentes necessidades e preferências serem atendidos das formas mais satisfatórias possíveis, assim como aconteceu por muitos anos enquanto a Chevrolet sul-americana era alinhada com a Opel e modelos como o Corsa chegaram a contar com motores Isuzu em países como a Argentina e o Uruguai.
Cabe lembrar ainda o destaque que o gás natural acaba tendo na Argentina, favorecido por um menor custo inicial dos motores a gasolina de concepção mais modesta e uma maior facilidade para se fazer algumas gambiarras que podem não ter um análogo tão facilmente implementável em motores Diesel. E se por um lado não se vê na Argentina o mesmo favorecimento à faixa de cilindrada até 1.0L como no Brasil, a ponto de ter sido usado um motor de 1.4L em versões do antigo Corsa Classic por lá, por outro a maior facilidade vista na Argentina para seguir oferecendo os motores naturalmente aspirados ligeiramente acima da faixa de 1.0L mas com custo de produção ainda equiparável aos enquadrados na classe de "carro popular" no Brasil basicamente para fins tributários ainda favorece a ilusão de que motores a gasolina de um modo geral estariam menos sujeitos aos efeitos colaterais das oscilações na qualidade do combustível. Também é conveniente destacar que a insistência em equipar as versões da 2ª geração do Onix brasileiro com a injeção nos pórticos de válvula não só nos motores aspirados que vão de 1.0L a 1.2L mas abrangendo igualmente o 1.0 Turbo se deu entre outros motivos a uma maior facilidade para uma conversão a gás na comparação com a injeção direta.
Tratando do Chevrolet Onix hatch de 2ª geração, essa configuração de carroceria ainda muito popular no Brasil em função da manobrabilidade em espaços mais restritos que se costuma encontrar num uso predominantemente urbano também poderia ser vista como um empecilho para uma "dieselização" da oferta destinada aos mercados de exportação, tendo em mente que o impacto duma eventual inclusão de sistemas como o SCR acarretaria sobre a capacidade de carga seria sentido mais intensamente que num sedan devido ao espaço que seria requerido por um tanque para o fluido-padrão AdBlue/ARLA-32/ARNOx-32 usado na neutralização de óxidos de nitrogênio (NOx). Porém, o porte compacto que permitiria até a um motor de potência relativamente baixa movimentar satisfatoriamente o modelo já viabilizaria um uso do catalisador tipo LNT (Lean NOx Trap) ao invés do SCR devido a um volume menor de gases de escape que seria gerado, eliminando uma inconveniência prática que se observaria no tocante à verificação do nível de AdBlue e reposição periódica desse insumo. A menor intrusão de um LNT comparada ao SCR já seria suficientemente atrativa, mas também não deixa de ser relevante considerar uma maior proximidade com soluções atualmente aplicadas até em motores de ignição por faísca à medida que acabam incorporando maciçamente o turbo e a injeção direta, e assim ocorrendo tanto uma maior familiarização por parte das redes de assistência técnica quanto um estreitamento da diferença entre os custos de produção atualmente tidos de forma equivocada como invariavelmente desfavoráveis a um motor turbodiesel.
Ainda no tocante ao controle de emissões e mesmo com as ressalvas à necessidade do enriquecimento da mistura ar/combustível nos motores com turbo e injeção nos pórticos de válvula especialmente ao usar gasolina, de modo que em preparações feitas fora da fábrica exista uma preferência pelo etanol, é importante salientar que a massificação da injeção direta em motores a gasolina ou "flex" tem levado ao incremento tanto nas emissões de NOx causadas pela menor intensidade da refrigeração da carga de ar de admissão influenciada também pela proporção ar/combustível mais pobre e o aquecimento aerodinâmico mais intenso associado à adoção de taxas de compressão mais altas, quanto de material particulado fino causada por condições menos propícias a uma vaporização completa do combustível durante os ciclos de injeção. Portanto, questionamentos acerca do custo/benefício da injeção direta se mantém pertinentes, e ainda poderiam fortalecer a pauta da "diplomacia do etanol" que já vinha sendo enfraquecida por governos anteriores, e a nível nacional ainda seria oportuno considerar benefícios de uma diversificação das matérias-primas desse combustível alternativo de modo a favorecer cultivares que possam ser integrados às vocações agropecuárias das distintas