sexta-feira, 5 de julho de 2019

Consolidação em torno de menos faixas de cilindrada atendendo a diferentes segmentos: uma volta às origens?

Uma situação que remonta a tempos que hoje já são considerados motivo de nostalgia, como quando a operação brasileira da General Motors estava mais alinhada com a Opel, mas que só recentemente é observada de forma um tanto equivocada, a consolidação em torno de menos faixas de cilindrada nos diferentes segmentos pode estar sujeita a diferentes interpretações. Um caso a se destacar seria o dos Opel Corsa B e Vectra A, comercializados no Brasil como Chevrolet e sem compartilharem nem ao menos as mesmas linhas de motores no mercado brasileiro (com o bloco mais compacto e conhecido como "Família 1" originando os motores do Corsa e o "Família 2" encontrando espaço no Vectra), em contraponto ao uso de um mesmo motor Isuzu 4EE1 de 1.7L e injeção indireta em ambos os modelos visando atender ao público de países sem as restrições ao Diesel baseadas nas capacidades de carga e passageiros ou tração. Em que pesassem outros fatores tão distintos como a disponibilidade ou não do turbo, que podia não ser considerado tão essencial num compacto como o Corsa tanto pelo menor esforço ao qual o motor estaria submetido quanto pelo custo adicional e cuidados de manutenção que o dispositivo exige, mas favorecia e muito o ainda relativamente modesto desempenho num sedan médio como o Vectra, na prática era o mesmo motor. Versões aspiradas do Vectra na mesma faixa de cilindrada chegaram a usar uma versão 1.7D também com injeção indireta baseada no mesmo projeto dos motores "Família 2" usados no Brasil somente em versões a gasolina, etanol ou "flex", mas essa já é outra história...

Atualmente a massificação do turbo, que permanece rodeado por uma certa aura de prestígio quando aplicado a motores de ignição por faísca como o 1.6 THP oferecido em modelos com pretensões mais sofisticadas como a Citroën C4 Picasso/SpaceTourer em contraponto aos EB2 e EC5 disponibilizados num sedan compacto destinado a mercados emergentes como o Citroën C-Elysée, no caso do Diesel é um dos fatores que exacerbou a percepção de que motores tecnicamente idênticos diferenciados apenas por pequenos ajustes visando cobrir faixas de potência reputadas como mais desejáveis para cada aplicação estariam dominando o mercado. Naturalmente o custo sobressai entre os principais motivos para os fabricantes aderirem tão maciçamente ao downsizing em modelos oferecidos no mercado europeu mas, tendo em vista fatores como a incidência de impostos de acordo com faixas de cilindrada que também se aplica ao Brasil, acaba não sendo o único. De fato, considerando que nos países da União Européia hoje um veículo com motor Diesel acima de 1.6L recolheria mais impostos do que um similar até essa faixa, é previsível que seja priorizada a oferta dentro desse limite. Chama a atenção o fato de que mesmo na C4 SpaceTourer se tem priorizado o motor DV6 inicialmente de 1.6L mas atualmente reduzido para 1.5L nas versões revisadas para se manter de acordo com o novo ciclo europeu de testes de consumo e emissões e compartilhado entre outros com o C-Elysée, mesmo que o fato de ocuparem segmentos distintos pudesse pressupor que o DW10 de 2.0L ainda pudesse se justificar como uma opção mais prestigiosa. Mas ao contrário do brasileiro, que dá uma importância quase sempre exagerada à idéia de que a cilindrada e até a quantidade de cilindros possam representar algum status, o europeu é bem mais pragmático nesse aspecto.
É de se esperar que, com uma linha de motores mais enxuta, possa ocorrer uma menor variabilidade entre sistemas de controle de emissões, e portanto que o retorno do investimento se torne mais célere. A bem da verdade, como os princípios operacionais de um motor Diesel de injeção direta permanecem basicamente os mesmos tanto num motor moderno que é oferecido no Citroën C-Elysée quanto em outros mais antigos eventualmente até ainda 100% mecânicos e de aspiração natural como o MWM D-229-4 de 3.9L usado nas Ford F-1000 ou o Toyota 14B de 3.7L que foi o último motor oferecido no Toyota Bandeirante, também há uma similaridade nos métodos atualmente incorporados a motores turbodiesel modernos gerenciados eletronicamente em diferentes faixas de cilindrada para atender a segmentos tão distintos, e que eventualmente motores modernos possam ser adaptados em modelos antigos com resultados satisfatórios. Não se pode desconsiderar eventuais rejeições ao downsizing por parte do público-alvo de cada categoria, bem como o interminável dilema que abrange uma preferência pelo downrevving junto a alguns operadores, mas ao menos teoricamente até um motor tão pequeno como o atualmente usado no C-Elysée numa configuração de potência e torque relativamente modesta para os padrões da geração de motores turbodiesel de alta rotação ainda pode dar conta de movimentar uma caminhonete como a F-1000 Diesel aspirada ou as últimas versões do Bandeirante e proporcionar um desempenho próximo ao original. Evidentemente, não se pode desconsiderar questões culturais que influenciem as preferências do consumidor de um sedan compacto projetado por um fabricante europeu para atender especificamente aos mercados emergentes ou de um utilitário à moda antiga, bem como uma objeção mais específica ao gerenciamento eletrônico que permanece forte entre alguns operadores de modelos antigos.

