quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Caso para reflexão: continuidade do motor EC5 em alguns modelos da Citroën

O recente lançamento do Citroën C4 Cactus no Brasil, já incorporando a reestilização recentemente aplicada ao similar de fabricação espanhola, não deixa de trazer novamente à tona a discussão sobre o motor EC5 que alguns reputam obsoleto embora permaneça com uma clientela fiel na América do Sul, China e partes da África. Enquanto o modelo espanhol tem como únicas opções de motor a gasolina versões do EB2 de 3 cilindros e 1.2L tanto de aspiração natural e injeção sequencial quanto dotadas de turbo e injeção direta, no Brasil onde os motores de ignição por faísca também precisam da capacidade de operar com etanol encontram-se somente versões "flex" de 1.6L e 4 cilindros com o EC5 nas mais simples com injeção sequencial e aspiração natural, ou com turbo e injeção direta quando dotadas do motor THP já baseado na linha de motores EP6 "Prince". O único motor com 4 cilindros oferecido na Europa é justamente o 1.6 BlueHDi para quem não abre mão de um bom turbodiesel por lá e que no Brasil só está sendo usado em furgões de carga.

Com exceção do Prince que já usa corrente sincronizadora para acionar o comando de válvulas, todos os outros motores mencionados usam correia dentada. O diâmetro dos pistões, de 75mm é o mesmo em ambos os motores oferecidos no mercado europeu, mas o curso de 90,5mm no EB2 é 1,8mm mais longo que no BlueHDi com 88,3mm. No entanto, como os motores em questão não são provenientes de uma mesma arquitetura modular, a hipótese de fazer um "misto-quente" fica mais remota, não só pela dificuldade que se teria em alterar por conta própria o cabeçote do BlueHDi para ser usado num motor com quantidade menor de cilindros como para acertar as conexões das galerias de lubrificação e refrigeração entre bloco e cabeçote. Por sua vez, o motor Prince tem diâmetro de 77mm e curso de 85,8mm, medidas diferentes do bom e velho EC5 com 78,5mm e 82mm respectivamente, embora o motor Diesel TUD5 proveniente da mesma linha de motores modulares TU/TUD que originou o EC5 tenha o mesmo diâmetro de pistões do Prince. Por mais que pareça tentador também, se não houver certeza que as distâncias entre centros de cilindros seriam as mesmas e o alinhamento das galerias de lubrificação e refrigeração fossem compatíveis, já é melhor abortar o plano de fazer gambiarra antes mesmo de parar para pensar em eventuais dificuldades de se converter um motor com sincronização por corrente para correia ou vice-versa. Ironicamente, em um país que já foi mais receptivo ao Diesel em veículos leves mas hoje sofre com a sobretaxação dos mesmos como é o caso do nosso vizinho Uruguai, onde atualmente o C4 Cactus ainda é importado da Espanha e conta somente com motores EB2, está mais difícil de se conseguir fazer uma conversão do que no Brasil onde a regularização de veículos leves com motor Diesel tornou-se simplesmente impossível diante de uma medida infeliz tomada por órgãos públicos já extintos como o DNC - Departamento Nacional de Combustíveis - mas que permanecem em vigor sob os auspícios da ANP - Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis - que tem servido basicamente para manter intocável o monopólio da Petrobras.

Outro motivo para que o EC5 ainda pareça longe de sucumbir é a facilidade para fazer conversões a gás natural, combustível que ganhou bastante espaço na Argentina e acaba sendo apontado como uma alternativa regional a nível de Mercosul e Boliviguay. Assim, até um modelo que no Brasil já nem é oferecido com o EC5 como é o caso do Citroën C4 Lounge permanece com essa opção na Argentina justamente por não contar com alguns empecilhos observados na conversão de motores com injeção direta para operar com gás natural que viriam a inviabilizar uma proposta de substituir a gasolina. Justamente agora que aplicativos de transporte como o Uber estão consolidados nas principais capitais brasileiras, e se valem da proposta de um serviço mais qualificado que o do táxi, chega a ser estranho que esse modelo não conte mais no Brasil com um motor mais facilmente adaptável ao uso desse que se firmou como um dos principais combustíveis para aplicações profissionais leves em função das restrições ao Diesel no país...

