quinta-feira, 26 de março de 2020

Adaptação de motor de moto em automóveis: justificável sob perspectivas sombrias

Encontrar algum veículo que seja legalmente apto a contar com motor Diesel e ainda suficientemente compacto para poder tanto rodar satisfatoriamente com um motor de desempenho modesto quanto ter uma boa manobrabilidade em espaços apertados normalmente encontrados em ambiente urbano é um desafio, e dentre as opções mais interessantes se destacam os jipes Suzuki da década de '90 como os Samurai e Vitara/Sidekick, para os quais inclusive já existem kits de adaptação de motor Volkswagen EA-827 "AP" que podem ser usados também com as versões Diesel dessa linha de motores e até com outros mais modernos como os atuais TDI. O fato de já ter se tornado bastante comum nessas linhas o uso de peças intercambiáveis originalmente destinadas a veículos nacionais, bem como um infindável número de adaptações, pode naturalmente ser creditado em grande parte à configuração de carroceria separada do chassi que facilita eventuais redimensionamentos de modo que uma eventual alteração na estrutura do veículo não acarrete num comprometimento tão severo da segurança operacional e ainda facilitando upgrades em sistemas de suspensão e freios que se façam desejáveis por qualquer razão. A viabilidade burocrática de instalar motor Diesel num jipinho compacto à moda antiga, cuja aptidão off-road ainda proporciona um valor de revenda considerável em comparação a algum "pau véio" que eventualmente esteja entre os "doadores" de peças intercambiáveis, não justifica cercear a extensão desse direito a quem prefira (ou só disponha de orçamento para) um carro mais convencional, para o qual eventualmente alguma alternativa que pode ser considerada até certo ponto desesperada venha se sobressaindo.

Até mesmo o caso da Kombi também serve para expor o quão insensata se tornou a regulamentação baseada nas capacidades de carga e passageiros ou tração, tendo em vista que basta a configuração de carroceria se diferenciar entre passageiros/uso misto e carga que também há uma distinção entre uma versão inapta à regularização caso se adapte um motor Diesel e outra para a qual ainda se preserva tal direito, tão somente devido à capacidade de carga nominal que é menor nas versões Standard e Luxo em comparação à Kombi Furgão. Vale destacar o fato da Kombi ser um derivado do Fusca e a melhor capacidade de incursão off-road em comparação a similares modernos mesmo contando somente com tração traseira, credenciando ambos a atender bem não somente a operadores urbanos que apreciem a robustez ou a posição como ícone cultural à qual foram alçados mas permaneçam insubstituíveis aos olhos de uma parte do público rural em função da extrema simplicidade da mecânica mais antiga da Volkswagen somada à boa trafegabilidade por terrenos severos nas mais diversas condições de carga em função da concentração de peso mais próxima ao eixo motriz. Também cabe destacar uma remota possibilidade da antiga hegemonia da Volkswagen no mercado brasileiro ter fomentado o comodismo que possibilitou uma adesão relativamente fácil ao etanol no rescaldo da Guerra do Yom Kippur em meio às escaladas das cotações internacionais do petróleo a partir da década de '70, mesmo que uma combinação entre a precariedade do recurso ao carburador e principalmente as grandes limitações ao gerenciamento térmico em função da refrigeração a ar tenham sido considerados desencorajadores de uma adesão maciça ao álcool em modelos equipados com o motor boxer da Volkswagen.