regiões ao invés de sobrecarregar o uso de terras agricultáveis de São Paulo, Pernambuco e Alagoas com cana-de-açúcar. A utilização de sistemas de pré-aquecimento elétrico dos bicos injetores em motores "flex" de injeção sequencial nos pórticos de válvula no Brasil, já se fazendo presente também no Paraguai que é um dos poucos mercados de exportação regional onde tem ocorrido um alinhamento mais completo com a oferta dos motores de ignição por faísca de especificação brasileira em modelos exportados daqui para lá, ainda é um argumento constantemente apontado como favorável por minimizar as dificuldades para partida a frio usando exclusivamente etanol, e uma não-dependência pela injeção direta também se reflete em redução nos custos iniciais ao se poder dispensar a incorporação de dispositivos que vão do LNT até um filtro de material particulado análogo ao DPF amplamente difundido na atual gerações de motores turbodiesel veiculares.
Considerando desconfianças em torno do etanol e o comodismo que se mantém em torno da gasolina e de combustíveis gasosos apontados como eventuais substitutos tanto para a gasolina quanto para o óleo diesel, não deveria causar tanta estranheza que ainda se aposte mais alto na injeção direta a nível mundial, ainda que tal circunstância pudesse até nivelar a disputa mais a favor do Diesel se não fosse por algumas politicagens com embasamento técnico extremamente medíocre que são frequentemente vistas como o maior empecilho à persistência da opção por motores turbodiesel nos segmentos mais modestos como o que o Chevrolet Onix se enquadra. Naturalmente, alguns aspectos culturais como a imagem da propriedade de um automóvel particular como fator de ascensão social especialmente nos países terceiro-mundistas como é o caso do Brasil e a imagem do Diesel tendo se afastado dos velhos estereótipos relacionados a aplicações meramente utilitárias à medida que os SUVs ganharam espaço junto ao público generalista também acabariam favorecendo uma obsessão desmedida pela potência, e infelizmente dificultando um resgate daquela vocação para ser uma alternativa mais direcionada à economia operacional e aptidão para condições de uso mais severas tanto profissionalmente quanto em aplicações particulares. Também não se pode ignorar a excessiva interferência da chinesa SAIC Motor, com quem a GM tem a joint-venture obrigatória aos fabricantes estrangeiros para poderem operar na China, a quem certamente um desinteresse pela oferta de um turbodiesel na atual geração do SUV compacto Chevrolet Tracker favorece uma entrada independente nas regiões onde a GM se retirou como na Índia, África do Sul, Europa e mais recentemente até na Austrália e na Tailândia.
Ainda que o fato do Tracker agora não contar com a opção de tração 4X4 em nenhum mercado, e que seria um pré-requisito para se aventar a possibilidade de incluir a opção por um motor turbodiesel no Brasil, a percepção de maior valor agregado nessa categoria torna mais fácil justificar o custo inicial de tais recursos mesmo que recorra à mesma plataforma dum automóvel mais generalista. E apesar de não haver nem sequer uma previsão para essa geração vir a ser vendida nos Estados Unidos, onde o modismo dos SUVs ganhou espaço por se beneficiar das metas menos rígidas de redução de consumo de combustível e pela classificação de emissões favorecer os chamados "caminhões leves", a recente decisão da General Motors em concentrar esforços nas operações consideradas mais rentáveis como é o caso dos SUVs de um modo geral levaria a crer que ao menos uma opção turbodiesel que viesse a ser incorporada ao novo Tracker poderia atender bem até aos mercados onde foi encerrada a operação da Chevrolet, tanto emergentes quanto desenvolvidos. Enfim, por mais que uma sucessão de diversos fatores tenha algum impacto tão significativo quanto, deixar mais de lado o Diesel nos segmentos de entrada pode ser outro erro grave...

2 comentários:

  1. Se os argentinos e uruguaios pudessem adivinhar que em poucas décadas perderiam tanta opção de carro a diesel, acho que teriam feito diferente e exigido mais essa opção.

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  2. De repente seja essa loucura pela potência e achar absurdo pagar muito por um motor pequeno o que mais atrapalhe oferecer algum motor a diesel moderno nesses carros mais básicos.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html