segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Perkins: uma pioneira do segmento veicular com um afastamento difícil de compreender

Fundada em 1932 em Peterborough, Inglaterra, a Perkins tem um glorioso legado que levou o Diesel a se consolidar como uma opção para as mais diversas aplicações. Uma das primeiras a apostar numa "dieselização" do transporte comercial no Brasil, também se destacou a nível mundial com soluções para veículos leves que a mantiveram por ao menos 5 décadas entre os principais fornecedores desse tipo de motorização. Diversos fatores acabaram culminando numa concentração da Perkins em outros segmentos, mas não restam dúvidas de que uma experiência de quase 9 décadas de inovação ainda é digna de louvor, e o peso da marca junto a uma parte do público mais apegada a tradições favoreceria até um eventual retorno da empresa à produção de motores Diesel para aplicações tanto em veículos leves quanto pesados.

As primeiras operações da Perkins no Brasil e na Argentina se deram por meio do licenciamento para empresas da região explorarem a marca e a transferência de tecnologia, com a participação da matriz inglesa no capital da sucursal brasileira por meio da importação de um ferramental para produção de motores Diesel de 6 cilindros cujo custo já tinha sido amortizado no país de origem. Ficar na mão de terceiros podia parecer menos arriscado num primeiro momento, mas certamente seria um problema a longo prazo em função de alguns erros estratégicos que acabaram comprometendo a antiga posição de liderança que desfrutou no Brasil. Alguns poderão alegar que o erro foi desencadeado já ao trazer para o país um modelo de motor que já estava sendo substituído ao invés de acompanhar a evolução da tecnologia no mesmo ritmo aplicado aos mercados mais desenvolvidos, enquanto outros veriam a dependência por uma terceirização para a fundição dos blocos como uma restrição ao crescimento da produção de modo a acompanhar incrementos na demanda. De certa forma, o foco inicialmente mais voltado aos mercados de veículos utilitários/comerciais e máquinas agrícolas também não foi algo tão incontestável, diante da perda de oportunidades para desmistificar o Diesel junto a consumidores generalistas antes que houvesse tempo de implementar a proibição ao uso em veículos leves com lotação menor do que 9 passageiros mais o motorista, tração simples e capacidade de carga nominal inferior a uma tonelada.

Possivelmente o pouco sucesso de uma versão Diesel da Rural Willys oferecida entre '62 e '63 com o motor Perkins 4.203 de 3.3L e 4 cilindros frequentemente usado em tratores Ford e Massey-Ferguson tenha desencorajado qualquer iniciativa semelhante que pudesse ser direcionada a automóveis quando ainda não havia qualquer restrição com base nas capacidades de carga e passageiros ou tração, apesar de que por exemplo o 4.108 de 1.8L muito popular no exterior pudesse ter servido bem a compactos como o Ford Corcel. Numa época em que a influência americana permanecia forte principalmente nos utilitários, mesmo com os projetos de origem européia ganhando espaço na linha leve, o custo da gasolina ainda não inspirava a preocupação que perdura desde as crises do petróleo deflagradas a partir da década de '70 após uma coalizão árabe ser derrotada por Israel na Guerra do Yom Kippur e fazer uso político das cotações do petróleo com o intuito de promover um isolamento político, econômico e militar contra o lado que se saiu vitorioso em campo de batalha.

No tocante à oferta de motores a Ford vacilou demais no Brasil, apesar do projeto original oriundo da parceria entre a Willys-Overland do Brasil e a Régie Nationale des Usines Renault que culminou com o lançamento do Corcel em '68 ter garantido um motor de ignição por faísca que cobriu bem uma faixa entre 1.0L e 1.6L apesar de ter ficado defasado à medida que sofria concorrência da Chevrolet, Volkswagen e Fiat. Apesar disso, ainda foi o que permitiu à Ford se manter no Brasil durante o ciclo de produção do Escort que não dispunha dos mesmos motores usados no similar europeu. A dependência da Ford pelos motores desenvolvidos por terceiros em modelos de grande volume de produção se manteve até fins de '96, quando já não podia mais continuar se valendo da AutoLatina em vias de extinção para ter acesso a motores Volkswagen, e de certa forma uma eventual falta do aproveitamento de oportunidades para aproximar o público generalista e o Diesel acabou sendo talvez mais prejudicial à Ford que à Perkins.