E eis que na tentativa de economizar, o brasileiro procura por soluções que não parecem exatamente a mais ortodoxa, despontando adaptações com motores de motocicletas geralmente até 250cc que estão associadas à imagem de economia em função principalmente da cilindrada proporcionalmente menor mesmo em comparação aos carros ditos "populares" nos quais o uso de motores até 1.0L em nome da expectativa de uma economia de gasolina já se revela uma faca de dois gumes em algumas condições de tráfego. Claro que ponderando sobre diferenças nas curvas de potência e torque entre motores para atender a condições operacionais que não sejam tão parelhas pode-se deduzir que um motor de moto como o da linha de 250cc da Yamaha que equipa por exemplo a Lander não vá necessariamente ser incapaz de atender com diferentes graus de satisfação às necessidades de usuários de Fuscas, em que pesem outros aspectos mais subjetivos do que o desempenho e certamente desagradariam aos puristas que se apegam à preservação da máxima originalidade do projeto ou na melhor das hipóteses gostem de acessórios "de época". Definir quem estaria "certo" ou "errado" em eventualmente demonstrar-se receptivo ou não a adaptações é muito mais complexo do que possa parecer, indo desde o aspecto dos valores histórico e cultural que possam estar associados a um determinado veículo até questões mais técnicas como eventuais dificuldades que venham surgindo para a reposição de peças nos padrões de originalidade e até o cerco burocrático a veículos antigos em nome de falsas premissas "ecológicas" e "progressistas" que demonizam o motor de combustão interna de um modo geral, e a bem da verdade eram ainda um tanto negligenciadas enquanto não atingiam com um rigor tão próximo os motores de ignição por faísca embora estes ainda sofram restrições menos severas do que as implementadas com relação ao Diesel em alguns países.
No caso específico do Fusca, em que pese a existência de um mercado de peças de reposição amplo e consolidado tanto para colecionadores e entusiastas quanto para usuários que vejam o modelo sob um viés mais direcionado ao aspecto utilitário, não deixa de chamar a atenção o aumento expressivo não só nos preços de um exemplar do veículo como também das peças e acessórios à medida que houve a maior visibilidade para a cultura do antigomobilismo, atraindo também aqueles que são vistos como "antigoportunistas" e querem sugar até a alma de quem tenha condições de reformar um carro antigo e deixar parecido com os da época do avô. A procura pela maior especialização em novas tecnologias no setor da manutenção e reparação automotiva, por mais que tenha facilitado a vida de proprietários de modelos mais modernos e sofisticados, também acabou por fazer com que muitos torçam o nariz para antiguidades que ainda exigem algumas experiências mais sensoriais e intuitivas que um scanner e um laptop jamais seriam capazes de proporcionar a um mecânico de automóveis que prefira fingir que não existe um mundo lá fora onde naquelas favelas de Buenos Aires ainda se adapta carburadores em carros originalmente equipados com a injeção eletrônica. E assim impulsionados tanto pela maior presença da injeção eletrônica que se massificou no mercado automotivo brasileiro desde a 2ª metade da década de '90, quanto pelo surgimento de módulos programáveis destinados especificamente para o uso em adaptações e inicialmente voltados à aplicação em corridas de arrancada para gerenciar um injetor suplementar destinado a enriquecer a mistura ar/combustível ao se instalar o turbo em motores de ignição por faísca que ainda não eram dotados de injeção direta, parece tentador recorrer a alguma adaptação com componentes motociclísticos. E por mais que ainda não seja impossível encontrar um carburador de moto novo para reposição a custo menor do que um automotivo, vale destacar que nas motos também tem ocorrido uma presença expressiva da injeção eletrônica, essencial para manter um controle das emissões evaporativas (HC - hidrocarbonetos, essencialmente combustível cru que não é devidamente queimado) e contribuir para a longevidade do catalisador.

Antes de subestimar a adaptação de motores de moto em automóveis, é importante lembrar também de alguns modelos antigos ainda relativamente comuns de se ver em utilização profissional como é o caso da Asia Motors Towner, verdadeiro ícone da reabertura das importações na década de '90 e que fez fama como um dos modelos mais populares para venda ambulante de cachorro-quente e de outros lanches de rua muito antes que se começasse a falar na moda dos food-trucks. Com a falência não só da matriz coreana da Asia Motors mas também da importadora Asia Motors do Brasil, mesmo que no exterior a Kia tenha dado mais uns anos de sobrevida à simpática microvan, a reposição de peças hoje é um sofrimento, e eventuais adaptações podem ter uma relação custo/benefício muito mais lógica do que tentar procurar por algum componente original especialmente no que se refere ao motor, além de fazer mais sentido até mesmo sob o aspecto ecológico recondicionar um veículo antigo ao invés de simplesmente deixar apodrecer num ferro-velho e esperar que algum dia um substitutivo 0km chegue a compensar o saldo energético de todos os processos desde o beneficiamento das matérias-primas à montagem final compensem uma eventual redução de emissões, além de não necessariamente igualar a praticidade do modelo antigo em algumas condições de uso. Enfim, em meio às restrições que já se revelaram obsoletas, e à falta de uma perspectiva clara para a liberação do Diesel em veículos leves no Brasil sem distinções por capacidades de carga e passageiros ou tração, a hipótese de se adaptar um motor de moto em automóveis pode parecer simplesmente uma gambiarra favorecida em meio ao desespero, mas não deixa de ser justificável.

3 comentários:

  1. Para um público mais tradicional, pode assustar um pouco essa ideia. Já tem quem torce o nariz até para turbo em motor 1.0 e acha pior que motor 1.6 normal.

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  2. Do jeito que tem tanta moto em São Paulo, e muito acidente com elas, não ia faltar de onde tirar motor para adaptar.

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  3. A quantidade de vídeos de carros velhos adaptados com motor de moto que tem aparecido no YouTube faz parecer uma boa ideia até. Um vizinho meu que tem um Gol bolinha com motor CHT andou falando que queria fazer essa adaptação, e eu antes achava que não daria certo nunca, mas agora vendo de outro jeito pode ser que dê certo mesmo.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html