É até possível considerar o caso de aplicações utilitárias como um exemplo de viabilidade comercial da consolidação da oferta de motores em torno de uma menor variedade de cilindradas, mesmo que às vezes alguns conceitos básicos de cada projeto sejam substancialmente diferentes, como por exemplo a geração final da Ford F-4000 brasileira e a 4ª geração da Toyota HiAce. Antes de sair de linha pela 1ª vez no final de 2011 em antecipação à entrada em vigor das normas de emissões Euro-5, a F-4000 dispunha do motor Cummins B3.9 como única opção desde '99, apesar de ter sofrido um de-rating de potência e torque em 2005 para se enquadrar durante a transição de Euro-2 para Euro-3. Até poderia causar inicialmente alguma estranheza o fato das últimas versões da F-4000 relançada em 2014 terem passado a usar o motor Cummins ISF2.8 originalmente desenvolvido para atender à demanda chinesa onde compete com inúmeras cópias do Isuzu 4JB1 na mesma faixa de cilindrada de 2.8L que também já incorporam dispositivos de controle de emissões mais recentes como o SCR, mas a opção por esse motor até parecia bem fundamentada se não for considerada a idealização em torno de modelos com concepção mais americanizada como a F-4000 sendo na maioria das vezes equipados com motores de alta cilindrada. Já no caso da HiAce, cujas opções de motor Diesel para a 4ª geração comercializada de '89 a 2004 mundo afora (e até 2012 se for considerada a sobrevida que uma versão "bicuda" teve no mercado europeu) abrangiam uma faixa de 2.5L a 3.0L que incluía o 3L (cuja cilindrada era de 2.8L na verdade) aspirado e com injeção indireta oferecido em versões de especificação uruguaia, não causa nenhuma surpresa que imitações chinesas da 5ª geração comercializadas no Paraguai recorram ao ISF2.8 e esse não seja considerado um pretexto para sofrerem rejeição no mercado.

A questão do custo de desenvolvimento de sistemas de controle de emissões, cujo grau de exigência é cada vez mais elevado nas novas gerações de motores Diesel veiculares ou em revisões de motores já existentes, poderia levar a crer que motores de ignição por faísca como o já mencionado 1.6 THP tem uma vantagem competitiva incontestável, mas na prática não é bem assim. Ainda que a incorporação de recursos já consagrados no Diesel que abrangem não só o turbo, mas com destaque especial para a injeção direta, hoje melhorem até mesmo a partida a frio durante o uso do etanol em modelos "flex" como versões brasileiras do Citroën C4 Cactus, além da maior flexibilidade que a própria presença de um sistema de ignição por faísca proporciona para o gerenciamento térmico encurtando a "fase fria" e facilitando o aquecimento dos catalisadores e pré-catalisadores ao alterar pontos de injeção e ignição, convém salientar que esses recursos também tem alguns efeitos colaterais no tocante às emissões. Por mais que a possibilidade de usar uma proporção mais pobre de combustível pela mesma massa de ar de admissão, o que acaba fomentando a idéia de que poderia nivelar a competição com o Diesel no âmbito da economia de combustível, essa característica se reflete numa elevação das emissões dos óxidos de nitrogênio (NOx) que hoje são o principal alvo de controvérsias, além de intensificar até a formação de material particulado fino por conta de uma vaporização incompleta do combustível antes de chegar às câmaras de combustão. Naturalmente, pode parecer que um eventual enriquecimento do volume de gasolina ou etanol já solucionaria todo o problema, com a ignição por faísca dando conta de inflamar a mistura resultante mesmo que tenha de partir de uma temperatura mais baixa nas câmaras, mas está longe de ser uma solução perfeita tendo em vista que uma massa de combustível maior precisaria de mais calor resultante do aquecimento aerodinâmico da compressão para vaporizar satisfatoriamente, e assim como ocorre nos motores Diesel se intensificaria a formação de material particulado fino. Dificuldades para fazer uma conversão para gás natural sem dispensar a injeção de uma quantidade de gasolina ou etanol, tendo em vista que os injetores originais permanecem expostos à frente de propagação de chama, até podem ser considerados outro motivo para preferir o Diesel caso se opte por uma integração com o gás natural.

Várias interpretações podem ser dadas para uma oferta menor de motores Diesel em diferentes faixas de cilindrada, mesmo que possam ser ajustados para cobrir as necessidades distintas entre segmentos como o de hatches compactos a exemplo do Peugeot 208 e vans médias do porte da Peugeot Expert Traveller. Desde opiniões alarmistas apostando num futuro de incertezas para a liberdade de escolha do consumidor, até a esperança de que os fabricantes possam se adaptar e não deixar de atender bem a quem considere essa opção uma prioridade, alguns desafios podem exigir soluções mais ortodoxas do que poderiam inicialmente parecer. Diante também de um cerco ao Diesel no cenário político sob premissas às vezes pouco honestas de redução de emissões, que acabam acarretando numa eventual diminuição da participação de mercado em alguns países, a economia de escala favorece a ocorrência de uma concentração não apenas entre os fornecedores de motores mas também nas opções que vão disponibilizar. Enfim, tendo em vista que consolidar o mercado dos motores Diesel em torno de uma menor variedade de faixas de cilindrada como uma estratégia para assegurar a permanência especialmente em veículos leves, não se pode desconsiderar esse fenômeno como uma volta às origens como uma opção coerente no aspecto da economia operacional.

2 comentários:

  1. Uma curiosidade: motores flex com injeção direta poderiam consumir diesel se tivessem compressão compatível com esse combustível? Uma pergunta típica de quem vive no país da gambiarra...

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    1. O ideal seria ter também um mapeamento específico para uso de combustíveis menos voláteis, como o óleo diesel e o querosene, mas até poderia funcionar. Ficaria bastante próximo do conceito dos motores Hesselman que eram muito comuns na Suécia até por volta da década de '50.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
http://dzulnutz.blogspot.com/2016/03/relacao-de-marcha-refletindo-sobre.html