Outro caso que talvez pudesse ter levado a uma virada de jogo envolvendo tanto Perkins quanto Ford foi do Maverick, cuja produção no Brasil se deu pura e simplesmente para aproveitar o ferramental de um motor de 6 cilindros em linha ao qual a Ford teve acesso no espólio da Willys-Overland do Brasil. No fim das contas o motor Hurricane de 3.0L se revelou mais problemático do que uma atualização de ferramental que se fizesse necessária para introduzir no país pelo menos o motor Thriftpower Six, usado inicialmente em versões de 2.8L e 3.3L como a oferta básica no Maverick americano e depois complementado por uma versão de 4.1L e pelo V8 Windsor de 5.0L que foi usado tanto lá como cá. Com ciclos de produção de '69 a '77 nos Estados Unidos e Canadá e de '73 a '79 no Brasil, teve só a partir de '75 o problemático motor Hurricane tirado de linha e substituído pelo motor de 4 cilindros Georgia OHC numa versão de 2.3L que se mantinha mais competitiva no segmento mas não chegou a ser párea para os concorrentes mais próximos.
Seria precipitado descartar a questão da quantidade de cilindros como um fator de prestígio, bem como a atenção exagerada do público generalista com relação à potência em detrimento ao torque e às curvas de rotação em que ambos os parâmetros se desenvolvem, como tendo sido empecilhos a eventuais tentativas de implementar uma solução mais abrutalhada de acordo com o que já era feito pela Perkins visando atender a necessidades de aplicações alheias ao mercado de automóveis. O fato do motor Perkins 4.203 ter contado com versões de ignição por faísca, aplicadas principalmente a empilhadeiras e recorrendo a combustíveis gasosos, já seria menos propenso ao fracasso comparado à precariedade do Hurricane que se notabilizou por "andar como 4 cilindros e consumir como V8". É interessante salientar também que, devido ao compartilhamento de muitos componentes básicos entre as versões Diesel do 4.203 e as de ignição por faísca que eram basicamente um "misto quente" às avessas, a robustez necessária para suportar taxas de compressão elevadas não deixaria de ser até mais adequado para o caso de se desenvolver uma variação movida a etanol.

Um dos motores mais lembrados da linha veicular da Perkins no Brasil é o 4.236 de 3.9L e 4 cilindros, bem como a versão modernizada que foi renomeada Q20B e foi usado principalmente na linha de pick-ups Chevrolet a partir da D-10 e em seguida na D-20. Tendo herdado muito da concepção de um motor "de trator", até porque o crescimento na demanda por motores Diesel após os primeiros choques do petróleo durante a década de '70 ocorreu um tanto às pressas sem deixar margem para a busca pela maior sofisticação que se priorizava nos utilitários leves para o mercado americano que apostou numa tentativa de fazer com que essa opção conseguisse se impor de igual para igual diante dos sedentos V8 a gasolina frequentemente acima de 5.0L que a maior parte dos rednecks ainda vê como indissociável da cultura automobilística dos Estados Unidos. A escassa concorrência de origens européia e asiática à época não tentou impor no Brasil uma mesma preferência por motores de alta rotação e cilindrada mais modesta, ao contrário do ocorrido nos seus respectivos mercados domésticos.
A rusticidade que tanto agradava ao público mais tradicional consolidado antes que a década de '90 se tornasse um divisor de águas para a tecnologia automotiva com o retorno das importações, foi alvo da mesma obsessão por equiparar o desempenho dos motores Diesel ao de concorrentes com ignição por faísca. Enquanto para a D-20 o bom e velho 4.236/Q20B e posteriormente os Maxion S4 e S4T de 4.0L como uma renovação do mesmo projeto básico feita após a aquisição da operação pelo grupo Iochpe ainda eram o bastante, algumas mudanças estavam em curso na época da chegada por importação oficial da Chevrolet Silverado ao Brasil a partir de '97. Durante a estréia do modelo trazido da Argentina com o motor Maxion S4 de aspiração natural como opção de entrada na linha Diesel, a transição de ser uma mera ferramenta de trabalho para rivalizar com os motores a gasolina junto a usuários particulares foi decisiva para que o então sofisticado MWM Sprint 6.07T de 4.2L e 6 cilindros em linha se tornasse a única opção turbodiesel.
Naturalmente, a mudança de perfil do mercado não ocorreu de uma hora para outra, com um público mais tradicional permanecendo fiel a motores Diesel o mais "pé-duro" possível até mesmo rejeitando o turbo por razões que iam desde o custo inicial até temores quanto a uma maior complexidade para a manutenção preventiva. Apesar de que mesmo quando ainda se usavam somente motores de conceito mais rústico e essencialmente "agrícola" já se alcançava um desempenho que não deixava a desejar na comparação aos similares a gasolina, uma desmistificação do Diesel aos olhos de quem antes tinha a percepção de que seria prejudicial ao conforto de rodagem levou a uma consolidação do MWM na Silverado como única opção Diesel sempre com o turbo entre 2000 e 2001, apesar da permanência do Maxion como uma opção de entrada na linha de caminhões GMC com o modelo 6-100 até a operação de pick-ups full-size e caminhões da General Motors do Brasil ser encerrada no final de 2001.