Outro modelo em que o motor EC5 garantiu uma sobrevida foi o Citroën C-Elysée, não só em países como o Uruguai mas surpreendentemente até na Espanha onde é produzido e possivelmente seja o último modelo da marca a ainda dispor de um motor derivado da linha TU ao invés de recorrer a um Prince na mesma faixa de cilindrada mesmo considerando que disponha também de versões sem o turbo ou a injeção direta. De fato, a proposta mais básica desse modelo pressupõe que um motor tecnicamente mais simples como é o caso do EC5 faça sentido. Mas enquanto os espanhóis ainda tem a sorte de dispor do 1.6 BlueHDi como opção, os nossos hermanos uruguaios hoje teriam de recorrer a uma conversão "misto-quente". Aquela diferença de 1,5mm no diâmetro dos pistões entre o EC5 e o antigo TUD5 teria que ser compensada com um encamisamento que adicione 0,75mm de espessura às paredes dos cilindros, o que não é impossível, além de recordarmos que o TUD5 tinha aspiração natural e injeção indireta e portanto não era nenhum referencial de desempenho, sendo até mais modesto nesse aspecto que o EB2 também oferecido regularmente no C-Elysée.
A bem da verdade, considerando que o desempenho do TUD5 de 1.5L ficaria comparável ao de um motor a gasolina de 1.1L como o que ainda chegou a ser usado no Citroën C3 europeu de 2ª geração antes da reestilização que o modelo teve quando foi finalmente introduzido no Brasil (basicamente concentrada na grade frontal), até já estaria capaz de atender a uma imensa maioria dos possíveis interessados tão somente no aspecto utilitário dos motores Diesel. A adaptabilidade ao uso de óleos vegetais como combustível alternativo é outro aspecto que merece ser destacado, especialmente em países como o Uruguai e o Brasil que são muito dependentes do setor agropecuário, ainda que às vezes essa vantagem permaneça subestimada.
Cabe destacar que, no tocante ao motor EC5 que segue em uso no C3 de 2ª geração no Brasil, o similar de fabricação francesa já o havia substituído por uma versão naturalmente aspirada do Prince, batizada de VTi tal qual vem ocorrendo com o EC5 no Brasil, embora o 1.1 a gasolina pertencesse à mesma linha de motores modulares que originou o EC5, sugerindo que aspectos como normas de emissões não tenham sido um pretexto para que o motor antigo tenha perdido relevância na Europa.
No caso do C3, atualmente a versão brasileira conta com a opção pelo EC5 somente com o câmbio automático, enquanto com o câmbio manual já se usa o EB2 naturalmente aspirado e "flex" como seria de se esperar para atender à preferência de mercado que se consolidou em torno dessa opção mesmo que o etanol esteja muito desacreditado na maioria dos estados. E embora o câmbio automático não seja necessariamente um impedimento ao uso de um motor Diesel, a integração entre módulos de gerenciamento de motor e câmbio certamente se tornaria um complicador a mais para se fazer uma conversão um tanto rudimentar...

O motor EC5, no caso de ser usado como base para conversões clandestinas para Diesel em função do compartilhamento de uma arquitetura modular com motores originalmente desenvolvidos para tal configuração, já seria capaz de atender a uma boa parte das aplicações da linha Citroën/Peugeot que não contam com essa opção no Brasil, embora provavelmente o desempenho mais comparável ao de um motor de 1.0L com ignição por faísca dos carros "populares" brasileiros de 20 anos atrás ou de alguns utilitários da década de '80 esteja em desacordo com o desejo de "ostentar" em um soft-roader da moda ou mesmo em um "mano-móvel" que eventualmente seja usado para fugir da polícia. Mesmo na versão "flex" hoje disponível no Brasil, e que diga-se de passagem foi o primeiro motor desse tipo a abolir o tanque auxiliar de gasolina para a partida a frio recorrendo ao pré-aquecimento do combustível sem se tratar de uma série especial, certamente teria as qualidades mais reconhecidas se não fosse pela rede autorizada pouco abrangente tanto da Citroën quanto da Peugeot e a má fama dos fabricantes franceses em geral no tocante à alegada dificuldade de manutenção no Brasil. Enfim, embora pudesse parecer à primeira vista mais lógico eliminá-lo em benefício da série de motores Prince até em nome da economia de escala com o THP, o EC5 pode ser de fato antigo mas não exatamente superado...

8 comentários:

  1. Motorzinho bom mesmo, quem fala mal de motor Peugeot é ignorante ou relaxado. O único problema é que bebe muito óleo, pelo menos meio que obriga a turma a usar óleo novo ao invés de deixar o óleo envelhecer e virar borra.

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  2. Citroen e Peugeot na Argentina são carne de vaca, igual a Volkswagen por aqui no Brasil, então deve fazer mais sentido manterem o motor aspirado no C4 Lounge por lá e aqui empurrar só o turbo até por causa do status que tentam passar no Brasil. O argentino sempre foi muito mais chegado no conforto e não dá tanta importância para motores muito sofisticados, e enquanto isso no Brasil agora a moda nos sedãs médios é ter no mínimo o turbo. Uma das críticas mais comuns contra o Corolla e o Focus é exatamente por não estarem nessa moda do turbo.

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  3. O pai de uma amiga minha tem um C4 Lounge, mas o motor é 2.0

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  4. Mas e aí, é vantagem esse motor ou seria melhor o C4 Cactus vir com o mesmo do europeu? Eu gostei do design, mas não sou muito familiarizada com essa parte de motor.

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    1. É difícil dizer com exatidão se o motor EB2 seria melhor que o EC5.

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  5. Motorzinho velho mesmo, mas aguenta bem a pauleira. Tem muito mochileiro argentino que faz viagens longas com aquelas Peugeot Partner enfrentando uma amplitude térmica considerável ao longo do caminho e o motor não pede arrego.

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  6. Yá lo vi sacaren el EC5 y poner el 1.4 de la Partner aun lugar en un 308.

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  7. Brasileiro ainda dá muita importância para a cilindrada do carro, então se viesse com o motor menor não teria o mesmo status.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

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