É importante observar que historicamente a Perkins teve vínculos tanto a nível de Brasil e Argentina quanto outros mercados com os mais diversos fabricantes, como por exemplo a Dodge/Chrysler que também disponibilizou durante as décadas de '70 e '80 a opção por motores Perkins em algumas versões nacionais da linha de caminhões como alternativa ao V8 de 5.2L que chegou a ser oferecido tanto em versões a gasolina quanto outras que ficaram mais conhecidas por "Dodge canavieiro" movidas a etanol. No caso do caminhão leve Dodge D-400, diga-se de passagem, foi oferecido exatamente o mesmo motor Perkins 4.236 que marcou época na linha Chevrolet. Apesar de que seria muito difícil um motor Diesel de 3.9L com 4 cilindros e naturalmente aspirado proporcionar um desempenho na mesma medida do V8 da linha Dodge, era de se destacar que haviam outras prioridades no tocante ao custo operacional tornando tolerável o uso desse motor, enquanto caminhões de outras categorias recorriam ao motor Perkins 6.357 de 5.8L e 6 cilindros em linha como opção ao mesmo V8 a gasolina usado no D-400.

Com operação própria implementada no Brasil somente a partir de 2003, a Perkins passou a focar nas aplicações em maquinário agrícola e de construção e geração de eletricidade. Atualmente importando versões de 2.2L e 4 cilindros da série 400 e produzindo em Curitiba os motores das séries 1100 em versões de 3.3L com 3 cilindros, 4.4L com 4 cilindros e 6.6L com 6 cilindros que até poderiam se mostrar satisfatórios em algumas aplicações veiculares, bem como as séries 2500 em versão de 15.0L e 2800 de 18.0L ambas de 6 cilindros mais destinadas a aplicações estacionárias. A bem da verdade, tendo em vista não só o relativamente recente controle de emissões MAR-I aplicado a "máquinas agrícolas e rodoviárias" no Brasil mas também um maior rigor em outros países abrangendo os mais diversos dispositivos que se valham de motores Diesel, a princípio já não seria tão difícil para a Perkins ajustar para especificações automotivas sistemas como o EGR, o SCR ou catalisadores de oxidação (DOC - Diesel Oxidation Catalyst) e filtros de material particulado (DPF) que já lança mão para se enquadrar em diferentes legislações ambientais.

Eventualmente uma nova dinâmica do mercado de pick-ups, destacando-se na última década a menor propensão ao outsourcing de motores entre os modelos de porte médio, poderia desincentivar alguma hipotética tentativa por parte da Perkins de se reinserir nesse cenário hoje tão competitivo e que ainda se voltou muito ao downsizing em detrimento ao downrevving característico de motores que podem ser considerados dentro de uma "zona de conforto" para a operação brasileira. Porém, lembrando que a antiga Perkins Argentina que após o vencimento da licença de uso da marca foi renomeada Pertrak hoje terceiriza para a Volkswagen a usinagem de alguns componentes do motor 2.0 TDI que equipa versões de 4 cilindros Amarok, poderia não soar tão absurdo que um motor 1103 de 3.3L e 3 cilindros caia como uma luva aos olhos de alguns potenciais compradores. Tendo em vista não apenas a maior complexidade aplicada ao controle de emissões nas novas gerações de motores Diesel veiculares, e já levando em consideração a imagem de uma igualmente crescente dificuldade de manutenção, a boa e velha concepção mais "à prova de burro" inerente a motores dimensionados para enfrentar condições severas no campo traria mais tranquilidade até mesmo a consumidores com um perfil mais urbano.

Com o peso da tradição às vezes tomando proporções divergentes, e a idade dos projetos de motores concorrentes revelar algumas surpresas à medida que o mais "arcaico" possa não ser nem de longe o pior, a impressão de que a Perkins "parou no tempo" revela não ser a grande raiz do problema. Ainda que as preferências de operadores e as necessidades dos fabricantes de veículos e equipamentos nem sempre sejam tão fáceis de conciliar, o domínio das tecnologias que se tem lançado mão no mercado também não se mantém como um obstáculo intransponível. Enfim, mesmo não estando mais tanto em evidência junto ao grande público, o afastamento da Perkins do segmento de motores veiculares é difícil de compreender.

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Nem sempre é viável manter as relações de marcha originais após converter um veículo para Diesel, em função dos regimes de rotação diferenciados. Portanto, uma alteração das relações de diferencial ou até a substituição do câmbio podem ser essenciais para manter um desempenho adequado a todas as condições de uso e a economia de combustível.

It's not always viable to retain the stock gear ratios after converting a vehicle to Diesel power, due to different revving patterns. Therefore, some differential ratio or even an entire transmission swap might eventually be essential to enjoy a suitable performance in all driving conditions and the fuel savings.

Mais informação sobre relações de marcha / more info about gear ratios
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